domingo, 16 de outubro de 2016

Depois da confissão - MÍRIAM LEITÃO




O Globo 16/10

A expectativa na Odebrecht é fechar os acordos de delação e de leniência até o fim de outubro. Ela prepara o pedido de desculpas mais claro já feito pelas empresas envolvidas na Operação Lava-Jato, no qual espera estabelecer um corte com o passado e o início do futuro da companhia. No mercado, no entanto, há dúvidas sobre como a maior empreiteira do Brasil chegará ao fim desse processo.

As últimas duas semanas foram as mais duras da negociação, porque está sendo feita a definição das penas. A Lava-Jato elevou o custo da corrupção no Brasil. Se uma empresa com tantas conexões e apoio, tão poderosa, está agora se curvando para pedir desculpas, está abrindo seus cofres para pagar uma multa bilionária e com seu presidente preso por um ano e meio, fica claro que este é um caminho perigoso demais.

Por isso será importante acompanhar cada passo da evolução do caso Odebrecht, mais do que qualquer outro. As imagens divulgadas no domingo passado pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, de Emílio Odebrecht comandando a estratégia de negociação com o Ministério Público, são uma demonstração de como se tornou emblemático o caso da empreiteira. Emílio estava afastado dos negócios há algum tempo. Voltou, mas não para o comando do dia a dia da empresa, e sim para liderar a negociação do acordo de delação, que considera ser o melhor caminho para salvá-la e retomar os negócios.

A Odebrecht tinha 189 mil funcionários, hoje tem 110 mil. A dívida bruta subiu de R$ 87 bilhões no começo da Lava-Jato para R$ 110 bilhões. No ano passado, só de juros pagou R$ 10 bilhões. A PwC relutou em assinar a demonstração contábil de 2015 e acabou aprovando, mas com ressalvas, pela dificuldade de definir o custo da corrupção no conglomerado. O prejuízo total da companhia foi de R$ 297 milhões e os títulos que estão em mercado são negociados a 50% do seu valor.

A empreiteira está no meio de um processo de venda de ativos que a torna menor a cada novo negócio, mas esse emagrecimento é a sua chance de recuperação. Já vendeu R$ 3 bilhões de patrimônio. O movimento é considerado ainda tímido pelo mercado, mas ela enfrenta inúmeros obstáculos, porque quando a investigação chega a algum ativo à venda fica mais difícil encontrar compradores. Aconteceu agora com a usina de Santo Antônio, que se tornou alvo de inquérito no final de setembro. A esperança da empresa é conseguir vendê-la para a China, que está comprando e investindo no setor de energia no Brasil.

Ela já vendeu uma rodovia no Peru, mina em Angola, uma participação na operadora de transporte da Transolímpica. Colocou à venda a Odebrecht Ambiental, que está em negociação adiantada com a Brookfield. Colocou à venda a participação na Braskem, o problema é que o sócio Petrobras também quer vender a sua parte, mas antes terá que rever o acordo de acionistas. A estatal tem 49% do capital e nenhum poder na gestão da empresa. O acordo terá que ser negociado, do contrário, a fatia da Petrobras perderá valor.

Outros problemas afetam o desempenho de partes do conglomerado. A Realiza OR enfrenta a crise no mercado imobiliário. O setor de infraestrutura vive a escassez de novos investimentos no país, causada pela crise fiscal. A empresa que administra a concessão do Galeão garante que cumpriu os requisitos para ter o financiamento do BNDES, mas o banco não quer liberar o crédito. O setor de óleo e gás do grupo sente o reflexo da crise da Petrobras, criada em grande parte pela corrupção. Isso faz com que a Odebrecht acabe atingida pelo problema que ela e outras empreiteiras causaram à estatal.

São inúmeros os problemas da empreiteira, mas nenhum é maior do que o terremoto, que ainda sacode a companhia, causado pela corrupção, que manterá Marcelo Odebrecht por mais um bom tempo na prisão e que levou 50 executivos a fazerem a delação premiada. O crime de corrupção, com o qual ela pensava alavancar seus negócios, a feriu profundamente. Seus executivos acham que a empresa sobreviverá a esta crise, mas desde que haja uma mudança radical na forma de atuação. O pedido de desculpas em que ela confessará seus crimes pode ser o começo de um novo tempo.

ENTENDA A PROPOSTA DO GOVERNO PARA EQUILIBRAR O ORÇAMENTO SEM PERDAS PARA O CIDADÃO, Portal do Governo

Para o País criar as condições necessárias para crescer e gerar empregos, as contas públicas precisam estar em equilíbrio. Déficit excessivo gera inflação, queda de investimentos, recessão e desemprego.
Só há duas formas de equilibrar as contas: ou se controla a despesa, ou se aumenta imposto. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 optou por limitar a expansão da despesa. Essa é a opção correta para o Brasil, pois a tributação já é muito alta no País. Se houvesse a criação de mais impostos, isso oneraria as famílias e as empresas, atrasando a recuperação econômica.
Atualmente, o Brasil está não só com as contas desequilibradas (déficit de R$ 170 bilhões em 2016, ou 2,7% do PIB), mas também com uma dívida pública muito alta (dívida bruta de R$ 4,3 trilhões, ou 70% do PIB). Como qualquer devedor em situação crítica, o governo só obtém crédito pagando juros altos.
Estamos, portanto, em uma armadilha: gastamos além da receita. Isso aumenta a nossa dívida, que aumenta os juros que são cobrados do governo. Juros mais altos aceleram o crescimento da dívida. A situação das contas do governo piora cada vez mais.
Com a PEC 241, o governo pretende interromper essa deterioração e colocar o País em um ciclo positivo. Com o controle da despesa, o déficit público vai cair. A melhoria das contas públicas vai resultar em taxas de juros mais baixas. Pagando menos juros, a dívida crescerá mais devagar.
Ao mesmo tempo, com o governo tomando menos empréstimos, vão sobrar mais recursos para serem emprestados para as empresas e para os consumidores. O custo do crédito vai cair para todos, estimulando o investimento das empresas e o consumo das famílias. A economia vai voltar a andar para frente. A confiança retornará, realimentando o processo de retomada do crescimento e do emprego.

Como funciona o limite de gastos
A regra geral é simples: a despesa primária (despesa total exceto juros da dívida) do governo federal, em 2017, não poderá ser maior que a despesa de 2016 corrigida pela inflação. Essa regra valerá, ano após ano, durante 20 anos.
Esse limite se aplica individualmente ao Poder Executivo, ao Poder Judiciário, ao Poder Legislativo, ao Ministério Público e à Defensoria Pública. Por exemplo, se a despesa do Poder Executivo em um determinado ano foi igual a R$ 100, e se a inflação desse ano foi de 5%, no ano seguinte o limite máximo de despesa será de R$ 105.
As despesas com saúde e educação, assim como as das demais áreas, têm de se adequar a esse teto. Se houver a decisão de aumentar os gastos com saúde, por exemplo, será preciso reduzir os gastos em outras áreas.
Mas a saúde e a educação têm uma proteção adicional. As despesas nessas áreas não podem ficar abaixo de um valor mínimo.
Já existe, atualmente, na Constituição, uma regra de gasto mínimo em saúde e educação. As regras atuais determinam que a União aplique 18% da receita de impostos em educação e 13,2% da receita corrente líquida em saúde.
O critério atual é ineficiente, pois os gastos ficam vinculados à receita, que varia conforme as oscilações da economia. Com isso, ocorre expansão dos gastos com saúde e educação de forma acelerada nos momentos de rápido crescimento da receita. Daí resultam gastos mal planejados, apenas com a finalidade de cumprir a regra do gasto mínimo.
Quando surge uma recessão, a receita cai e não há recursos para fazer a manutenção e o custeio das novas instalações.
A PEC 241 propõe que a despesa mínima com saúde e educação passe a ser corrigida, a cada ano, pela variação da inflação. Isso acaba com o sobe e desce da despesa mínima, atualmente provocado por oscilações da receita, dando ao gestor maior clareza sobre os recursos a sua disposição nos próximos anos. Além disso, protege a saúde e a educação dos períodos de recessão, como os atuais. Se a nova regra estivesse valendo desde 2013, o gasto mínimo em saúde estaria R$ 10 bilhões acima do valor atual, e o da educação estaria R$ 4 bilhões mais alto.
A aprovação dessa PEC significa uma gestão mais eficiente do dinheiro público e a garantia das políticas de Estado. É uma proteção a mais para os direitos dos cidadãos e uma ferramenta para devolver ao País a capacidade de crescimento, com baixa inflação.
Fonte: Portal Brasil

Hora de usar a cabeça - FERNANDO GABEIRA


O Globo - 16/10

Ao som do tiroteio no morro Pavão-Pavãozinho, reflito sobre o momento político cujo ponto alto na semana foi a votação da PEC que estabelece um teto para os gastos do estado. Sempre houve tiroteio por aqui. Na primeira viagem que fiz ao Haiti ouvi tiros à noite. Pensei: estão fazendo tudo para me sentir em casa. E dormi em paz. Mas o tiroteio dessa semana parece marcar o fim de uma época e o começo de tempos bem mais difíceis. A ruína do projeto do PMDB no Rio acabou levando consigo algo que o sustentava, eleitoralmente: a política de segurança.

Tempos difíceis pela frente. A decisão de criar um teto para os gastos é correta. No entanto, há argumentos da oposição que merecem um exame. Acompanhei os debates e concordo com a tese de que a demanda com saúde e educação deve aumentar nos próximos anos. Como encará-las com recursos decrescentes?

Alguns setores da esquerda propõem questionar a dívida pública. Acredito que isso apenas vai nos levar a uma crise maior. Todos os caminhos da esquerda radical nos farão cruzar a fronteira com a Venezuela e nos fundir com o fracasso bolivariano.

O acerto de determinar um teto pode ser problemático adiante, se o governo se contentar com isso. Não me refiro apenas à reforma da previdência como um rumo de continuidade. Não teremos recursos para atender às demandas. O que fazer? O governo afirma que o dinheiro virá com o crescimento econômico, mais investimento, empregos e, consequentemente, mais arrecadação. Isso leva algum tempo. No meu entender, em vez de simplesmente sentir-se vitorioso com a votação do teto, o governo deveria preparar um choque de gestão. É a única maneira de fazer com que a escassez não torne mais difícil a vida das pessoas vulneráveis.

Por onde começar? Nem todo o aparato do governo é irremediavelmente incompetente. Existem algumas ilhas de excelência que deveriam ser estudadas, não para que sejam universalizadas artificialmente, mas como fonte de inspiração. Eu faria algumas perguntas simples. Por que a rede Sarah de hospitais funciona? O que é possível aprender com ela e aplicar em outros setores da saúde? Por que funciona a distribuição de água durante a longa seca no Nordeste, organizada pelo Exército Brasileiro? O que é possível aprender da experiência?

O choque da gestão é tão ou mais importante do que acabar com a roubalheira. O cenário que o governo nos apresenta deve ser avaliado com calma para que não surjam falsas expectativas. O governo quer fazer crescer a economia para voltar a gastar. E possivelmente a roubar, porque uma grande parte dele esteve associada ao PT no assalto aos cofres públicos. Portanto a questão é essa: como voltar a crescer de forma sustentável, em termos econômicos, e, ao mesmo tempo, evitar a roubalheira?

A corrupção está sendo combatida pela Lava-Jato e outras operações. As medidas para combatê-las, com o aval de mais de dois milhões de eleitores, estão na mesa dos parlamentares para serem transformadas em lei. Mas o problema da eficácia passa ao largo das considerações políticas. O próprio Congresso é um exemplo de desperdício. Inúmeras vezes defendi a tese de que a redução de mais da metade dos gastos não influenciaria o resultado do trabalho. Sei que pode parecer mesquinho o que vou dizer. Mas o próprio processo de articulação política para reduzir os gastos foi dispendioso. O presidente ofereceu almoço e jantar para quase 300 parlamentares. Ninguém pensou em pagar a própria comida porque, afinal, estavam todos salvando a pátria. É esse raciocínio que dificulta a reforma. O trabalho de todos é importante, poucos se dispõem a buscar uma racionalidade que os tire da zona de conforto.

Os brasileiros, sobretudo os mais pobres, serão de alguma forma tocados pelas medidas de austeridade. Não creio que apenas o crescimento econômico resolverá, magicamente, os problemas acumulados. Será preciso domar o monstro irracional que se tornou o estado brasileiro. Há quem ache que defender os mais vulneráveis se resume a pedir mais dinheiro. De um modo geral, são as pessoas cujos salários e benefícios dependem de mais verba. O desafio agora é gastar bem, fazer com que cada centavo tenha o maior efeito benéfico na vida das pessoas.

A esquerda que caiu não está preparada para essa nova fase. Ela não só acha que os salvadores da pátria merecem comida grátis. Ela acha que os defensores dos pobres podem encher a cueca de dólares. Muito se fala do buraco em que a esquerda se meteu. Acabaram os partidos? Não importa. As ideias de que as pessoas mais vulneráveis têm de ser consideradas não desaparecem. Acabam ressurgindo no próprio bloco dominante.

Não foi apenas a corrupção que nos levou ao fundo do poço. Foram também o populismo de esquerda e a formidável incompetência brasileira. Suas características mais patéticas se expressam na engrenagem do estado. Não sei até que ponto o próprio mundo das empresas foi contaminado e isso virou um traço nacional.

A racionalidade não se obtém em jantares e almoços no palácio. Tem de ser um pão nosso de cada dia.