sexta-feira, 1 de junho de 2018

Chegou a fatura, Celso Ming, OESP

s prejuízos da greve dos caminhoneiros são incomensuráveis, como se viu. Se ao menos servissem para dar mais consciência ao brasileiro de que subsídios generalizados são uma peste já teria sido bom preço a pagar.
Caminhoneiro adorou quando o governo Dilma deu incentivos tributários e creditícios para a compra de caminhões. Graças a mais esse pacote de bondades, de 2009 até agora a frota cresceu 40%, enquanto a economia avançou apenas 11%. O frete despencou porque teve mais caminhão do que carga a transportar. Os irmãos de estrada não aguentaram o tranco, puseram o governo Temer de joelhos e, agora, boa parte dessa conta é empurrada para o contribuinte.
Caminhoneiros
Paralisação. Subsídios que pesam Foto: DIDA SAMPAIO/ ESTADAO
Essa foi apenas uma entre inúmeras distorções que se criaram na economia brasileira nos dois últimos governos. A exigência de que a Petrobrás pagasse boa parte da fatura do consumidor de combustíveis, também ao longo do governo Dilma, foi outra dessas distorções que ajudaram a afundar o caixa da empresa e a destruir patrimônio público que, aliás, já vinha sendo dilapidado pela corrupção, como mostraram o mensalão e o petrolão.
Os caminhoneiros acham natural exigir que os preços do diesel sejam subsidiados e previsíveis com meses de antecedência, embora seu custo seja determinado pelos preços internacionais do petróleo em dólares, que também oscilam diariamente. Querem porque querem que a conta seja empurrada para a frente. E nisso, não estão sozinhos. O limitado governador de São Paulo da hora, Márcio França, também pensa assim.
Os empresários também gostaram quando o governo Dilma passou a desonerar as folhas de pagamentos. A proposta era de que mais investimentos fossem realizados e mais empregos fossem criados. O resultado foi nenhum investimento adicional, nenhum outro emprego e novo rombo no Tesouro, que teve de enfrentar uma renúncia tributária de R$ 85,7 bilhões entre 2012 e 2017. Agora, boa parte das desonerações foi revertida por decretos do presidente Temer publicados nesta quinta-feira para pagar parte das concessões aos caminhoneiros. Ou seja, tenta-se corrigir uma distorção com a reversão de outra. Assim, a distorção continua.
Os empresários também adoraram quando o governo Dilma repassou meio bilhão de reais do Tesouro para o BNDES para que este financiasse com créditos subsidiados o desenvolvimento das empresas destinadas a serem campeões nacionais. Boa parte delas fez lambança com esses recursos, algumas delas quebraram como o grupo de Eike Batista e, como parte da equação, a dívida bruta vai para 80% do PIB.
Não há nada de especialmente errado nem com subsídios nem com isenções tributárias. Podem fazer parte de qualquer política saudável, desde que sejam transparentes e garantidos por receitas orçamentárias.
O problema de fundo é mais do que sabido, embora não reconhecido pelos beneficiários das benesses. Grupos econômicos, corporações, entidades de classe e até igrejas particulares conseguem empurrar para a sociedade suas contas de consumo. Para isso, querem um Estado perdulário para eles próprios e que o contribuinte assuma a conta. Além de que não há o que chegue, a distorção final é uma sucessão de governos fracos.
Confira
O risco Brasil

O gráfico acima é indicação da percepção internacional sobre o aumento do risco da economia brasileira. O CDS 5 (Credit Default Swap de 5 anos) é o adicional cobrado no mercado global sobre os juros pagos pelos títulos do Tesouro do Brasil (de 5 anos). Esse adicional serve de seguro contra risco de calote no resgate desse título. A trajetória do gráfico mostra como o aumento das incertezas tanto na economia como na política do Brasil produziu a deterioração da qualidade da dívida do País.

Governo Temer derrete ainda mais com a queda de Parente, FSP

Leandro Colon
BRASÍLIA
A saída de Pedro Parente atingiu de forma negativa as ações da Petrobras, mas a principal consequência de sua queda é óbvia: o enfraquecimento político ainda maior de um governo em processo de derretimento público.
Pressionado por grevistas nas estradas e aliados e adversários políticos no Congresso, Temer não bancou com firmeza a política de preços implementada por Parente e que levou a reajustes sucessivos dos combustíveis.
Temer e seus ministros foram ambíguos na defesa de quem foi escolhido há dois anos para resgatar a empresa do buraco em que se enfiou com os escândalos da Lava Jato.
Parente sentiu que fora abandonado por Brasília e jogou a bomba no colo do governo. Politicamente, o estrago está feito, por mais que o presidente busque um sucessor capaz de estancar a sangria (prática tão recorrente neste governo) na estatal.
Os efeitos da queda de Parente, por exemplo, serão sentidos no Congresso pelas próximas semanas. 
Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), trabalharam contra o governo nos bastidores e publicamente.
Perceberam a incapacidade de reação do Planalto e a dependência explícita do parlamento para segurar as pontas diante de uma crise aguda.
Ao mesmo tempo, ministros de Temer, ao invés de colocar água da fervura, fritavam Parente em praça pública. O ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) foi o primeiro ao avisar que o seu cargo era de confiança do presidente. 
Em entrevista à Folha, Moreira Franco (Minas e Energia) também não aliviou. Ele defendeu uma política permanente a todos os combustíveis (não só para o diesel) para evitar aumentos diários nas bombas.
Soma-se a isso uma série de trapalhadas e informações desencontradas divulgadas pelo governo durante essas duas semanas de protestos pelas rodovias.
Fraco, o Planalto viveu um dilema até hoje: enfrentar as críticas e sustentar a gestão de Parente ou capitular e ceder. Não fez nem uma coisa nem outra direito.
E demorou a reagir. Quando o fez, celebrou um acordo capenga e sem resultado imediato com um grupo de grevistas. Apostou na população como aliada contra os caminhoneiros. Não deu certo. Como mostrou pesquisa do Datafolha, 87% dos brasileiros apoiavam a paralisação.
Desnorteado, o governo entregou o que podia e não podia mais na noite de domingo (27). A conta caiu no colo do contribuinte.
A queda de Parente só encerra o capítulo de uma novela sobre um governo que já terminou há muito tempo e está à espera de poucos meses que tem pela frente. Meses que serão turbulentos e imprevisíveis.

Próximo presidente também deve cair, Reinaldo Azevedo,FSP

Locaute e concessões indicam que estamos num ciclo de instabilidade institucional

O locaute, a reação da sociedade e as concessões feitas pelo governo indicam que estamos num ciclo de instabilidade institucional. Será longo. Ciclos são marcados por regularidade e reiteração de eventos e por fenômenos que se conectam em série. É como se existisse, de fato, um “espírito do tempo” a deitar sua sombra fatalista sobre a história. 
É bobagem, mas a ideia é sedutora. Este escrevinhador considera estar além das suas sandálias responder se, afinal, há uma “causa não causada” para tudo o que existe. No debate público, prefiro o universo das coisas causadas.
Sociedades passam por desajustes que levam a reajustes e à formação de novos consensos. Diante da ameaça do colapso, as forças que contam adotam ou acatam medidas protetivas em defesa do sistema que lhes garante voz, identidade e voto.
O que se viu no Brasil não é inédito na história, mas é raro. Assistimos a um flerte com o suicídio coletivo —e, dentro deste, algo ainda mais exótico, que é o suicídio de retaliação: “Vou me vingar com a autoimolação”. Exemplifico: sindicatos ligados ao agronegócio chegaram até a oferecer tratores para bloquear as estradas. Na pauta dos grevistas, desde sempre, estavam a majoração e o tabelamento do frete, o que eleva brutalmente os custos do... agronegócio.
Em 1959, “White Wilderness”, produzido pela Disney, ganhou o Oscar de melhor documentário. Retratava o suicídio coletivo dos lêmingues, roedores que promovem migrações em massa atendendo ao instinto de... sobrevivência! O “documentário” é um misto de ignorância e farsa. Mas a Disney pode se redimir. Os brasucas estamos por aqui. Topamos saltar do abismo, cair no oceano e nadar, por nada, até que as águas traguem a nossa exaustão. Somos os verdadeiros roedores de presentes promissores e de 
amanhãs que não virão.
Datafolha foi bastante eloquente. A esmagadora maioria dos brasileiros se solidarizou com a greve, mas rejeitou a satisfação da pauta. Apoia o festim, mas não topa pagar a conta. Essa massa está caminhando para as urnas, mais ou menos como os lêmingues da Disney seguiam para o desfiladeiro. Cálculos preliminares e, entendo, modestos apontam um prejuízo que roça os R$ 100 bilhões. O impacto negativo no PIB pode chegar a um ponto percentual —em números de 2017, R$ 66 bilhões. Será maior porque estamos em crescimento.
O que há de regular, reiterado, sérico e interconectado nestes dias? Resposta: a destruição do homem público, da ordem democrática, dos fundamentos legais. E os lêmingues verde-amarelos o fazem sob o pretexto de combater a corrupção, que seria a causa primeira, a “causa não causada”, de todos os nossos males, o que é uma mentira por definição. 
Em quatro anos, a Lava Jato recuperou, de fato, R$ 1,5 bilhão para a Petrobras. O resto ainda é promessa. Aplausos! O espírito que a operação engendrou, ou seu mau espírito —a causa causada do desastre—, no entanto, provocou só com a greve algo em torno de R$ 10 bilhões de prejuízo por dia.
A depredação do meio ambiente institucional, democrático e pluralista era um monopólio da esquerda. Setores da direita resolveram disputar esse mercado, mimetizando e, se me permitem, “memetizando” até a linguagem dos esquerdistas. Não por utopia mal digerida, mas por pilantragem.
Desde quando advirto, aqui e em toda parte, para os riscos? Não obstante, no dia 26, em meio ao caos, o ministro Roberto Barroso, do STF, notório depredador da Constituição e do direito de defesa, anunciou, num encontro de juízes em Maceió, a capital mais violenta do país para os pobres sem toga, que estamos 
apenas num começo de era.
Uma amiga, admiradora, como sou, de “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, notou: “Era o Bernardo Gui discursando...”, numa referência ao inquisidor, personagem histórico (1262-1331) que aparece no romance.
E é do livro que extraio esta síntese: “Há pouca diferença entre o ardor dos Serafins e o ardor de Lúcifer porque nascem ambos de uma inflamação extrema da vontade”.

Dificilmente o próximo presidente conclui o mandato. 
Ciclo longo.
Reinaldo Azevedo
Jornalista, escreveu, entre outros, 'O País dos Petralhas' e 'Máximas de um País Mínimo'.