sexta-feira, 1 de junho de 2018

'Ética é estarmos à altura do que nos acontece', FSP

O nome é Mamoudou Gassama. Em Paris, o imigrante do Mali viu um bebê pendurado na varanda. Escalou quatro andares e salvou a criança. O presidente Emmanuel Macron, depois de um encontro pessoal com o herói, garantiu-lhe a nacionalidade. É justo.
 
Justo e inquietante: sempre gostei dessas histórias de coragem física. Uma leitura freudiana diria que só admiramos aquilo que tememos não possuir. Talvez seja verdade. Embora, nessas matérias, Aristóteles seja melhor que Freud: a coragem física não esgota todos os tipos de coragem.
 
A coragem moral, por exemplo, pode ser mais difícil do que a coragem física. Ou, como diz um grafite numa estação de metrô em Lisboa, citando o filósofo Gilles Deleuze: “Ética é estarmos à altura do que nos acontece”. Até ver, tenho estado à altura do que me acontece. Acho eu. Ou então iludo-me eu.
Mas divago. Fiquemos pela coragem física. E fiquemos por Aristóteles. Na sua “Ética a Nicômaco”, o filósofo avisava: não confundamos a coragem com a temeridade. Coragem é a forma nobre de respondermos ao medo —e, ponto importante, à nossa própria covardia.
 
Se Mamoudou Gassama fosse desprovido de racionalidade, o seu ato não teria o mesmo valor. O herói sente medo; mas age contra o medo para cumprir um propósito maior.
 
Exatamente como os três amigos americanos —Alek Skarlatos, Anthony Sadler, Spencer Stone— que imobilizaram um terrorista no trem de Amsterdã para Paris, correndo perigo de vida. A história foi contada por Clint Eastwood em “15h17 - Trem Para Paris”.
 
Não é das melhores colheitas de Eastwood, admito. E, em termos dramáticos, também admito que a opção de Clint de usar os próprios amigos como atores do filme retirou grandeza artística à ação.
 
Mas entendo por que motivo o diretor não resistiu à história que espantou o mundo em 2015. A carreira de Clint como diretor (e também como ator) resume-se na nobreza do individualismo. Essa é a sua filosofia política: uma desconfiança pétrea face a grandes esquemas de transformação ou redenção das sociedades; uma fé, nem sempre pacífica ou recompensada, na decência comum do homem comum.
 
Como esquecer os seus “justiceiros solitários” —de Dirty Harry a Bill Munny de “Os Imperdoáveis”? Como esquecer o misericordioso Frankie Dunn de “Sonhos Vencidos”? Como esquecer, em suma, o mártir Walt Kowalski de “Grand Torino” (essa, sim, a última obra-prima de Clint Eastwood)?
 
Em “15h17 - Trem Para Paris”, voltamos a território conhecido: rapazes da Califórnia, viajando pela Europa, que no momento certo (ou errado, diriam os covardes) se encontram face a face com o dilema de uma vida. E que decidem agir, travando o mal com as próprias mãos. Razões?
 
O filme apresenta algumas, filmando a biografia dos três desde a infância. Uma educação religiosa explica parte do caráter. Uma certa admiração pelas virtudes militares explica outra parte. Engraçado: escrevo “educação religiosa” e “virtudes militares” —e sinto que pisei nos calos da sensibilidade pós-moderna, tão cheia de cinismo e covardia.
 
Clint Eastwood nunca foi indiferente a essa dimensão antiquada (e ofensiva) da “masculinidade” (sinto que pisei mais um calo). Mas o ponto central do filme, e dos filmes de Clint, é que essas virtudes “viris” (mais um calo?) não são adereços míticos de figuras míticas, que habitam as odisseias de Homero ou os filmes de Hollywood.
 
Elas existem no mais anônimo ser humano —gente como Mamoudou Gassama ou os três amigos americanos; gente que suplanta o medo por sentir dentro de si o apelo da rectidão.
 
Nesse sentido, entende-se a escolha do diretor de usar os próprios rapazes como atores. A mensagem de Clint é simples: poderia ser você. E, se fosse você, o que faria?
 
Não sei. Ninguém sabe. Mas, se Aristóteles estava certo, a coragem não é uma virtude consumada. É algo que cultivamos, praticamos, treinamos —​ao longo de uma vida.
 
Como se fossemos atletas da alma, preparando continuamente os músculos para o que der e vier. ​

Pressão sobre política de preços, após greve, levou à queda de Parente, FSP


Julio WiziackTalita Fernandes
BRASÍLIA
A pressão por mudanças na política de preços da Petrobras, agravada com a greve de caminhoneiros que paralisou o país por dias, levou à saída do presidente da empresa, Pedro Parente, anunciada nesta sexta (1º).
No Congresso e no governo cresciam os apelos para que a estatal praticasse uma política mais flexível de reajustes de preços —não só para o diesel mas também para a gasolina e o gás de cozinha.
Na quinta (31), Parente se reuniu em São Paulo com o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia.

Integrantes da equipe de Temer que acompanhavam as conversas afirmavam que Parente só aceitaria essa mudança se a Petrobras fosse ressarcida pelas variações diárias do dólar e do petróleo durante o mês em que os preços ficarão fixos.
Caso contrário, ainda segundo eles, Parente disse a Temer que deixaria o cargo.
No governo, o presidente da Petrobras era chamado de "cabeça-dura".
Isso porque Temer considera que o fim dos subsídios da ex-presidente Dilma Rousseff —e que levaram a petroleira a uma grave crise financeira— já foi suficientemente compensado com a política de atualização diária dos preços, que vigora desde julho de 2017. A Petrobras agora é lucrativa e viável.
Por isso, antes da greve, Temer já vinha discutindo com Pedro Parente flexibilidade na política da estatal diante da alta elevada dos preçospara a população.
Mesmo assim, o governo diz que Parente se recusava a entender que era preciso dar uma folga. Ministros próximos a Temer criticavam a inflexibilidade do executivo especialmente porque, para eles, Parente "esteve do outro lado do balcão".
Ele foi ministro-chefe da Casa Civil entre 1999 e 2003 (governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) e liderou o grupo que, naquela ocasião, enfrentou a crise do apagão elétrico.
Essa tensão atingiu o ápice no final de quarta-feira (23). Para tentar aplacar a greve dos caminhoneiros, que protestavam pelo preço elevado do diesel, o governo propôs inicialmente zerar a Cide(Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) —R$ 0,05 por litro. Os recursos sairiam do projeto da reoneração da folha de pagamento, que tramitava no Congresso.
No final da tarde de quarta (23), o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) expôs publicamente a situação.
"Esta política (de preços) deu à Petrobras a condição que ela tem. Agora chegou o momento em que o presidente Michel Temer resolveu fazer com que nós analisássemos de novo o que nós temos que fazer em relação a isso", afirmou Padilha.
O chefe da Casa Civil lembrou que Parente ocupa "um cargo de confiança do presidente da República", levantando dúvidas sobre sua permanência no comando da estatal. Questionado, Padilha negou a demissão de Parente.
A Petrobras respondeu cerca de uma hora depois com um desconto de 10% no diesel nas refinarias durante 15 dias. Parente disse que era "um sinal da boa vontade da empresa" para que o governo tivesse tempo para negociar com os grevistas. Reforçou que se tratava de uma decisão da companhia e que ela não comprometia a política de preços.
No dia seguinte, reforçou sua posição para Temer: caso houvesse qualquer alteração na política de reajuste —sem que a estatal fosse compensada por isso— entregaria o cargo.
Na sequência, o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, anunciou, em entrevista à Folha, que o governo estuda a criação de um "colchão" permanente para subsidiar a Petrobras, que passará a fazer repasses mensais de preço de combustíveis, incluindo a gasolina.
Na segunda-feira (28), o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, apressou-se ao informar que não há recursos para um plano desse tipo. E que, para subsidiar a gasolina e o gás de cozinha, será preciso aumentar impostos.
Isso arranhou ainda mais a desgastada imagem de Pedro Parente no Congresso. Para boa parte dos parlamentares, é inadmissível rechear esse "colchão" com dinheiro da arrecadação.
"É penalizar o cidadão mais pobre", disse o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que defendeu a demissão de Parente.
Até senadores favoráveis à liberdade de preço da Petrobras criticaram Parente.
O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), pai do ex-ministro de Minas e Energia Fernando Coelho Filho (MDB-PE), disse que "a Petrobras cometeu um erro".
"Faltou previdência à direção [da estatal] para que criasse amortecedores [ao câmbio e ao petróleo], para que se evitasse uma política de reajustes de sete vezes em uma semana e que terminou gerando a ira dos caminhoneiros", disse Coelho.
O senador Armando Monteiro (PTB-PE), outro defensor da autonomia da estatal, concordou que a "política maluca" da estatal levou à greve. "Houve imprevidência do poder [da Petrobras]", disse.
"O remédio [para recuperar a Petrobras] foi bem aplicado, mas concordo que a dose foi um pouco a mais", disse o senador Athaydes Oliveira (PSDB-TO).
Nesse período, as ações com voto da Petrobras caíram de R$ 27,15, na quarta (23), para R$ 22,26, na quinta (30). Pessoas próximas afirmam que Parente se mantinha firme porque acredita que, se cedesse neste momento, a perda de valor da companhia será maior.

Intervenção branca na Petrobras levou Parente a pedir demissão,fsp

Raquel LandimJulio Wiziack
SÃO PAULO e BRASÍLIA
O estopim para o pedido de demissão de Pedro Parente da presidência da Petrobras foi a percepção de que a política de preços da estatal já está sofrendo uma “intervenção branca” da administração de Michel Temer.
O executivo —que acabou concordando com a redução temporária do preço de óleo diesel para apaziguar os caminhoneiros em greve —percebeu que também teria de aceitar a política de subvenção do governo para gasolina e para o gás de cozinha.
Os efeitos sobre o caixa da Petrobras tendem a ser nocivos. O cenário é que a estatal volte a operar no vermelho. Diante dessa perspectiva, Parente, que foi o responsável por recuperar a Petrobras após o escândalo da Lava Jato e a interferência política do governo Dilma sobre as operações da estatal, preferiu sair.
Segundo pessoas que acompanham o assunto de perto, a “intervenção branca” na política de preços da Petrobras seria feita por um artifício técnico na fórmula de cálculo da subvenção a ser paga pelo governo à estatal pela redução do preço do óleo diesel.
A subvenção será determinada pela diferença entre o preço de referência, definido com base na cotação internacional do petróleo, e o preço de comercialização, que será praticado nas refinarias. Se o preço de comercialização for inferior ao de referência, o governo vai subsidiar até o limite de R$ 0,30 por litro – acima disso autorizará o repasse.​
O embate entre a Petrobras e o Ministério da Fazenda girou em torno do preço de referência. A Petrobras pleiteou o direito de estabelecer ela mesma esse valor, enquanto a Fazenda defendeu que essa é uma atribuição da Agência Nacional de Petróleo (ANP). A posição do ministério prevaleceu.
Sob condição de anonimato, pessoas próximas à estatal dizem que basta a ANP não repassar corretamente a variação do petróleo para que o governo - que controlaria na prática os preços de comercialização e de referência - determine o tamanho da subvenção conforme sua disponibilidade de caixa.
Além disso, o preço do petróleo no mercado internacional é apenas um dos itens que a Petrobras considera para definir seus preços. Também estão embutidos no seu cálculo variáveis como despesas administrativas, investimentos e margens de lucro. Na prática, a empresa perdeu autonomia na sua política de preços e sofreu um tabelamento indireto.
O embate está travando a publicação do decreto que vai regulamentar a segunda fase do programa de subvenção ao óleo diesel, que estabelecerá as regras para a subvenção até o final do ano.
Nesta sexta-feira (1), antes de anunciar a demissão de Parente, a Petrobras comunicou ao mercado que sua diretoria executiva aprovou a adesão à primeira fase do programa de subvenção ao óleo diesel, mas frisou que a decisão “não vincula a companhia à segunda fase”.
A primeira fase, na qual a Petrobras se compromete a reduzir o diesel em R$ 0,07 e será totalmente ressarcida pelo Tesouro Nacional, só dura até o dia 7 de junho, quando é encerrada. A partir daí, valeria a segunda fase, que garantiria o desconto de no máximo R$ 0,30 até o fim do ano.