domingo, 26 de março de 2017

A desilusão mandou recado neste domingo, Tereza Cruvinel





Há um sentido muito claro no fracasso das manifestações convocadas para este domingo, 25, por MBL, Vem Pra Rua e outros movimentos que fizeram grandes atos no ano passado a favor do impeachment: amplos setores da classe média desiludiram-se com o golpe que apoiaram e entenderam o sentido retrógrado do governo Temer.  Também da elite econômica vieram mensagens de decepção. Algumas foram expressas ao próprio Temer num encontro com representantes do PiB na noite de sexta-feira.
O comparecimento aos atos chamados pela direita variou de 200 a 300 pessoas nas principais capitais, inclusive no Rio e em São Paulo.  Embora isso não signifique que estes setores arrependidos estejam dispostos a  engrossar o “Fora Temer”,  a comparação do fracasso de hoje com o êxito dos protestos contra Temer e suas reformas, realizados no último dia 15,  por iniciativa das centrais sindicais e  movimentos sociais, aponta para um indiscutível mudança na conjuntura das ruas. Mais de um milhão de pessoas participaram dos atos em todo o país, indicando que a rejeição ao governo que resultou do golpe hoje predomina sobre a pauta difusa da direita: apoio às reformas, apoio Lava Jato, ao fim do foro especial,  contra o voto em lista e o financiamento público de campanhas e contra o estatuto do desarmamento.
A inflexão está em curso, no povo e na elite, embora isso não garanta uma saída política para a encalacrada brasileira. Acabou-se a ilusão com o golpe. Temer prometeu crescimento e veio mais recessão e desemprego. Prometeu o combate à corrupção e a cada dia mais um ministro de seu governo aparece nas delações.  A população já compreendeu que suas reformas são um esbulho dos direitos sociais e trabalhistas. O MBL e seus semelhantes não ousaram defender apoio ao governo, está claro, mas a defesa da Lava Jato também não se revelou mobilizadora. Os vazamentos, os abusos e mesmo a desastrosa Operação Carne Fraca (embora não integre a Lava Jato foi visto como parte do combate à corrupção) abalaram o antigo entusiasmo pela cruzada do juiz Sergio Moro, PF e MPF.  A população continua contra a corrupção mas parece cansada desta  crise política interminável. Kim Kataguiri amargou sua frustração culpando pelo fiasco um festival de música e um jogo de futebol na capital paulista. Mas o fracasso não foi só lá, foi em todo o Brasil.
Outras bandeiras propostas para os atos que fracassaram hoje também não despertaram interesse. Por exemplo, “contra o voto em lista fechada”. O grosso da população ainda não entendeu direito o que seria esta mudança na forma de votar. A esquerda, que sempre a defendeu, devia aproveitar o momento, explorar a contradição que leva os conservadores a aceitá-la e sair logo em sua defesa. Ainda que alguns corruptos estejam aceitando o voto em lista, que sempre combateram, apenas para tentar se reeleger, este sistema é mais construtivo para a democracia, num pais onde o dinheiro compra mandatos.
Também foi reveladora, neste domingo, a declaração do atual presidente da Andrade Gutierrez, Ricardo Sena. Depois de confessar que tinha uma “birra homérica” de Dilma, assim define sua relação com o governo  Temer “Sou da turma dos decepcionados”.  Hoje existem, portanto, os decepcionados da rua e os decepcionados da elite.  Em busca de socorro do grande empresariado, Temer reuniu-se com uma penca deles na sexta-feira à noite em São Paulo.  Ouviu críticas ao fato de não ter censurado a Polícia Federal e seu ministro da Justiça pelo desastre da Carne Fraca, ouviu reclamações quanto ao recuo na reforma previdenciária, da qual excluiu os funcionários estaduais e municipais,  ouviu cobranças sobre a conduta do BNDES e outros reclamos mais. O PIB também cansou e se decepcionou.
Mas nada disso nos garante, ainda, uma saída política. Se ela não aparecer, Temer vai até 2018, com um custo muito mais elevado para o país.  O assanhamento político do ministro Gilmar Mendes ascende em algumas imaginações a suspeita de que o TSE poderá acolher o parecer do relator Hermann Benjamin pela cassação da chapa Dilma/Temer. Vale dizer, pelo afastamento de Temer. Mas isso nos levaria à eleição indireta, quem sabe com Gilmar candidato, o que não seria uma saída, mas um procrastinação da crise.
A saída virá se os que não saíram às ruas hoje se juntarem com os que saíram no dia 15, produzindo um grande movimento pelas eleições diretas antecipadas. Quanto mais cedo, menor será o custo.

O capitalismo dos amigos, Vera Magalhães OESP


Vera Magalhães
26 Março 2017 | 03h00
Em mais um dos muitos comícios que tem feito na esperança de convencer a sociedade de que é vítima de perseguição política, e não um réu em cinco ações penais decorrentes de seu exercício da Presidência e das atividades a que se dedicou depois de deixá-la, Luiz Inácio Lula da Silva participou na última sexta de um evento em que o PT, vejam só, se propôs a apresentar o “outro lado” da Lava Jato.
Na versão petista da história não há provas do petrolão, a Lava Jato é mais arbitrária que o regime militar, o governo Lula promoveu o renascimento da indústria naval brasileira e, depois que ele deixou o poder, voltou a predominar no País o “complexo de vira-lata”. Tudo nas palavras roufenhas, intercaladas por assoadas de nariz, de um Lula cada vez mais apagado, uma sombra do orador que já foi.
Pois no mundo real as provas estão à mão de quem se dispuser a consultar os arquivos públicos da Lava Jato, num acervo horripilante da corrupção chamado E-proc. O tal renascimento da indústria naval foi mais um cavalo de Troia para usar o Estado como veículo de propina para partidos aliados, diretores de estatais corruptos e empresários idem. E a volta do complexo de vira-lata talvez se deva ao fato de que os poucos avanços sociais promovidos por Lula foram roubados pelo desmonte que sua afilhada Dilma Rousseff promoveu na economia brasileira.
Ainda no mundo lulista, aos amigos tudo é facultado e com eles se vai longe. Não bastassem as evidências de que, no poder, Lula promoveu um verdadeiro capitalismo dos amigos tendo como plataformas a Petrobrás, o BNDES, a tal política dos campeões nacionais e um aparelhamento sem precedentes da administração federal, ele próprio se pôs a fazer perorações sobre o valor das amizades.
Disse o ex-presidente que, diante da “falta de provas” cabe a cada petista aprender a ter “coragem” e estar “ao lado dos amigos da gente”. Fazia uma referência não só a si próprio, mas também aos companheiros presos, como João Vaccari, Antonio Palocci e José Dirceu.
Também admitiu ter “amigos” em outro setor: o empresariado. Desafiou qualquer um deles, preso ou solto, a dizer se alguma vez ele, Lula, pediu um centavo que fosse.
De fato, esse parece ser um ponto sustentável da defesa do ex-presidente. Afinal, Alexandrino Alencar, o “brother” de Lula na Odebrecht, disse em sua delação que a reforma do sítio de Atibaia foi pedida pela ex-primeira-dama Marisa Letícia, já que a obra corria muito devagar.
Marcelo Odebrecht disse que havia uma conta sigilosa no departamento de propinas da empresa, operada por Palocci, mas preferiu não dizer à Justiça Eleitoral a quem se destinava.
José Carlos Bumlai afirma que intermediou um empréstimo fraudulento junto ao banco Schain, mais tarde pago com um contrato com a Petrobrás, para resolver um incêndio do PT – mas não diz que Lula lhe pediu para fazer isso.
Mas nem todos os amigos são tão benevolentes. E Delcídio do Amaral, que foi líder de Dilma e frequentador assíduo do Instituto Lula nos últimos anos, diz que foi ele, Lula, quem pediu para intermediar o silêncio de Nestor Cerveró. Mas ele não pediu nenhum centavo, Lula tem razão.
O fato é que, a cada dia em que se sucedem revelações escabrosas de como as empreiteiras criaram um Estado paralelo no Brasil, principalmente de 2006 a 2014, soam mais inverossímeis os discursos repetitivos de Lula.
O abatimento do antes mitológico líder popular parece vir menos da suposta “perseguição” de que se diz vítima e mais da certeza, estampada em seus olhos, de que ele é hoje uma caricatura do que foi. E a culpa não é do juiz Sérgio Moro, do Ministério Público ou da imprensa. Quem traçou o caminho de Lula foi o próprio Lula.

Crise foi ‘bênção disfarçada’ para o Brasil, entrevista Pedro Videla, OESP



Economista, que já passou por FMI e Banco Mundial, diz que País foi obrigado a encarar a realidade da economia


Fernando Scheller
25 Março 2017 | 17h04

Foto: JF Diorio/Estadão
Pedro Videla
Pedro Videla, professor do Iese e ex-economista do Banco Mundial
Um grupo de amigos está tomando caipirinha em um bar quando um deles se levanta e diz: “Gente, estamos gastando muito”. No momento, alguém se oferece para pagar a conta e argumenta que estão todos se divertindo e não é hora de pensar em dinheiro. Em termos simplificados, era o que acontecia com o orçamento do Brasil, explica o economista Pedro Videla, professor da escola de negócios espanhola Iese, com passagens pelo Banco Mundial e pelo FMI.
Foi necessária uma recessão profunda para o País acordar e começar, realmente, a fazer as contas. “Nesse sentido, a crise no Brasil foi uma bênção disfarçada”, diz Videla. Apesar da agenda de reformas, o trabalho está longe de estar pronto e a recuperação brasileira ainda depende das próximas eleições e da continuidade do combate à corrupção.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O sr. teve passagens pelo Banco Mundial e FMI. Concorda com a visão de que o livre comércio beneficia os mais pobres?
Sim, mas devemos ser cuidadosos, pois nem todo mundo se beneficia. Há vencedores e perdedores. Aqueles que ganham poderiam compensar de alguma forma os que perdem, mas isso raramente acontece. Ouvimos muita gente falando que a distribuição de renda está ficando pior, mas não é verdade. O que está acontecendo é que a distribuição de renda global está melhorando, mas está ocorrendo uma piora dentro de cada país.
Mas não é isso que importa para as decisões dos governos?
Sim. Percebemos o que ocorre no nosso bairro, na cidade, a desigualdade ao nosso redor. E as pessoas afetadas geralmente são as que exercem atividades simples, pois há um indivíduo na Malásia que faz o mesmo serviço por um preço mais baixo. O sistema está dizendo: ou você aceita o salário de Kuala Lumpur, ou cai fora. Isso significa que, dentro dos EUA, a desigualdade vai aumentar, mas a diferença entre um americano e um asiático vai diminuir.
A percepção sobre a economia do País mudou rapidamente: como fomos da euforia à recessão?
O Brasil tomou decisões boas, começando pelo Plano Real. Depois, o presidente Lula, que poderia ter se tornado um Hugo Chávez à décima potência, se quisesse, adotou o controle das contas do governo. O País passou de um déficit para superávit primário. Então, não dá para dizer que as estrelas estavam alinhadas para o Brasil e a sorte apenas virou.
Mas, além das decisões boas, houve outras questionáveis.
O Brasil foi beneficiado pelo ciclo das commodities, pela demanda da China e a produtividade do agronegócio. Veio a aposta de turbinar o crescimento com o consumo da classe média. Mas o consumo não veio acompanhado de investimento. Por isso, não durou muito tempo. Não faltou gente alertando, dizendo que era insustentável. Perto das eleições de 2014, os bancos privados frearam o crédito. Então o governo usou os bancos públicos para continuar a dar empréstimos. E houve o caso Petrobrás. E tudo começou a se reverter rapidamente.
Então, houve um reforço artificial e prejudicial da economia?
Continuaram com o crédito mesmo sabendo que a situação iria explodir. O que saiu de bom é o fato de o Brasil ter mostrado que as leis são aplicadas por aqui. Por um processo constitucional, a presidente (Dilma Rousseff) sofreu o impeachment. Muita gente pode discordar, mas houve um processo oficial com direito de defesa. Tanto foi assim que o real já começou a se apreciar mesmo antes do impeachment.
Agora, o Brasil está com uma agenda de reformas. Há uma nova mentalidade econômica?
Pense assim: você está tomando caipirinha com seus amigos e alguém, de repente, se levanta da mesa e diz: ‘estamos gastando demais’. Ninguém vai escutar. Alguém pode até se oferecer para pagar a conta. Mas a economia não pode funcionar assim. Chega um momento em que a realidade se impõe. Nesse sentido, a crise no Brasil foi uma bênção disfarçada.
Como os esquemas de corrupção revelados pela Lava Jato afetam o Brasil daqui em diante?
Algumas pessoas dizem que a corrupção faz parte da cultura latino-americana, mas não é isso. O que nós temos é um sistema que permite que a corrupção se multiplique. Isso tem de ser erradicado.
Quanto o destino do Brasil depende das próximas eleições?
Muito. É a partir delas que veremos se as mudanças são verdadeiras. Precisamos de um líder que não permita a corrupção, mesmo que tenha de punir alguém de seu partido. As regras do jogo têm de mudar.
Mas os EUA e o Reino Unido, ícones do livre mercado, enfrentam uma onda de insatisfação.
Não importa se você está em Nova York ou Londres. Caso uma pessoa na Índia consiga fazer seu trabalho, haverá transferência de vagas. Muita gente considera imoral a queda da renda nos EUA. Para falar uma coisa dessas é preciso acreditar que um indivíduo americano é mais importante do que um indiano ou um chinês, mesmo quando o americano ganha dez vezes mais.
Por muito tempo, economia e política pareciam andar separadas. A tendência mudou?
Sim, e veio para abrir os olhos dos economistas. Durante muito tempo, dissemos que a imigração é boa, que o livre-comércio é positivo. Mas há, no Reino Unido, um saldo de 220 mil pessoas entrando no país ao ano, gente que vem para concorrer com quem mora lá. Temos de nos dar conta disso (de casos específicos), precisamos ser mais humildes, e não olhar tudo de cima para baixo.
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