Vera Magalhães
26 Março 2017 | 03h00
Em mais um dos muitos comícios que tem feito na esperança de convencer a sociedade de que é vítima de perseguição política, e não um réu em cinco ações penais decorrentes de seu exercício da Presidência e das atividades a que se dedicou depois de deixá-la, Luiz Inácio Lula da Silva participou na última sexta de um evento em que o PT, vejam só, se propôs a apresentar o “outro lado” da Lava Jato.
Na versão petista da história não há provas do petrolão, a Lava Jato é mais arbitrária que o regime militar, o governo Lula promoveu o renascimento da indústria naval brasileira e, depois que ele deixou o poder, voltou a predominar no País o “complexo de vira-lata”. Tudo nas palavras roufenhas, intercaladas por assoadas de nariz, de um Lula cada vez mais apagado, uma sombra do orador que já foi.
Pois no mundo real as provas estão à mão de quem se dispuser a consultar os arquivos públicos da Lava Jato, num acervo horripilante da corrupção chamado E-proc. O tal renascimento da indústria naval foi mais um cavalo de Troia para usar o Estado como veículo de propina para partidos aliados, diretores de estatais corruptos e empresários idem. E a volta do complexo de vira-lata talvez se deva ao fato de que os poucos avanços sociais promovidos por Lula foram roubados pelo desmonte que sua afilhada Dilma Rousseff promoveu na economia brasileira.
Ainda no mundo lulista, aos amigos tudo é facultado e com eles se vai longe. Não bastassem as evidências de que, no poder, Lula promoveu um verdadeiro capitalismo dos amigos tendo como plataformas a Petrobrás, o BNDES, a tal política dos campeões nacionais e um aparelhamento sem precedentes da administração federal, ele próprio se pôs a fazer perorações sobre o valor das amizades.
Disse o ex-presidente que, diante da “falta de provas” cabe a cada petista aprender a ter “coragem” e estar “ao lado dos amigos da gente”. Fazia uma referência não só a si próprio, mas também aos companheiros presos, como João Vaccari, Antonio Palocci e José Dirceu.
Também admitiu ter “amigos” em outro setor: o empresariado. Desafiou qualquer um deles, preso ou solto, a dizer se alguma vez ele, Lula, pediu um centavo que fosse.
De fato, esse parece ser um ponto sustentável da defesa do ex-presidente. Afinal, Alexandrino Alencar, o “brother” de Lula na Odebrecht, disse em sua delação que a reforma do sítio de Atibaia foi pedida pela ex-primeira-dama Marisa Letícia, já que a obra corria muito devagar.
Marcelo Odebrecht disse que havia uma conta sigilosa no departamento de propinas da empresa, operada por Palocci, mas preferiu não dizer à Justiça Eleitoral a quem se destinava.
José Carlos Bumlai afirma que intermediou um empréstimo fraudulento junto ao banco Schain, mais tarde pago com um contrato com a Petrobrás, para resolver um incêndio do PT – mas não diz que Lula lhe pediu para fazer isso.
Mas nem todos os amigos são tão benevolentes. E Delcídio do Amaral, que foi líder de Dilma e frequentador assíduo do Instituto Lula nos últimos anos, diz que foi ele, Lula, quem pediu para intermediar o silêncio de Nestor Cerveró. Mas ele não pediu nenhum centavo, Lula tem razão.
O fato é que, a cada dia em que se sucedem revelações escabrosas de como as empreiteiras criaram um Estado paralelo no Brasil, principalmente de 2006 a 2014, soam mais inverossímeis os discursos repetitivos de Lula.
O abatimento do antes mitológico líder popular parece vir menos da suposta “perseguição” de que se diz vítima e mais da certeza, estampada em seus olhos, de que ele é hoje uma caricatura do que foi. E a culpa não é do juiz Sérgio Moro, do Ministério Público ou da imprensa. Quem traçou o caminho de Lula foi o próprio Lula.
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