segunda-feira, 2 de julho de 2018

Alguns servidores ainda se preocupam com a maioria, FSP

Alguns servidores ainda se preocupam com a maioria

Deve-se reconhecer que ocorreram avanços neste governo improvável

São tempos de insensatez. O país se descobre refém de grupos de interesse que tentam extrair benesses de um governo nas cordas em meio ao nosso namoro com o precipício.
Nos últimos meses, assistimos à aprovação de diversas medidas na contramão do ajuste fiscal, como o refinanciamento das dívidas tributárias e o desastroso acordo com os caminhoneiros.
Grupos de funcionários públicos revelam insensibilidade com as dificuldades do país e pressionam por benefícios inacessíveis para o restante da sociedade, em meio a decisões das cortes superiores que parecem tentar apagar o incêndio adicionando gasolina, como ocorreu no julgamento do TST que impôs uma perda bilionária à Petrobras.
O pessimismo das últimas semanas foi agravado pelo resultado da mudança, já esperada, do cenário externo. Afinal, desde o fim do ano passado sabia-se que a retomada da economia americana levaria ao aumento das taxas internacionais de juros.
Certamente contribuímos para a piora com a interrupção da agenda de reformas, sobretudo a da Previdência.
O resultado foi a desvalorização cambial e o aumento das taxas futuras de juros. Não ajuda o discurso desagregador e permeado por disparates de alguns candidatos à Presidência. Afinal, superar nossos problemas vai requerer capacidade de construção de maioria parlamentar para aprovar reformas que efetivamente enfrentem nossos difíceis problemas.
Entretanto, deve-se reconhecer que ocorreram avanços neste governo improvável, cercado de denúncias e refém de demandas de grupos de interesse.
A Secretaria do Tesouro resgatou as boas práticas contábeis e construiu uma transparência inédita das contas públicas e das nossas restrições. Vale visitar o seu site.
Diversas políticas públicas foram revistas, como os subsídios concedidos pelo BNDES e pelo Fies.
A Lei das Estatais impôs requisitos técnicos a nomeação dos seus dirigentes. O país de cabeça para baixo, porém, desmereceu a gestão recente da Petrobras que salvou a empresa da quase inadimplência.
Recentemente, a equipe econômica e órgãos de controle têm demandado que as medidas aprovadas pelo Congresso sejam compatíveis com a Lei de Responsabilidade Fiscal, garantindo que qualquer novo benefício tenha fonte clara de recursos.
Esse pequeno grupo admirável colocou na berlinda mais de R$ 15 bilhões de incentivos aprovados para os agricultores, a lei que prevê subsídios do Tesouro aos estados e municípios para o pagamento de precatórios, assim como os benefícios fiscais concedidos a diversos setores.
Em tempos de insensatez resta o conforto de que, ao menos, alguns, poucos, servidores públicos tentam defender a maioria.
Marcos Lisboa
Doutor em economia, foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda (2003 a 2005). Preside o Insper.

O segredo da democracia, FSP

Tenho insistido na tese de que a democracia funciona, apesar do eleitor. Já escrevi um bom número de colunas tentando mostrar que vieses cognitivos e outras facetas não muito abonadoras da psicologia humana afastam definitivamente o voto do ideal de decisão informada e responsável.
De modo geral, o eleitor não só ignora os aspectos relevantes das questões que importam para a sociedade como nem sequer se preocupa em informar-se para fazer a escolha certa. Embora não o admita, ele costuma definir seu voto por impulsos emocionais e segundo critérios de fidelidade ao grupo a que pertence.
Até porque é mais divertido, tenho enfatizado o lado irracional dessa história, mas hoje pretendo destacar os mecanismos positivos, que fazem com que a democracia funcione. Apoio-me principalmente em “Democracy Despite Itself” (democracia apesar dela mesma), de Danny Oppenheimer e Mike Edwards.
O voto é importante porque dá aos cidadãos a sensação de que o processo de escolha dos dirigentes é justo. E as pessoas aderem melhor às regras de um sistema que acreditam ser justo e legítimo do que às de um que consideram viciado. Votações também têm a virtude de promover a moderação, ao fazer com que as posições extremistas se anulem.
Outro ponto é que eleições favorecem a alternância pacífica do poder, o que é fundamental para que as sociedades possam prosperar no longo prazo, sem temer a irrupção de guerras civis periódicas.
Por fim, de tempos em tempos o eleitor pune os políticos, removendo-os de seus cargos. Ainda que não o faça de forma coerente, essa simples possibilidade funciona como um estímulo para que os governantes se comportem bem, tentando manter suas promessas e tomando cuidado para não irritar suas bases.
Tudo isso e mais um pouco combinado tem servido para fazer com que um sistema baseado nas incoerências do eleitor acabe produzindo regimes viáveis, por vezes prósperos.


    Hélio Schwartsman
    É bacharel em filosofia e jornalista. Na Folha, ocupou diferentes funções. É articulista e colunista.

    domingo, 1 de julho de 2018

    Feira de riquezas, FSP

    O governo sumiu. Foi sua melhor providência em dois anos de invasão da Presidência e adjacências. O Supremo Tribunal Federal ocupou o vazio: em uma semana, foi mais criticado do que em todo o seu tempo pregresso, cujo silêncio impositivo, por temor ou interesse, só foi perfurado já no século 21. Mas do Supremo saiu, apesar de logo atacada, uma decisão há muito necessária.
    Desde o governo Fernando Henrique, não haveria melhor ocasião para exigir-se que privatizações sejam submetidas ao Congresso, como vem determinar medida do Supremo, pelo ministro Ricardo Lewandowski. A deficiência moral do Planalto de Temer não decorria só da presença, lá, do hoje encarcerado Geddel Vieira Lima. Logo, a pretendida venda da gigante Eletrobras ao gosto do governo seria, sem dúvida, a reprodução das vendas de gigantes como a Vale do Rio Doce e as telefônicas. Nas quais o próprio Fernando Henrique deixou gravados, tal como Temer com Joesley Batista, indícios óbvios das cartas marcadas nas transações.

    Vista da entrada principal da sede da Petrobras no Rio de Janeiro, onde se lê o logo com o nome da empresa. Pedestres passam na calçada em frente ao prédio
    Vista da entrada principal da sede da Petrobras no Rio de Janeiro - Mauro Pimentel/AFP
    Em entrevista recente à FolhaArmínio Fraga repetiu um pretenso argumento de uso comum nos neoliberais: "Governo não deve ter empresa". É verdade. Não deve e não tem. Nenhuma estatal é de governo. Todas são do chamado Patrimônio da União, os bens conjuntos do país. É descabido, quando não é criminoso, que um grupelho decida fazer negócio com bens da nação, por critérios de sua autoria, senão de compradores. Sem ao menos submetê-los ao Congresso para o exame das razões e condições, sua divulgação ao país e a autorização, ou não, dos ditos representantes da sociedade.
    Não houve privatização que escapasse ao fracasso senão graças a brutais aumentos dos seus preços. Aqui mesmo foi publicada a constatação do ator Nelson Xavier, hoje morto, de que o quilo do aço de Volta Redonda era vendido, como fixou o então ministro Maílson da Nóbrega, pelo preço de um molho de cheiro-verde na feira. Feita a privatização, depressa o preço cresceu cinco vezes, e não parou aí. Com os telefones só foi diferente por ser pior.
    Há cinco dias soubemos de mais vendas de fatias da Petrobras. Foram-se três distribuidoras, de combustíveis, óleos e gás; serviços de abastecimento em três aeroportos, quase 200 postos e outros negócios no Paraguai. Tudo por R$ 1,45 bi. Se muito barato, como parece, caro ou a preço razoável, não se sabe. Assim, sem que o país conheça as razões e os critérios, estão indo há mais de dois anos as sucessivas fatias, na simplória política de vendê-las para cobrir dívidas —o que qualquer camelô faria no lugar em que estavam o louvado Pedro Parente e seu conselho de administração.
    Tanto faz se, como especulado, a medida de Lewandowski tem ou não a ver com a encaminhada venda de parte da Embraer, empresa privatizada a preço inferior ao que o país investiu para criá-la. Certo é que os motivos de compra atribuídos à Boeing soam infantis. Uma indústria do seu porte não precisaria da Embraer para produzir aviões de linhagens menores. A Boeing é empresa civil que usa farda e bate continência. É vista como ligada aos departamentos da Defesa e de Estado mais do que aos próprios acionistas.
    A Embraer já foi impedida de vendas grandes em razão do poder de veto dos Estados Unidos, imposto para o uso de componentes americanos nos aviões. É um pequeno sinal dos problemas que a esperam e aos projetos que tem com a FAB, se efetivado o negócio com a Boeing. Mas o caso é diferente do que se passa entre as estatais e as privatizações. Aí, a precaução chamaria a polícia.
    Janio de Freitas
    Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, analisa a política e a economia.