segunda-feira, 11 de junho de 2018

Impasse entre governo e Petrobrás no pré-sal envolve disputa por R$ 6,5 bi, OESP

Acordo entre estatal e União está travado em torno de questão cambial; problema reside em qual valor da moeda será utilizado na revisão do contrato da cessão onerosa - direito de a empresa explorar 5 bilhões de barris de petróleo sem licitação

Irany Tereza e Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo
11 Junho 2018 | 05h00
BRASÍLIA - Apontada como uma das grandes prioridades do governo federal para este ano, a revisão do contrato que transferiu à Petrobrás o direito de explorar, sem necessidade de licitação, 5 bilhões de barris em seis áreas do pré-sal da Bacia de Santos – operação que ficou conhecida como cessão onerosa – travou na questão de o pagamento de todas obrigações estar atrelado à moeda norte-americana.
O acordo é pré-requisito para o megaleilão do pré-sal, que pode arrecadar até US$ 100 bilhões, pela estimativa do governo. Segundo cálculos preliminares, somente no caso das dívidas tributárias da Petrobrás com a União a diferença em utilizar dólar ou real seria de R$ 6,5 bilhões.
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“Só resta superar a divergência em torno da moeda de referência”, confirmou ao Broadcast o ministro das Minas e Energia, Moreira Franco, sem entrar em detalhes. O MME, o Ministério da Fazenda e a Advocacia Geral da União tentam resolver o impasse. O ministro admite que as negociações estão, “no momento, em ritmo mais lento”.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), explicou que o total de reservas de petróleo nos seis blocos da cessão onerosa deve atingir 17 bilhões de barris. Além dos 5 bilhões já em exploração pela Petrobrás, outros 2 bilhões de barris seriam repassados pela União à empresa no encontro de contas. Os 10 bilhões de barris restantes seriam ofertados à iniciativa privada no leilão que o governo tenta fazer ainda na gestão de Michel Temer.
Broadcast apurou que, em relação à parte do pagamento da União à Petrobrás, o entendimento está avançado. O repasse à empresa dos barris adicionais tem cotação em dólar. No mercado internacional, o barril de petróleo está em queda, mas a cotação internacional serve apenas como referência. No acordo celebrado em 2010, por exemplo, o preço do barril variava em cada campo, indo de US$ 5,82 a US$ 9,04. Já a taxa de câmbio usada na época foi R$ 1,7588 para cada dólar.
santos
Revisão do contrato de exploração de área do pré-sal na Bacia de Santos travou por pagamento estar atrelado ao dólar Foto: Agencia Petrobras
A Petrobrás, por sua vez, será tributada sobre todos os ativos. O governo quer que essa dívida também seja atrelada ao dólar, com conversão feita no momento do pagamento do tributo, outro entrave. O ex-presidente da estatal, Pedro Parente, vinha tentando fechar um acordo desde que assumiu o cargo, em 2016.
As conversas evoluíram a ponto de o executivo declarar, há dois meses, que estavam bem perto do entendimento. Pela Petrobrás, a questão será agora negociada com Ivan Monteiro, que substituiu Parente na presidência da empresa, onde é também diretor financeiro. 
Segundo fontes que acompanham o impasse, a Petrobrás alega que a legislação brasileira não prevê tributação em moeda estrangeira e, com o argumento de que a lei se sobrepõe aos acordos, propôs que a dívida seja fixada em reais. Procurada, a Petrobrás diz que não comenta negociações em curso.
Teto. A equipe econômica estuda um mecanismo para pagar à Petrobrás sua parte na revisão do contrato sem passar pelo teto de gasto – o limitador de despesas da União atrelado à variação da inflação. O problema para o governo é registrar no Orçamento a despesa do pagamento devido à restrição do teto, que impõe um limite fixo de despesas no ano. Como os valores são muito elevados, o registro do pagamento tomaria o espaço de outras despesas, exigindo novos cortes em outras áreas. 
Um dos mecanismos em análise é considerar o pagamento como dívida existente e registrá-la como gasto financeiro, que não entra na conta. Alguns integrantes da área econômica avaliam que é possível enquadrar a revisão nos moldes do que acontece numa concessão, por exemplo as de rodovias. 
No caso da Petrobrás, a solução pode ser autorização para um volume maior de extração de óleo – negociação que não passaria pelo Orçamento, mas exigiria mudança legal. A possibilidade de dividir o pagamento em três parcelas também está em análise. O pagamento à Petrobrás “por fora” do Orçamento não é bem visto por um grupo de técnicos do Ministério da Fazenda que vê no modelo uma tentativa de “contabilidade criativa”. /COLABOROU IGOR GADELHA

domingo, 10 de junho de 2018

O coração das coisas, Karnal Oesp




Antes de ser destrinçado e dissecado pela medicina, ele era tratado com mais poesia






Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo
10 Junho 2018 | 02h00
O músculo cardíaco é uma parte importante do corpo humano, como todos sabemos. Em harmonia e de forma tranquila, ele terá executado um trabalho enorme ao longo de toda uma vida. Batendo entre 60 e 100 vezes por minuto nos adultos, pulsa ainda mais rápido nas crianças. Como máquina, é admirável, se você supuser como ele funciona por uns 80 anos sem grandes manutenções. Como aparelho, o que mais existe na sua casa que tenha essa longevidade e eficácia? 
O primeiro transplante cardíaco foi realizado pelo cirurgião sul-africano Christiaan Barnard, em 3 de dezembro de 1967. O paciente faleceu pouco depois. Um coração humano havia pulsado no peito de outra pessoa: foi uma revolução. Hoje, nossas tecnologias são um pouco menos invasivas e mais eficazes. Como parte do homem ciborgue previsto por Yuval Harari no livro Homo Deus, estamos perto de uma completa automação tecnológica do “motor da vida”.
Antes de ser destrinçado e dissecado pela medicina, o coração era tratado com mais poesia. Sede da memória, saber algo de cor (par coeur em francês, by heart em inglês, com ligeira alteração de preposição) era saber de coração, forma automática de memória. Anunciar que o conhecimento está “de cor e salteado” é orgulhar-se do perfeito domínio do tema. A aliança do dedo anelar faz parte de uma crença antiga de que ali existiria um longo vaso sanguíneo que levaria direto ao coração, trazendo o casamento sempre à memória. “Ouça mais seu coração do que seu cérebro” implica afirmar que a sinceridade, pelo menos metaforicamente, estaria nos afetos em detrimento da razão. Curioso é que afetos e razão são processados dentro da mesma caixa craniana, porém a ideia permanece.
Santo Agostinho era representado com um coração na mão, tradição que pode ter nascido das suas frases mais apaixonadas nas Confissões: “Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova... Durante os anos de minha juventude, pus meu coração em coisas exteriores que só faziam me afastar cada vez mais d’Aquele a Quem meu coração, sem saber, desejava...”. Esse arrebatamento inspirou o pintor Philippe de Champaigne, no século 17, a retratar o santo com um coração em chamas na mão esquerda e uma pena na direita. Progredia a estilização do músculo cardíaco. 
No mesmo século do pintor de Agostinho, houve o ciclo de visões de Santa Margarida Maria Alacoque. A freira viu a imagem do Sagrado Coração de Jesus repetidas vezes. O Mestre pedia que ela divulgasse a devoção e elaborou as 12 promessas que seriam concedidas ao fiel que fosse à missa e comungasse em nove sextas-feiras iniciais do mês. Entre as promessas estão a paz para as famílias, aumento da fé, sucesso nos empreendimentos e, por fim, a principal: a graça da salvação eterna. 
Instigado pelas ideias da freira alemã Maria do Divino Coração (que viria a morrer em Portugal, em 1899), o papa Leão XIII consagrou o mundo inteiro ao Sagrado Coração de Jesus. Os fiéis do Brasil cantaram ao longo do século 20 o hino “Coração Santo, Tu Reinarás, Tu, nosso encanto, sempre serás”. Em 1931, ao ser inaugurada a estátua do Cristo Redentor na capital da República, poucos brasileiros notaram que há uma dupla mensagem: os braços abertos para receber e redimir todos e um coração no centro do peito para amar a claudicante humanidade. Junho é o mês do Sagrado Coração de Jesus.
A devoção ao coração de Jesus foi acrescida com a similar inclinação piedosa ao Imaculado Coração de Maria. Nossa Senhora das Dores já era representada com sete espadas no coração, significando os pesares da mãe do Messias. A profecia de Simeão, a perda de Jesus no Templo ou contemplar o Filho na Cruz eram exemplo das adagas lancinantes que Maria enfrentou. O Imaculado Coração de Maria tem rosas em geral, como o Coração de Jesus é representado sangrando, flamejante e rodeado de espinhos. A devoção aumentou muito a partir das aparições de Fátima, por pedido expresso da Virgem aos pastorinhos. 
Dos altares para as vitrinas, o símbolo triunfou. Em ouro ou diamantes, joias cordiformes vendem com facilidade. Apaixonados representados em quadrinhos suspiram em corações. O emoji de mesmo formato (com muitas variações) é utilizado diariamente. Fazer o símbolo com as duas mãos e os polegares para baixo traduz um gesto amoroso e, reconheçamos, ligeiramente cafona. O coração é um sucesso de público nos altares, no WhatsApp e nos quadrinhos. Apesar de quase todos os órgãos humanos serem vitais, fígado, cérebro ou intestino grosso nunca receberam a mínima parcela de estilização artística ou poética. Nunca houve a expressão “entregue-me seu pulmão” porque desejo estar com você para sempre. Jamais! A metáfora cardíaca, sacra ou profana, sempre é vitoriosa e eclipsa todos os outros itens corporais. 
No sermão da Montanha, síntese do Cristianismo, Jesus indica que, onde estiver o tesouro de alguém, ali estará seu coração (Mt 6,21). Trata-se de grande meta de conhecimento de si: aquilo que move meus afetos, o que emociona cada fibra do meu ser, o que desperta risos ou lágrimas sinceras é o valor central da minha existência, o resto é adereço. Nesse sentido, siga seu coração como metáfora e cuide dele como biologia. Creio residir no duplo cuidado o segredo de uma vida longa e tranquila. Bom domingo para todos os nossos corações e nossos tesouros mais preciosos. 

Juiz pede à Promotoria parecer em ação contra a PEC do bilhão, OESP

Aprovada na Assembleia Legislativa de São Paulo, Proposta de Emenda Constitucional 05 aumenta o teto dos servidores do Estado e dos municípios para R$ 30,4 mil

Luiz Vassallo
10 Junho 2018 | 11h27
SAO PAULO NACIONAL ALESP ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SAO PAULO NA FOTO FACHADA DA ALESP FOTO ALEX SILVA/ESTADAO
O juiz Luis Manuel Fonseca Pires da 3ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo determinou ao Ministério Público Estadual que se manifeste a respeito de ação popular que pede a anulação da PEC aprovada na Assembleia Legislativa que aumenta o teto dos servidores do Estado e dos municípios para R$ 30,4 mil. O magistrado negou liminar para suspender os efeitos do texto.
A petição que busca anular a PEC é do advogado Carlos Alexandre Klomfahs. Ele evoca princípios como o ‘da diminuição da concentração de renda’, o da ‘redução das desigualdades sociais’, e o da ‘justiça social’ para barrar a aplicação do texto.
O magistrado leva em consideração que o ‘processo democrático realiza-se também – não exclusivamente – com os debates que ocorrem nas casas legislativas’. “Então, quando o autor reclama contra a proposta de emenda à Constituição, não há possibilidade de interditar o debate na Assembleia Legislativa, mas qualquer revisão remuneratória gera aumento de despesa, o que, por si, isoladamente, não revela imediatamente qual seria a inconstitucionalidade – a própria inicial afirma a “necessidade de valorização dos funcionários públicos (…)””.
“Já a notícia subsequente de aprovação do projeto em segundo turno de votação – então, parece, não se trata mais de um projeto – igualmente exige cautela, pois se insurge o autor contra o aumento do teto salarial porque implicará “impacto de quase R$ 909 milhões no orçamento do estado”, anotou.
Ao negar a liminar para barrar a PEC, o juiz ponderou que ‘se houve algum abuso – e qual seria – no aumento do teto remuneratório só será possível compreender após o contraditório’.
O magistrado deu à Assembleia que se manifeste em até 30 dias sobre a ação.
Segundo o advogado Klomfahs, autor da ação, ’em ampla medida, pode ser identificado como o interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas’.
“Nesse sentido, não é aceitável que se aumento quase 43% sob a justificativa de que outros 18 estados o fazem”, afirma.
O advogado ressalta que ‘o esforço por uma justiça equânime e redução de privilégios é um esforço coletivo que envolve um sacrifício de um lado (do funcionalismo público) para beneficio de outro lado, em uma melhor distribuição de oportunidade, redução das desigualdades sociais e da efetivação do equilíbrio fiscal’.
A Proposta de Emenda Constitucional 05, que passou por 67 a 4 na Assembleia, será promulgada sem a necessidade de sanção do governador Márcio França (PSB).
O texto do deputado Campos Machado, líder do PTB na Assembleia, eleva de R$ 22,4 mil a R$ 30,4 mil – equivalentes aos vencimentos dos desembargadores do Tribunal de Justiça – o teto salarial do funcionalismo público estadual, gradualmente, em quatro anos. O custo aos cofres do Estado nesse período chega a R$ 1 bilhão.
A PEC turbina não somente o teto dos servidores do Estado, mas também o de prefeituras e câmaras municipais de todos os 645 municípios paulistas, dos Tribunais de Contas do Estado e da capital, do Ministério Público e da Defensoria Pública, segundo sua redação.
Na capital paulista, por exemplo, o teto é o salário do prefeito, de R$ 24,1 mil. Com a aprovação da PEC, subirá para R$ 30,4 mil, ou seja, aumento de 26%.
A medida impactaria, além da folha dos servidores municipais, também a dos funcionários da Câmara e do Tribunal de Contas do Município.
Na Câmara paulistana, 154 servidores seriam beneficiados, com impacto mensal de R$ 787.877,13 somados aos encargos e impacto anual de R$ 10,5 milhões.