domingo, 16 de outubro de 2016

Banco Central deve dar pouco remédio para os juros da depressão - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 16/10

A economia brasileira precisa desesperadamente de taxas de juros menores. Bidu. Óbvio. Na quarta-feira, o Banco Central deve dar uma lixada mínima nos juros. Não deve nem cortar a unha.

O corte seria pouco, de qualquer modo. Problema é que ainda não estão à vista sinais de outros estímulos relevantes para a reativação econômica, afora os derivados da recuperação da confiança de consumidores e empresários.

Os rendimentos do trabalho continuarão em queda, talvez até meados de 2017. Ainda não há perspectiva de aumento do crédito bancário no ano que vem. A enorme capacidade ociosa das empresas causa repulsa a investimento novo. O estímulo das exportações é pequeno e, parece, cadente.

O investimento público não vai crescer daqui até o fim de 2017, na melhor das hipóteses (aliás, nem depois, dado o "teto" de gastos federais). O investimento privado em infraestrutura concedida pelo governo é por enquanto apenas um tigre de papel, talvez uma capivara de papelão, planos na prancheta. Com sorte, veremos algumas dessas obras no fim do ano que vem, caso se resolvam os problemas muito sérios de financiamento desses projetos.

Não se trata de arenga, ademais óbvia, para demandar tal ou qual redução da taxa de juros. Mas de lembrar que, embora a recessão provavelmente termine neste fim de ano, o crescimento de 2017 é ainda muito incerto. De lembrar que a economia do ano que vem depende muito do Imponderável de Almeida, do aumento do ânimo empresarial de investir. Uma retomada forte em 2018 depende de uma campanha agressiva de redução de juros, a partir de quase já.

Quanto às circunstâncias atuais, a atividade econômica tem causado surpresas negativas e as expectativas de inflação são cadentes.

Porém, dados os indícios dos discursos do Banco Central, os economistas dos donos e operadores do dinheiro grande preveem queda lenta e gradual da taxa básica de juros (Selic), ora em 14,25% ao ano.

Na quarta-feira, na mediana das previsões o Banco Central baixaria a Selic para 14% ao ano, redução mínima, pequena mesmo pelos padrões habituais de política monetária. Há divergências até sobre esse corte de pontas de cabelo.

Economistas do Safra, por exemplo acreditam em corte de meio ponto percentual, para 13,75% -mas, também, estão entre os mais pessimistas a respeito da recuperação em 2017. Os do Itaú, em corte de 0,25 ponto. Os do Credit Suisse acham que a Selic deveria ficar onde está.

Na praça do mercado, onde se negocia dinheiro mesmo, trabalha-se com algo como um corte de 0,25 ponto agora, mais 0,50 ponto na reunião do BC de 30 de novembro, última deste ano. Enfim, a taxa de juros real na praça (para um ano) caiu meio ponto desde a última reunião do Copom do BC, em 31 de agosto.

Um corte de meio ponto percentual, pois, não causaria assim um rebuliço na praça. No entanto, depois de tantos anos de tolerância inflacionária, o BC, sob nova administração, deve apenas anunciar o início modestíssimo da temporada de baixa de juros.

O que será então feito a fim de dar um alento extra à economia? Não convém dar de barato a paciência de um povo sujeito a mais de três anos de recessão.

A crise fiscal e o colapso das políticas públicas estaduais - MARCOS LISBOA


FOLHA DE SP - 16/10

A política pública caminha para o colapso na maioria dos governos estaduais.

Muitos Estados têm reduzido a compra de bens e serviços essenciais pela dificuldade em pagar regulamente os fornecedores, seis já não conseguem pagar em dia a folha de pagamento e a Previdência dos servidores, e dois estão inadimplentes com os pagamentos das suas dívidas.

Essas dificuldades irão se agravar na ausência de reformas profundas.

Os gastos com pessoal, ativos e inativos, aumentam bem mais do que a arrecadação e consomem quase todos os recursos disponíveis em um número crescente de casos.

Desde 2009, assistiu-se ao aumento expressivo dos gastos com servidores. No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, esses aumentos foram, em média, acima de 16% ao ano durante vários anos.

As regras da Previdência pública resultam em gastos crescentes incompatíveis com as receitas estaduais.

Como as decisões judiciais têm priorizado o pagamento da folha, diversas políticas têm tido cortes severos.

Não haverá recursos suficientes para a manutenção de hospitais e estradas, ou a compra de medicamentos ou os meios para segurança pública.

Será crescente a dificuldade para o pagamento de salários e aposentadorias.

Essa crise não surpreende. Os problemas dos Estados são conhecidos há anos.

Em vez de enfrentá-los, porém, optou-se por medidas oportunistas, como financiar os gastos correntes com receitas extraordinárias, como o aumento do endividamento com aval do Tesouro, a equivocada renegociação das dívidas estaduais, ou, ainda, a utilização dos depósitos judiciais.

Os limites para gasto com pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal foram atendidos por meio de inúmeros critérios criativos, como a exclusão dos auxílios e dos gastos com terceiros.

A anuência silenciosa dos órgãos de controle com as medidas oportunistas adotadas pelos Estados, que apenas adiaram e agravaram os problemas, colaborou com a degradação fiscal.

O populismo, cuja mais recente pérola foi a proposta de que o país subsidie as tarifas de ônibus de São Paulo, soma-se ao corporativismo dos servidores públicos.

Governadores fracos não enfrentaram o debate sobre a insustentabilidade do regime de Previdência, nem a necessidade de meritocracia e de gestão eficiente na política pública.

A saída fácil das vinculações das despesas, sem instrumentos de gestão, resultou no paradoxo de gastos crescentes em áreas essenciais, como saúde e educação, e resultados medíocres para a população.

A combinação de populismo com corporativismo está levando ao colapso da política pública.


A Era Vargas e a PEC dos gastos - SUELY CALDAS




ESTADÃO - 16/10

Período da história econômica ficou conhecido pelo excessivo intervencionismo de um Estado provedor e presente – sobretudo com dinheiro público – em todos os setores e classes sociais organizadas

As reações disparatadas à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do teto de gastos vindas de setores influentes, alguns com viés fortemente corporativos, mostram o quanto o Estado continua provedor da sociedade organizada, 62 anos depois da morte do ex-presidente Getúlio Vargas, que personificou a chamada Era Vargas. Este período da história econômica ficou conhecido pelo excessivo intervencionismo de um Estado provedor e presente – sobretudo com dinheiro público – em todos os setores e classes sociais organizadas, dos empresários aos sindicatos de trabalhadores. Num Brasil economicamente atrasado, a Era Vargas era justificável na época. Agora não mais.

Em seu discurso de posse como presidente, em 1995, Fernando Henrique Cardoso assumiu o compromisso de acabar com a Era Vargas. As privatizações até ajudaram, mas múltiplos privilégios persistiram. Há muitos exemplos, mas fiquemos só em dois: 1) isenções, favores fiscais e creditícios às empresas vão custar este ano R$ 385 bilhões aos brasileiros, mais que o dobro do déficit primário de R$ 170 bilhões e quase 14 vezes o orçamento do Bolsa Família; 2) toda a estrutura da organização sindical do País, de empresários e de trabalhadores, desde os anos 40 até hoje, é sustentada com dinheiro de impostos pagos pela população.

Agora que a PEC adota uma regra geral para todas as despesas públicas, sem salvaguardar privilégios, os setores organizados reagem. E não foram só os procuradores da Justiça – estes exageraram ao dizer ser a PEC inconstitucional. Outros que não se põem de pé sem dinheiro público protestam e fazem as contas de quanto vão perder com a PEC. Curioso é que nenhum destes grupos corporativos defendeu a preservação de verbas para programas sociais focados nos mais pobres, como o Bolsa Família. Essa parcela da população não é organizada, é dispersa e não tem canais para esbravejar. Mas é a que mais precisa de políticas públicas.

Fato concreto é que a nova regra para reajustar despesas públicas foi, segundo o Ministério da Fazenda, a opção menos dolorosa para enfrentar o problema. Foi também a mais realista, já que parte do patamar alto de um déficit de R$ 170 bilhões (a saúde vai ganhar receita a mais na partida), e certamente prudente ao prolongar a vigência por 20 anos, visto nosso péssimo histórico de gastança quando dinheiro público está no jogo. Saúde e educação devem, sim, ser preservadas, mas com gestão que persiga também a qualidade do gasto para evitar os desperdícios de sempre. Universidades públicas e instituições de pesquisa podem muito bem aplicar ensino e conhecimento acumulados na prestação de serviços a empresas e organismos privados para complementar seu orçamento.

Após passar pela Câmara em primeira votação, surgiram debates sobre o tema, entre eles o que questiona o prazo de 20 anos de vigência da PEC. Até o presidente Michel Temer admitiu reduzi-lo para quatro, cinco ou seis anos em cenário favorável de crescimentos da economia, da arrecadação e do superávit fiscal. Levantamento feito por três economistas da Fundação Getúlio Vargas em outros países que adotam regimes fiscais restritivos serviu para contestar argumentos de que o ministro Meirelles e sua equipe só veem a solução pelo lado da despesa, e não da receita. Mas serviu também para diferenciar a maioria dos 40 países pesquisados da PEC 241 em relação ao prazo de vigência dos limites da despesa. Citam que o caso mais próximo do Brasil foi o da Bélgica, que congelou os gastos ao longo de seis anos. O mais comum, dizem, é rever as regras a cada quatro anos (a PEC prevê rever em 10 anos). Outros economistas argumentam que a economia vai crescer, o superávit primário vai disparar e as regras não especificam onde aplicá-lo.

Ora, senhores economistas, o País é tão carente de investimento público, tem enorme dívida social, um sistema de saúde inoperante, enfim, tem tanto a fazer que, se e quando sobrar dinheiro, certamente não faltarão áreas para absorvê-lo. Mas, enquanto isso não ocorre, convém deixar as barbas de molho e manter o prazo de 20 anos.

É JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR