domingo, 18 de fevereiro de 2018

Por causa de robôs, ideia de renda básica universal ganha mais adeptos, Tatiana Roque, Ilustríssima


Revolução tecnológica exige novo Estado social, escreve professora

    Tatiana Roque
    Resumo Autora defende a renda universal como ponto de partida para refundar o modelo do Estado social. Diante da crescente substituição de trabalhadores humanos por robôs, a proposta de remuneração mínima independente do emprego ganha novos adeptos, inclusive entre grandes empresários do Vale do Silício.
     
     
    A ideia de uma renda básica universal garantida a todas as pessoas adultas, independentemente do trabalho, ganha novos adeptos no mundo inteiro. Sua popularidade cresce ligada à percepção de que, devido aos avanços da tecnologia, os empregos se tornarão cada vez mais raros.
    No Vale do Silício, por exemplo, a iniciativa é vista como forma de compensar o desemprego gerado pela automação. Entre seus defensores surgem nomes como Mark Zuckerberg e Chris Hughes, criadores do Facebook, e Elon Musk, um dos empresários mais inovadores do planeta e fundador da Tesla Motors, que pretende pôr no mercado carros que dispensam motoristas.
    Esse movimento tem um motivo simples: o emprego formal está em decadência. Pela primeira vez desde o início da industrialização, as inovações tecnológicas ameaçam destruir mais postos de trabalho do que podem criar.
    Pesquisas mostram que a substituição de atividades humanas por robôs vai muito além das funções rotineiras, pois eles já são capazes de estabelecer nexo entre percepção visual, computação espacial e destreza. Com isso, os empregos intermediários tendem a desaparecer, restando, de um lado, os trabalhos pouco qualificados e mal remunerados, e, de outro, os muito qualificados e mais bem remunerados.
    Essas transformações têm impactos na distribuição de renda, na incerteza quanto ao futuro dos jovens, na precarização do trabalho, nos projetos da esquerda e, especialmente, na associação entre proteção social e emprego.
    O Estado social —que inclui educação e saúde públicas, Previdência e outras medidas de assistência social— é financiado por impostos e contribuições relacionadas de modo direto ou indireto à produção de mercadorias e salários. Pessoas sem emprego não contribuem significativamente para o sistema; ganhos não oriundos da produção e do comércio de mercadorias pagam poucos impostos.

    ESTADO SOCIAL

    Diante das transformações sem precedentes no mundo do trabalho, como garantir condições básicas de vida para todo mundo? Duas alternativas têm sido ventiladas: insistir na geração de empregos ou reivindicar modelos de proteção social desvinculados do emprego.
    Aqueles que defendem modelos econômicos capazes de aumentar a oferta de empregos costumam não explicar como fazer isso sem rebaixar ainda mais salários e direitos (o que seria necessário para competir com países como a China).
    Durante os anos de ouro da indústria, acreditava-se que o paradigma dos países desenvolvidos pudesse se estender ao restante do mundo. Hoje, acontece o oposto: com uma economia globalizada e automatizada, a perspectiva do pleno emprego é a da proliferação das formas de trabalho degradantes.
    A insistência na defesa da proteção social por esse caminho tem gerado graves distorções. Trabalhos bem pagos e seguros trazem garantias (para além dos salários), ao passo que trabalhos autônomos ficam em desvantagem.
    A insegurança atinge do camelô ao microempresário. Alguns denominam uberização o trabalho intermediado por plataformas digitais, executado sem relação formal com o empregador. Na verdade, a plataforma Uber tornou visíveis tendências mais gerais, sobretudo do setor de serviços, como a eliminação do vínculo empregatício.
    As pessoas passam a administrar seu trabalho, mas também riscos e custos envolvidos, sem nenhum dos direitos associados ao emprego formal —daí a percepção de que muitos direitos sociais existentes são, de fato, privilégios.
    O segundo caminho passa pela proposta de um colchão de proteção desatrelado do emprego —essa é a vantagem da renda universal. Se concebida e pactuada corretamente, pode ser um ponto de partida para refundar o modelo de Estado social.
    Trata-se de dar uma resposta ao número cada vez maior de pessoas que culpam a si mesmas por não terem um trabalho permanente e bem pago —jovens que se deprimem por não fazer o que gostam, pessoas de meia-idade que se envergonham do desemprego, casais que se sacrificam para que os filhos estudem. Com a renda universal, deseja-se transmitir uma mensagem a todas essas pessoas: não se culpem, pois o problema é estrutural.
    A semelhança com o programa Bolsa Família é citada com frequência, mas duas diferenças são fundamentais: a renda universal não exige contrapartida (como a de ter filhos na escola) e ela não é voltada só para os mais pobres.
    A renda mínima defendida por Eduardo Suplicy  —que é lei desde 2004, mas nunca foi implementada— prevê a radicalização do Bolsa Família nessa direção. Os governos do PT, porém, não quiseram assumir o risco, deixando Suplicy numa posição meio folclórica.

    PRÓ E CONTRA

    A crítica mais fácil invoca a suposta inviabilidade da proposta, seja pelo custo elevado, seja pela dificuldade política de implementação. No entanto, iniciativas similares já existem no Alasca e estão em fase de testes na Finlândia, no Quênia, no Canadá e em certas regiões dos EUA.
     
    Concretamente, a ideia pode ser implantada em etapas, começando pelos baixos salários, pelos jovens e por quem precisa se reposicionar diante de um mercado de trabalho em transformação.
    Claro que, à primeira vista, parece estranho ganhar sem trabalhar. A estranheza diminui, contudo, quando pensamos nas diversas formas de renda que já não são vinculadas ao trabalho: recebimento de aluguel, rendimentos de ações na Bolsa e outras aplicações financeiras.
    Além disso, ter renda básica não implica parar de trabalhar; implica apenas não precisar trabalhar pelo básico, o que, na prática, aumenta a liberdade de escolha do indivíduo e diminui o poder de barganha de quem concentra riqueza. Quem fará os trabalhos degradantes, que não interessam a ninguém? Esses terão que ser muito bem pagos, pois não é a pobreza que garantirá mão de obra barata.
    A esquerda teme que a renda básica seja usada para substituir o Estado de bem-estar social, o que de fato é defendido por alguns liberais. Mas não há motivos intrínsecos para que isso aconteça; as ideias podem ser complementares. A defesa do Estado social depende mais do esforço para adaptar a filosofia que o sustentava à nova economia e da conquista política de novos aliados.
    Há, porém, vertentes de esquerda que enxergam com bons olhos a possibilidade de criar um modelo econômico menos produtivista e destrutor do meio ambiente. Em um mundo pós-emprego, a renda universal forneceria meios para que as pessoas pudessem migrar dos trabalhos existentes para atividades mais criativas, coletivas e autossustentáveis.
    Outro ponto positivo é o reconhecimento do trabalho invisível, tanto o informal quanto aquele feito gratuitamente pelos próprios consumidores em benefício de maiores lucros para os empresários.
    Há os caixas automatizados no supermercado, que nos fazem trabalhar no lugar de empregados pagos pela empresa. Há as redes sociais, para as quais criamos conteúdo de graça e ainda fornecemos dados de perfil que serão comercializados. E há tudo o que fazemos naquele tempo que já foi dito "livre", mas que serve para colocar os e-mails em dia, fazer projetos ou investir em relações sociais.
    Ninguém conhece melhor do que as mulheres o quanto de trabalho não remunerado é feito no tempo "livre". Por isso, elas têm muito a dizer sobre a relação conflituosa entre tempo de trabalho e tempo de vida, pois sempre souberam que o salário —pago, durante décadas, ao homem da casa— não era capaz de reconhecer como trabalho o cuidado com a casa e com os filhos.
    A renda universal não é uma panaceia, mas pode ser um ponto de partida para lançar em novos termos o debate sobre desigualdade e solidariedade. Hoje, a discussão está bloqueada: de um lado, aqueles que querem manter tudo como está; de outro, aqueles para quem reformar significa retirar garantias e individualizar a responsabilidade.
    É uma vantagem o fato de a proposta de renda universal ter adeptos tanto no campo liberal quanto na esquerda. O próprio FMI fez suas contas e concluiu que a iniciativa reduziria a pobreza no Brasil de 19% para 7,4% da população e custaria 4,6% do PIB.

    FINANCIAMENTO

    Se for superada essa barreira mais filosófica sobre a renda básica universal, o debate seguinte se dará em relação a seu financiamento.
    Na Europa, fala-se de uma mudança total do sistema de impostos, incluindo a taxação sobre transações monetárias, ganhos financeiros e dividendos. Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia, defende essa tese, para evitar reação de quem ainda paga imposto sobre salário. Também se discute a tributação de robôs —empresas com alto grau de automação pagariam uma taxa a ser revertida em renda para aqueles que os robôs desempregam.
    O crescimento do capital é, hoje, uma produção social. É nossa atividade na rede que gera valor para empresas como Amazon, Google ou Facebook. Ora, se a sociedade valoriza o capital, ele deve ser taxado para que os ganhos retornem à sociedade.
    Para além desse fator, assistimos a uma concentração de renda inaudita nas mãos dos muito ricos, um grupo que corresponde a 1% da população mundial. Parece razoável, portanto, que o dinheiro necessário para financiar um novo modelo de justiça social seja obtido pela diminuição dessa concentração.
    Apostar nesse novo mundo, inventando medidas concretas para torná-lo mais solidário, pode reduzir a insegurança e a fragmentação social que têm levado à ascensão mundial do conservadorismo, do ódio e da violência.
    A força mais dinâmica do mundo atual é abundante —a informação—, e estamos deixando para trás uma economia que funcionava a partir da escassez. Reduzir o poder de agentes concentradores é um caminho necessário para experimentar a revolução tecnológica como vetor de autonomia e liberdade, em vez de vivê-la apenas como fonte de precarização e de miséria.
    A renda universal pode ser o ponto de partida de um novo pacto a recompor forças políticas em torno da prioridade absoluta de reduzir as desigualdades, inventar novos modelos produtivos e fundar um projeto de sociedade à altura do nosso tempo.

    Tatiana Roque, 47, é professora do Instituto de Matemática e da pós-graduação em filosofia da UFRJ. Foi presidente do sindicato dos professores da universidade (ADUFRJ).

    Pezão precisa sair do governo do Rio - ELIO GASPARI, FSP


    FOLHA DE SP/O GLOBO - 18/02

    A ideia da intervenção do governo federal na Segurança do Rio veio tarde e é curta. O governador Luiz Fernando Pezão precisa ir embora. Não tem saúde, passado, nem futuro para permanecer no cargo num estado falido, capturado por uma organização criminosa cujos chefes estão na cadeia. Como? Ele desce do gabinete, entra no carro e vai para casa.

    Na quinta-feira, quando esteve no Planalto, Pezão disse a Temer que a situação da Segurança Pública do Rio saíra do seu controle. Ao deputado Rodrigo Maia, mencionou a “calamidade” e acrescentou: “Não podemos adiar nem mais um dia.” Há duas semanas, o mesmo Pezão se orgulhava da qualidade e da eficiência de suas polícias, reclamando do que seria uma “cobertura cruel.”

    Desorientado (há tempo), o governador construiu um caso clássico para demandar uma intervenção ampla, geral e irrestrita no Rio. Nada a ver com o que se armou no Planalto.

    Sérgio Cabral (patrono de Pezão) e Jorge Picciani (“capo” do PMDB) não estão na cadeia pelo que fizeram na Segurança. Ambos comandaram a máquina corrupta que arruinou as finanças, o sistema de ensino e a saúde pública do estado. A corrupção e a inépcia policial são apenas o pior aspecto da ruína.

    Colocar um general como interventor no aparelho de Segurança, sem mexer no dragão das roubalheiras administrativas, tem tudo para ser um exercício de enxugamento de gelo. Ou algo pior: o prosseguimento de uma rotina na qual as forças policiais invadem bairros pobres e proclamam vitória matando “suspeitos.”

    A intervenção proposta por Temer coloca Pezão e seus amigos no mundo de seus sonhos. Num passe de mágica, o problema do Rio sai do Palácio Guanabara (onde mora há décadas) e vai para o colo de um general. Esse semi-interventor assumiria com poderes para combater o crime organizado. O Planalto deve burilar sua retórica, esclarecendo que não se considera crime organizado aquilo que o juiz Marcelo Bretas vem mostrando ao país.

    Temer conhece a Constituição e sempre soube que podia decretar a intervenção federal no governo do estado. A Constituição impede que se promulguem emendas constitucionais havendo unidades sob intervenção, mas a reforma da Previdência poderia ser votada na Câmara (se fosse) para ser promulgada no dia da posse do governador, em janeiro de 2019.

    Há um cheiro de marquetagem na iniciativa: a reforma seria congelada por causa da intervenção na Segurança do Rio. Patranha. Ela encalhou por falta de votos e a intervenção, podendo ser integral, será light. Temer, que presidiu o PMDB até ser substituído pelo notável Romero Jucá, estancou a sangria, ajudou os correligionários que destruíram o estado e jogou a batata quente no colo de um general.

    A saída de Pezão permitiria o desmantelamento do esquema de poder do PMDB antes da eleição de outubro. Sérgio Cabral e Picciani, “capos” dessa máquina, estão trancados, mas ela está viva. Leonardo, filho de Picciani, é o ministro do Esporte de Temer, cujo governo tem dois ex-ministros na cadeia (Geddel Vieira Lima e Henrique Alves). Todos do PMDB, como o ex-governador Moreira Franco, conselheiro especial do presidente.

    A intervenção federal permitiria que o Estado do Rio passasse por uma faxina. Até a posse do governador que será eleito em outubro, o interventor poderia desmantelar a teia de ladroagens que arruinou o estado. Quem seria esse interventor? Para que a conversa possa prosseguir, aqui vão dois nomes: Pedro Parente e Armínio Fraga. Os dois estão bem de vida e odiariam a ideia, mas nasceram no Rio e sabem que devem algo à terra. Parente administrou a crise de energia no governo de Fernando Henrique Cardoso e está ressuscitando a Petrobras. Deem-lhe uma caneta e alguns pares de algemas e ele ergue o Rio.

    Esse seria um cenário de emergência para uma situação de calamidade. Pode parecer ideia de maluco, mas nem o maior dos doidos poderia imaginar que, em menos de cinco anos, o Rio chegasse onde chegou.

    Ciro Gomes
    Um pedaço do andar de cima namora a ideia de colocar Geraldo Alckmin no Planalto. Como? Não sabem. Outro pedaço preferia Luciano Huck. Para quê? Não sabiam. Todos estão de acordo num ponto: Lula não pode disputar.

    Essas construções têm lógica, mas criam um vácuo no qual só um candidato amplia sua base eleitoral: Ciro Gomes, pronto para encarnar o contra-tudo-o-que-está-aí.

    Os Gomes disputam o mando na cidade cearense de Sobral desde 1890. Seu pai foi prefeito, e dois de seus irmãos também. Ciro e Cid governaram o estado. Ele foi ministro de Itamar Franco e de Lula. O mano, de Dilma.

    Fernando Henrique Cardoso traçou um breve perfil de Ciro em seus “Diários”:

    “Ele é uma personalidade complicada; é precipitado, afirmativo, inteligente, tem coragem, mas é um pouco oportunista nas posições e não vai muito fundo nas questões.”

    Faltou mencionar seu fraco pela autocombustão.

    Paris 2.0
    Cozinha-se a possível nomeação do senador e atual chanceler Aloysio Nunes Ferreira para a embaixada do Brasil em Paris.

    Temer faria a mudança ao apagar das luzes de seu governo, retribuindo a lealdade que recebeu do tucano. Uma vez em Paris, quase certamente ele seria mantido pelo novo presidente.

    O retorno de Nunes Ferreira a Paris contará uma grande história. Em 1968, ele chegou à França fugindo da polícia. Era o “Mateus”, eventual motorista de Carlos Marighella e participara de dois assaltos. Durante um breve período ele foi o embaixador da Ação Libertadora Nacional na França.

    Na sua segunda embaixada, Nunes Ferreira não passará pelas ansiedades de “Mateus”.

    Carnaval
    É falsa a ideia de que o carnaval acabou.

    Temer anunciou a criação do Ministério da Segurança Pública e criou uma ala de 12 ministros para uma comissão de frente emergencial.

    O desfile das escolas de samba tratou da realidade, mas o Planalto manipula fantasias.

    Praga da ciclovia


    Em 2016, quando a ciclovia Tim Maia desabou, matando duas pessoas, o então prefeito do Rio, Eduardo Paes, estava na Grécia. Choveu, a Tim Maia desabou de novo, e o prefeito Marcelo Crivella estava sabe-se lá onde, na Europa, longe da chuva que matou quatro pessoas.

    Seria melhor se os doutores se candidatassem a viver no circuito Elizabeth Arden e fossem mandados para as cidades de seu gosto, com tudo pago.

    Medo de Crivella

    Marcello Crivella derrotou Marcelo Freixo com 1,7 milhão de votos contra 1,2 milhão.

    Os votos nulos foram 570 mil, e a abstenção chegou a 1,3 milhão (26,85%).

    Muita gente votou em Crivella, anulou o voto ou não foi à urna porque tinha medo de Marcelo Freixo.

    Ninguém tinha medo de Crivella. Má ideia.

    Sem nexo

    O empresário Joesley Batista disse à Polícia Federal que, na sua conversa noturna com Michel Temer, fez um sinal com os dedos indicando que colocaria dinheiro nas suas tratativas com Rodrigo Rocha Loures.

    Joesley tinha um gravador escondido, recorrer a um gesto não faria o menor sentido. Seria o único caso em que o grampeador evita o próprio grampo.

    Se Joesley tivesse dito isso antes, teria feito a festa do advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que conseguiu defender Temer na Câmara.

    A intervenção e as dúvidas - CELSO MING, OESP


    ESTADÃO - 18/02

    Como restringir a intervenção apenas a um Estado se o problema é nacional e não respeita fronteiras?


    O presidente Temer apressou-se a desmentir que tenha decretado a intervenção federal no Estado do Rio apenas para produzir cortina de fumaça que oculte o fracasso do projeto de reforma da Previdência, como pareceu. Não há indicações de que a população acredite nisso.

    Mesmo que a intervenção tenha sido decidida por outras razões – por exemplo, para tentar reverter a baixíssima aprovação do governo – parece enterrada a reforma da Previdência. A pauta do Congresso tem como prioridade agora a discussão do decreto de intervenção, o que empurraria inevitavelmente o exame do Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Previdência Social, de importante impacto eleitoral, para mais perto das eleições.

    O governo quer mostrar ação em outra direção e será cobrado por isso. A falta de resultados imediatos na área da segurança, além de desmoralizar a intervenção, poderia produzir desastre político, também de consequências eleitorais imprevisíveis.

    Há apenas algumas semanas, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, tentava desencorajar uma decisão como a comunicada sexta-feira. Argumentava que uma intervenção em Pernambuco desembocaria necessariamente em outras. Agora, passou a defender a intervenção no Rio e abandonou sua posição anterior. Mas ficou difícil sustentar que outros Estados, como o Rio Grande do Sul e o Rio Grande do Norte, não precisem do mesmo tratamento, embora mostrem a mesma anomia na segurança pública e em outras.

    A intervenção federal tem por objetivo declarado restabelecer a ordem pública e submeter o crime organizado. As bases da bandidagem serão atacadas e, com elas, o narcotráfico e suas condições de sustentação, assegura ele.

    Mas há indicações de que esta não é uma operação planejada, o que, por si só, tende a comprometer seu sucesso. A convocação apressada das autoridades ligadas à área para avaliar a decisão, a rápida mudança de discurso do ministro Jungmann e o apelo a que a população encaminhe sugestões são indicação do grau de improvisação. Uma operação de guerra não se baseia em sondagens populares prévias. Simplesmente põe em marcha decisões amadurecidas pelo Alto Comando.

    As Forças Armadas podem ter mapeado certos focos de atuação dos agentes desse estado de violência permanente, pelo menos no Rio e, eventualmente, no Espírito Santo. Mas sobram dúvidas de que a empreitada tenha êxito. Até agora iniciativas desse tipo fracassaram, porque as causas do câncer não foram extirpadas e porque, como outra vez, terão de contar com a colaboração da atual polícia, tão conivente com o crime e tão podre quanto a podridão que se pretende erradicar.

    Uma das questões que a nova situação do Rio deve suscitar tem a ver com o âmbito geográfico da segurança que se quer ver restabelecida. Como restringir a intervenção apenas a um Estado se o problema é nacional e não respeita fronteiras? E como evitar que a bandidagem fuja momentaneamente do Rio e busque refúgio em territórios adjacentes e de lá passem a atuar, como aconteceu outras vezes?

    Outra questão vai às causas mais profundas. A perda de controle da segurança não ocorreu apenas por gestão incompetente e corrupta das autoridades públicas. Ocorreu porque a droga e o crime viraram negócios tão lucrativos que compram a polícia, compram políticos, compram juízes, compram armamentos pesados, sustentam logísticas complexas, destroem o monopólio da força exercido pelo Estado e sustentam poderoso estado paralelo. Outras regiões do mundo, como Nova York, enfrentaram com sucesso problemas parecidos, com determinação, recursos e com uma polícia competente. Mas, por aqui, estamos a anos-luz de resultados assim.

    E há as dúvidas que têm a ver com a economia. O novo adiamento da votação da PEC da Previdência passa o sinal de que o rombo das contas públicas continua se abrindo e, assim, tende a alargar as incertezas e a sabotar a ainda frágil recuperação econômica. Nesta sexta-feira, o mercado financeiro pareceu já contar com esse adiamento. Mas a essas incertezas podem juntar-se as outras, tanto as eleitorais de origem interna como as que estão se avolumando nos mercados globais.

    Até agora, a população não sentiu a melhora dos indicadores da economia no dia a dia de suas vidas. Apenas em parte isso pode estar acontecendo porque a falta de segurança passou a ser preocupação central do consumidor e prejudicou outras percepções.

    Um dos objetivos do governo com a intervenção parece ter sido criar clima favorável para que os resultados da economia sejam mais bem notados.

    Enfim, muitas dúvidas pairam sobre esta decisão.