terça-feira, 1 de maio de 2018

Propriedade do governo federal, prédio que desabou foi esvaziado em 2001, FSP

Edifício inaugurado em 1966 no centro de São Paulo já foi sede da Polícia Federal nos anos 1980

Vista do largo do Paissandu (centro de SP) com o prédio que desabou ao fundo em foto tirada antes da tragédia - Eduardo Knapp - 13.jan.2017/Folhapress
SÃO PAULO
​Inaugurado em 1966 no largo do Paissandu (centro de São Paulo), o prédio que desabou após um incêndio de grandes proporções nesta terça-feira (1º) inicialmente abrigou a Cia. Comercial Vidros do Brasil (CVB). 
Nos anos 1980, a construção passou a ser a sede da Polícia Federal na cidade. A decadência veio depois do ano de 2001, quando o edifício, que tem 24 andares e cerca de 11 mil metros quadrados, foi esvaziado.
Hoje, ele é propriedade do governo federal e passou por diversas tentativas de revitalização. Desde 2017, a Prefeitura de São Paulo e o governo Federal negociavam a instalação da secretaria paulistana de educação no imóvel. Por isso, desde o ano passado, o prédio estava cedido à prefeitura.
Uma agência do INSS chegou a ser instalada apenas no térreo até 2009. No ano seguinte, foi anunciada uma parceria entre o Sesc, uma organização francesa e o governo federal para transformá-lo em polo cultural. Ficou no anúncio.
A Secretaria de Patrimônio da União cedeu o prédio para a Unifesp em 2012, que instalaria ali o Instituto de Ciências Jurídicas. O projeto não vingou, e o prédio foi invadido diversas vezes por movimentos de sem-teto.
Em 2015, ainda no governo Dilma, o ministro Nelson Barbosa autorizou que a propriedade fosse a leilão. Mas não houve nenhum interessado em pagar os R$ 21,5 milhões pedidos (a reforma consumiria outros muitos milhões).
O edifício foi desenhado pelo arquiteto Roger Zmekhol. Foi um dos primeiros a ter as esquadrias revestindo todo a construção. Também foi um dos pioneiros no sistema de ar-condicionado embutido. Tinha pisos de ipê e divisórias móveis nos escritórios, e um hall de mármore e aço inoxidável.

DESABAMENTO

O incêndio levou à queda do prédio devido à deformação dos pilares que sustentam a edificação, causada pela alta temperatura. "Nos edifícios de vários andares, nunca se vai conseguir, num incêndio como o de ontem, evitar que altas temperaturas degradem resistência das estruturas", explica o professor de Estruturas de Concreto na Escola Politécnica da USP, Henrique Campelo.
No caso do concreto, é preciso que a temperatura ultrapasse os 800°C para que o material comece perder sua resistência, fazendo com que esses pilares –os principais responsáveis pela sustentação do edifício, desde sua fundação até o topo– cedam.
Para o engenheiro civil Percival Camanho, no incêndio desta madrugada as temperaturas ultrapassaram 1.000°C, uma vez que não há estilhaços de vidro nos escombros, pois a essa temperatura o material vira líquido.
Ele também explica que o fato de o foco ter sido no quinto andar, conforme os relatos de moradores, piorou o cenário. "À medida que rompe o pilar, gera instabilidade, o que pode provocar o desabamento de todo edifício. Quanto mais baixo o andar em que foi atingido, pior as consequências."

NOTA DE PESAR

Em nota, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo afirmou que se solidariza com as famílias das vítimas do incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida. "[O conselho] lamenta que a tragédia torne explícito mais um exemplo do descaso do poder público, em todas as esferas, com o atual quadro urbanístico das nossas cidades e com ausência recorrente de uma Política Habitacional Nacional consistente aliada a preservação do Patrimônio Histórico de São Paulo", complementa a nota.
A organização pede, ainda, que o prédio, tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade da capital, sirva como exemplo para evitar novas tragédias. "É hora de uma ação política urbana articulada, séria e eficaz a respeito. Não apenas pelos edifícios icônicos, mas sobretudo por justiça social."
Leia abaixo a íntegra da nota.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo se solidariza com as famílias das vítimas do incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida e lamenta que a tragédia torne explícito mais um exemplo do descaso do Poder Público, em todas as esferas, com o atual quadro urbanístico das nossas cidades e com ausência recorrente de uma Política Habitacional Nacional consistente aliada a preservação do Patrimônio Histórico de São Paulo.
O edifício, projetado pelo arquiteto Roger Zmekhol, em 1961, era um dos melhores exemplos da arquitetura moderna na cidade e foi tombado, em 1992, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo. 
No entanto já estava degradado por abandono, falta de manutenção e sucessivas ocupações informais e outras organizadas. Sem se entenderem, o governo, nas diversas esferas e a Justiça permitiram que o cenário fosse se perpetuando, o que adiou sua possível recuperação e nova destinação, com potencial para amenizar a precária situação habitacional do centro e dar melhor uso à infraestrutura da região. 
Há muitas outras construções em situação idêntica na área. Antes que novas tragédias aconteçam, é hora de uma ação política urbana articulada, séria e eficaz a respeito. Não apenas pelos edifícios icônicos, mas sobretudo por justiça social.
(O CAU/SP representa 50 mil arquitetos e urbanistas atuantes em todo Estado e faz parte do conjunto autárquico encabeçado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil.)

Tragédia revela todas as mazelas da habitação na maior cidade do país, Leão Serva FSP

Incêndio de prédio ocupado irregularmente é imagem perfeita dos problemas de habitação

tragédia acontecida neste 1º de Maio em um prédio ocupado irregularmente no centro de São Paulo é uma imagem perfeita de diversos problemas que envolvem a questão da habitação em São Paulo. Tais como: a escandalosa demora em reduzir o déficit habitacional, a falta de investimentos públicos e privados, a ausência completa da fiscalização dos órgãos de segurança (saúde, bombeiros, prefeitura), a demagogia de políticos interessados nos votos e nas contribuições eleitorais dos movimentos de sem-teto e a esperteza de líderes com-teto dessas entidades, entre outros muitos problemas.
O mais chocante certamente é o fato de que movimentos de sem-teto (não todos, mas muitos) operam como imobiliárias em imóveis alheios, especulando com espaços em prédios ocupados, explorando oferta e demanda como qualquer outro empresário do ramo, sem entregar condições mínimas de segurança e habitabilidade. Os líderes com-teto de movimentos sem-teto se beneficiam de uma hipocrisia generalizada, que inclui os movimentos legítimos, que evitam denunciar os malandros, e as vistas grossas de várias instâncias do poder público.
Durante a campanha eleitoral de 2012, cerca de 50 prédios já listados para desapropriação com finalidade de habitação popular foram invadidos na cidade. Movimentos de esquerda queriam paralisar o discurso da administração, de que estava avançando na oferta. Esses prédios, muitos até hoje ocupados, alguns com subocupação (há menos sem-teto dispostos a pagar os aluguéis cobrados) são outras fogueiras potenciais como o do Paissandu. A administração Haddad chegou a expor o caso de uma dessas organizações, mostrando que era composta pelo crime organizado, fazendo negócio da ocupação de um prédio público.
Mas a exploração imoral de pessoas pobres que necessitam de casa não seria possível se não houvesse um escandaloso déficit habitacional no país, incluindo sua maior cidade. Pior, quando o poder público oferta moradia é quase sempre em áreas distantes do centro, em projetos como Minha Casa Minha Vida, submetendo seus moradores a um apartheid social. Ocupações no centro são uma forma de driblar isso.
Impostos crescentes para imóveis desocupados não fizeram efeito até hoje. É preciso cobrar mais. Mas a especulação imobiliária só é possível também porque os governos não atuam comprando imóveis vazios no centro, que resultariam em benefício em prazo curto. Sem condições de vender, os proprietários ficam anos com um patrimônio parado, expostos a invasões e a desvalorização.
Governos brasileiros não se aproveitam dessa oportunidade, preferem construir conjuntos populares, que afastam trabalhadores do centro empregador e concentram pessoas de um só perfil social.
A tragédia do 1º de Maio vai expor essas e outras mazelas. Nos anos 1970, dois grandes incêndios no centro da cidade acordaram o paulistano para o risco do fogo. Se ao menos tivermos agora efeito semelhante, o sacrifício dos moradores do Paissandu não será totalmente em vão. Se expuser e desmoralizar movimentos sem-teto malandros, também. E se forçar o poder público a rever suas políticas de habitação popular, forçando um apressamento da oferta de unidades, os mártires de hoje terão provocado um milagre. 
Leão Serva
Ex-secretário de Redação da Folha, é jornalista, escritor e coautor de 'Como Viver em SP sem Carro'.

    Retrocesso paulista, Editorial FSP

    Ataques às finanças públicas estão em toda a parte e podem ocorrer a qualquer tempo, mas os riscos tendem a crescer com a proximidade das eleições. Nem mesmo o estado de São Paulo, que preservou alguma saúde orçamentária mesmo durante a recessão, está a salvo.
    A ameaça mais recente decorre das brigas políticas, que já entram no terreno da irresponsabilidade, entre o novo governador, Márcio França(PSB), e o candidato tucano a sucedê-lo, João Doria
    França busca fortalecer seu controle sobre a administração, com trocas em cargos que geram descontentamento no PSDB —que reage da pior maneira possível, facilitando a tramitação de medidas gastadoras na Assembleia Legislativa (Alesp), conforme relato do jornal O Estado de S. Paulo. 
    Há poucos dias aprovou-se em primeiro turno uma proposta de emenda à Constituição estadual, de autoria do deputado Campos Machado (PTB), que pode custar quase R$ 1 bilhão aos cofres paulistas. 
    O texto eleva o teto salarial do funcionalismo —em vez da remuneração do governador, de R$ 21 mil, o novo limite, a ser atingido em quatro anos, seria o dos vencimentos dos desembargadores do Tribunal de Justiça, de R$ 30,4 mil.
    É lamentável verificar que o patrocinador da votação nociva aos interesses da população foi o presidente tucano da Alesp, Cauê Macris. A proposta contou com 65 votos (de um total de 94 deputados), inclusive de PSB e PSDB —evidência de que as bancadas não primam pelo respeito ao dinheiro público.
    Como de hábito, atende-se ao poderoso lobby do funcionalismo. Espanta como os políticos, em particular os da esquerda, curvam-se aos interesses de uma minoria privilegiada como se fossem a expressão de demandas populares.
    A resistência a pressões corporativistas explica boa parte do equilíbrio orçamentário na gestão de Geraldo Alckmin, agora pré-candidato do PSDB ao Planalto. Será desastroso se a erosão da base governista abrir caminho para a ampliação de despesas permanentes.