O Globo - 27/10
Um candidato a prefeito do Rio tinha como slogan de campanha o seguinte bordão: “Eu sou fulano, e estou pronto para cuidar de você e de sua família”. Esse paternalismo (muitas vezes) bem-intencionado de nossos políticos, para quem o Estado deve tutelar os cidadãos do berço ao túmulo, não é nenhuma novidade, mas esconde alguns perigos, principalmente para a liberdade dos tutelados.
Immanuel Kant, num ensaio de 1784, intitulado “O que é o Iluminismo?”, disse o seguinte, sobre a falta de autonomia individual: “Preguiça e covardia são as razões pelas quais uma parte tão grande da humanidade, de bom grado, permanece tutelada durante toda a vida... Essas são as razões por que é tão fácil para alguns estabelecer-se como guardiões. É tão confortável ser dependente. Se eu tivesse um livro que pensasse por mim, um pastor que atuasse como minha consciência, um médico que prescrevesse toda a minha dieta, e assim por diante — então não teria necessidade de me esforçar. Não teria necessidade nem mesmo de pensar, pois... outros iriam cuidar desses afazeres desagradáveis para mim.” Embora tenha mais de dois séculos, esta passagem soa surpreendentemente contemporânea. Atualmente, somos reféns inermes dos autoproclamados cuidadores a nos dizer como gerir as nossas vidas, desde alimentação saudável até a educação de nossos filhos.
Não seria de todo mau se fossem somente conselhos ou sugestões. O problema é que os “ungidos” não se limitam apenas a isso. Eles querem também nos impor seus hábitos e suas virtudes. Esses “senhores do bem” desenvolveram a mania de regular as vidas das pessoas, de tal forma que nos proíbem não só as práticas universalmente nocivas à vida social, mas também aquelas consideradas, no máximo, de caráter duvidoso. Não raro, confundem crimes e vícios, tachando de ofensivo qualquer comportamento em desacordo com seus gostos pessoais. Pensem, por exemplo, em como nos tornamos reféns de hábitos e discursos politicamente corretos, ao mesmo tempo em que somos proibidos de certas atividades que não trazem prejuízo a ninguém, senão a nós mesmos.
Desde o advento da sociedade civil, dois desejos têm estado em permanente conflito: de um lado, o desejo do indivíduo de controlar e regular sua própria vida, de tal forma a promover o que ele concebe ser o seu próprio bem, a busca da felicidade e, de outro, o desejo de cercear as iniciativas dos demais, de tal sorte a promover o que se convencionou chamar de bem comum.
A prática do primeiro destes desejos é o que chamamos de liberdade, e a do segundo, autoridade. Ao longo de toda a história da humanidade, temos oscilado, como um enorme pêndulo, entre os dois lados.
Atualmente, nossos políticos parecem intoxicados pela plenitude da autoridade, utilizada amiúde em proporção muito superior a que lhes foi confiada. Assim, sempre que visualizam qualquer problema, por menor que seja, resolvem promulgar uma nova norma para tentar saná-lo. De fato, se me pedissem para nomear a característica que, mais do que qualquer outra, distingue nossas instituições políticas atuais, eu diria que é a compulsão por editar novas leis, quase sempre em prejuízo da liberdade alheia.
De minha parte, como cidadão amante da liberdade, acho que precisamos de um bom prefeito, não de uma boa babá.
João Luiz Mauad é administrador e diretor do Instituto Liberal
Um candidato a prefeito do Rio tinha como slogan de campanha o seguinte bordão: “Eu sou fulano, e estou pronto para cuidar de você e de sua família”. Esse paternalismo (muitas vezes) bem-intencionado de nossos políticos, para quem o Estado deve tutelar os cidadãos do berço ao túmulo, não é nenhuma novidade, mas esconde alguns perigos, principalmente para a liberdade dos tutelados.
Immanuel Kant, num ensaio de 1784, intitulado “O que é o Iluminismo?”, disse o seguinte, sobre a falta de autonomia individual: “Preguiça e covardia são as razões pelas quais uma parte tão grande da humanidade, de bom grado, permanece tutelada durante toda a vida... Essas são as razões por que é tão fácil para alguns estabelecer-se como guardiões. É tão confortável ser dependente. Se eu tivesse um livro que pensasse por mim, um pastor que atuasse como minha consciência, um médico que prescrevesse toda a minha dieta, e assim por diante — então não teria necessidade de me esforçar. Não teria necessidade nem mesmo de pensar, pois... outros iriam cuidar desses afazeres desagradáveis para mim.” Embora tenha mais de dois séculos, esta passagem soa surpreendentemente contemporânea. Atualmente, somos reféns inermes dos autoproclamados cuidadores a nos dizer como gerir as nossas vidas, desde alimentação saudável até a educação de nossos filhos.
Não seria de todo mau se fossem somente conselhos ou sugestões. O problema é que os “ungidos” não se limitam apenas a isso. Eles querem também nos impor seus hábitos e suas virtudes. Esses “senhores do bem” desenvolveram a mania de regular as vidas das pessoas, de tal forma que nos proíbem não só as práticas universalmente nocivas à vida social, mas também aquelas consideradas, no máximo, de caráter duvidoso. Não raro, confundem crimes e vícios, tachando de ofensivo qualquer comportamento em desacordo com seus gostos pessoais. Pensem, por exemplo, em como nos tornamos reféns de hábitos e discursos politicamente corretos, ao mesmo tempo em que somos proibidos de certas atividades que não trazem prejuízo a ninguém, senão a nós mesmos.
Desde o advento da sociedade civil, dois desejos têm estado em permanente conflito: de um lado, o desejo do indivíduo de controlar e regular sua própria vida, de tal forma a promover o que ele concebe ser o seu próprio bem, a busca da felicidade e, de outro, o desejo de cercear as iniciativas dos demais, de tal sorte a promover o que se convencionou chamar de bem comum.
A prática do primeiro destes desejos é o que chamamos de liberdade, e a do segundo, autoridade. Ao longo de toda a história da humanidade, temos oscilado, como um enorme pêndulo, entre os dois lados.
Atualmente, nossos políticos parecem intoxicados pela plenitude da autoridade, utilizada amiúde em proporção muito superior a que lhes foi confiada. Assim, sempre que visualizam qualquer problema, por menor que seja, resolvem promulgar uma nova norma para tentar saná-lo. De fato, se me pedissem para nomear a característica que, mais do que qualquer outra, distingue nossas instituições políticas atuais, eu diria que é a compulsão por editar novas leis, quase sempre em prejuízo da liberdade alheia.
De minha parte, como cidadão amante da liberdade, acho que precisamos de um bom prefeito, não de uma boa babá.
João Luiz Mauad é administrador e diretor do Instituto Liberal