domingo, 26 de março de 2017

Crise foi ‘bênção disfarçada’ para o Brasil, entrevista Pedro Videla, OESP



Economista, que já passou por FMI e Banco Mundial, diz que País foi obrigado a encarar a realidade da economia


Fernando Scheller
25 Março 2017 | 17h04

Foto: JF Diorio/Estadão
Pedro Videla
Pedro Videla, professor do Iese e ex-economista do Banco Mundial
Um grupo de amigos está tomando caipirinha em um bar quando um deles se levanta e diz: “Gente, estamos gastando muito”. No momento, alguém se oferece para pagar a conta e argumenta que estão todos se divertindo e não é hora de pensar em dinheiro. Em termos simplificados, era o que acontecia com o orçamento do Brasil, explica o economista Pedro Videla, professor da escola de negócios espanhola Iese, com passagens pelo Banco Mundial e pelo FMI.
Foi necessária uma recessão profunda para o País acordar e começar, realmente, a fazer as contas. “Nesse sentido, a crise no Brasil foi uma bênção disfarçada”, diz Videla. Apesar da agenda de reformas, o trabalho está longe de estar pronto e a recuperação brasileira ainda depende das próximas eleições e da continuidade do combate à corrupção.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O sr. teve passagens pelo Banco Mundial e FMI. Concorda com a visão de que o livre comércio beneficia os mais pobres?
Sim, mas devemos ser cuidadosos, pois nem todo mundo se beneficia. Há vencedores e perdedores. Aqueles que ganham poderiam compensar de alguma forma os que perdem, mas isso raramente acontece. Ouvimos muita gente falando que a distribuição de renda está ficando pior, mas não é verdade. O que está acontecendo é que a distribuição de renda global está melhorando, mas está ocorrendo uma piora dentro de cada país.
Mas não é isso que importa para as decisões dos governos?
Sim. Percebemos o que ocorre no nosso bairro, na cidade, a desigualdade ao nosso redor. E as pessoas afetadas geralmente são as que exercem atividades simples, pois há um indivíduo na Malásia que faz o mesmo serviço por um preço mais baixo. O sistema está dizendo: ou você aceita o salário de Kuala Lumpur, ou cai fora. Isso significa que, dentro dos EUA, a desigualdade vai aumentar, mas a diferença entre um americano e um asiático vai diminuir.
A percepção sobre a economia do País mudou rapidamente: como fomos da euforia à recessão?
O Brasil tomou decisões boas, começando pelo Plano Real. Depois, o presidente Lula, que poderia ter se tornado um Hugo Chávez à décima potência, se quisesse, adotou o controle das contas do governo. O País passou de um déficit para superávit primário. Então, não dá para dizer que as estrelas estavam alinhadas para o Brasil e a sorte apenas virou.
Mas, além das decisões boas, houve outras questionáveis.
O Brasil foi beneficiado pelo ciclo das commodities, pela demanda da China e a produtividade do agronegócio. Veio a aposta de turbinar o crescimento com o consumo da classe média. Mas o consumo não veio acompanhado de investimento. Por isso, não durou muito tempo. Não faltou gente alertando, dizendo que era insustentável. Perto das eleições de 2014, os bancos privados frearam o crédito. Então o governo usou os bancos públicos para continuar a dar empréstimos. E houve o caso Petrobrás. E tudo começou a se reverter rapidamente.
Então, houve um reforço artificial e prejudicial da economia?
Continuaram com o crédito mesmo sabendo que a situação iria explodir. O que saiu de bom é o fato de o Brasil ter mostrado que as leis são aplicadas por aqui. Por um processo constitucional, a presidente (Dilma Rousseff) sofreu o impeachment. Muita gente pode discordar, mas houve um processo oficial com direito de defesa. Tanto foi assim que o real já começou a se apreciar mesmo antes do impeachment.
Agora, o Brasil está com uma agenda de reformas. Há uma nova mentalidade econômica?
Pense assim: você está tomando caipirinha com seus amigos e alguém, de repente, se levanta da mesa e diz: ‘estamos gastando demais’. Ninguém vai escutar. Alguém pode até se oferecer para pagar a conta. Mas a economia não pode funcionar assim. Chega um momento em que a realidade se impõe. Nesse sentido, a crise no Brasil foi uma bênção disfarçada.
Como os esquemas de corrupção revelados pela Lava Jato afetam o Brasil daqui em diante?
Algumas pessoas dizem que a corrupção faz parte da cultura latino-americana, mas não é isso. O que nós temos é um sistema que permite que a corrupção se multiplique. Isso tem de ser erradicado.
Quanto o destino do Brasil depende das próximas eleições?
Muito. É a partir delas que veremos se as mudanças são verdadeiras. Precisamos de um líder que não permita a corrupção, mesmo que tenha de punir alguém de seu partido. As regras do jogo têm de mudar.
Mas os EUA e o Reino Unido, ícones do livre mercado, enfrentam uma onda de insatisfação.
Não importa se você está em Nova York ou Londres. Caso uma pessoa na Índia consiga fazer seu trabalho, haverá transferência de vagas. Muita gente considera imoral a queda da renda nos EUA. Para falar uma coisa dessas é preciso acreditar que um indivíduo americano é mais importante do que um indiano ou um chinês, mesmo quando o americano ganha dez vezes mais.
Por muito tempo, economia e política pareciam andar separadas. A tendência mudou?
Sim, e veio para abrir os olhos dos economistas. Durante muito tempo, dissemos que a imigração é boa, que o livre-comércio é positivo. Mas há, no Reino Unido, um saldo de 220 mil pessoas entrando no país ao ano, gente que vem para concorrer com quem mora lá. Temos de nos dar conta disso (de casos específicos), precisamos ser mais humildes, e não olhar tudo de cima para baixo.
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