ESTADÃO - 16/10
Período da história econômica ficou conhecido pelo excessivo intervencionismo de um Estado provedor e presente – sobretudo com dinheiro público – em todos os setores e classes sociais organizadas
As reações disparatadas à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do teto de gastos vindas de setores influentes, alguns com viés fortemente corporativos, mostram o quanto o Estado continua provedor da sociedade organizada, 62 anos depois da morte do ex-presidente Getúlio Vargas, que personificou a chamada Era Vargas. Este período da história econômica ficou conhecido pelo excessivo intervencionismo de um Estado provedor e presente – sobretudo com dinheiro público – em todos os setores e classes sociais organizadas, dos empresários aos sindicatos de trabalhadores. Num Brasil economicamente atrasado, a Era Vargas era justificável na época. Agora não mais.
Em seu discurso de posse como presidente, em 1995, Fernando Henrique Cardoso assumiu o compromisso de acabar com a Era Vargas. As privatizações até ajudaram, mas múltiplos privilégios persistiram. Há muitos exemplos, mas fiquemos só em dois: 1) isenções, favores fiscais e creditícios às empresas vão custar este ano R$ 385 bilhões aos brasileiros, mais que o dobro do déficit primário de R$ 170 bilhões e quase 14 vezes o orçamento do Bolsa Família; 2) toda a estrutura da organização sindical do País, de empresários e de trabalhadores, desde os anos 40 até hoje, é sustentada com dinheiro de impostos pagos pela população.
Agora que a PEC adota uma regra geral para todas as despesas públicas, sem salvaguardar privilégios, os setores organizados reagem. E não foram só os procuradores da Justiça – estes exageraram ao dizer ser a PEC inconstitucional. Outros que não se põem de pé sem dinheiro público protestam e fazem as contas de quanto vão perder com a PEC. Curioso é que nenhum destes grupos corporativos defendeu a preservação de verbas para programas sociais focados nos mais pobres, como o Bolsa Família. Essa parcela da população não é organizada, é dispersa e não tem canais para esbravejar. Mas é a que mais precisa de políticas públicas.
Fato concreto é que a nova regra para reajustar despesas públicas foi, segundo o Ministério da Fazenda, a opção menos dolorosa para enfrentar o problema. Foi também a mais realista, já que parte do patamar alto de um déficit de R$ 170 bilhões (a saúde vai ganhar receita a mais na partida), e certamente prudente ao prolongar a vigência por 20 anos, visto nosso péssimo histórico de gastança quando dinheiro público está no jogo. Saúde e educação devem, sim, ser preservadas, mas com gestão que persiga também a qualidade do gasto para evitar os desperdícios de sempre. Universidades públicas e instituições de pesquisa podem muito bem aplicar ensino e conhecimento acumulados na prestação de serviços a empresas e organismos privados para complementar seu orçamento.
Após passar pela Câmara em primeira votação, surgiram debates sobre o tema, entre eles o que questiona o prazo de 20 anos de vigência da PEC. Até o presidente Michel Temer admitiu reduzi-lo para quatro, cinco ou seis anos em cenário favorável de crescimentos da economia, da arrecadação e do superávit fiscal. Levantamento feito por três economistas da Fundação Getúlio Vargas em outros países que adotam regimes fiscais restritivos serviu para contestar argumentos de que o ministro Meirelles e sua equipe só veem a solução pelo lado da despesa, e não da receita. Mas serviu também para diferenciar a maioria dos 40 países pesquisados da PEC 241 em relação ao prazo de vigência dos limites da despesa. Citam que o caso mais próximo do Brasil foi o da Bélgica, que congelou os gastos ao longo de seis anos. O mais comum, dizem, é rever as regras a cada quatro anos (a PEC prevê rever em 10 anos). Outros economistas argumentam que a economia vai crescer, o superávit primário vai disparar e as regras não especificam onde aplicá-lo.
Ora, senhores economistas, o País é tão carente de investimento público, tem enorme dívida social, um sistema de saúde inoperante, enfim, tem tanto a fazer que, se e quando sobrar dinheiro, certamente não faltarão áreas para absorvê-lo. Mas, enquanto isso não ocorre, convém deixar as barbas de molho e manter o prazo de 20 anos.
É JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR
Período da história econômica ficou conhecido pelo excessivo intervencionismo de um Estado provedor e presente – sobretudo com dinheiro público – em todos os setores e classes sociais organizadas
As reações disparatadas à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do teto de gastos vindas de setores influentes, alguns com viés fortemente corporativos, mostram o quanto o Estado continua provedor da sociedade organizada, 62 anos depois da morte do ex-presidente Getúlio Vargas, que personificou a chamada Era Vargas. Este período da história econômica ficou conhecido pelo excessivo intervencionismo de um Estado provedor e presente – sobretudo com dinheiro público – em todos os setores e classes sociais organizadas, dos empresários aos sindicatos de trabalhadores. Num Brasil economicamente atrasado, a Era Vargas era justificável na época. Agora não mais.
Em seu discurso de posse como presidente, em 1995, Fernando Henrique Cardoso assumiu o compromisso de acabar com a Era Vargas. As privatizações até ajudaram, mas múltiplos privilégios persistiram. Há muitos exemplos, mas fiquemos só em dois: 1) isenções, favores fiscais e creditícios às empresas vão custar este ano R$ 385 bilhões aos brasileiros, mais que o dobro do déficit primário de R$ 170 bilhões e quase 14 vezes o orçamento do Bolsa Família; 2) toda a estrutura da organização sindical do País, de empresários e de trabalhadores, desde os anos 40 até hoje, é sustentada com dinheiro de impostos pagos pela população.
Agora que a PEC adota uma regra geral para todas as despesas públicas, sem salvaguardar privilégios, os setores organizados reagem. E não foram só os procuradores da Justiça – estes exageraram ao dizer ser a PEC inconstitucional. Outros que não se põem de pé sem dinheiro público protestam e fazem as contas de quanto vão perder com a PEC. Curioso é que nenhum destes grupos corporativos defendeu a preservação de verbas para programas sociais focados nos mais pobres, como o Bolsa Família. Essa parcela da população não é organizada, é dispersa e não tem canais para esbravejar. Mas é a que mais precisa de políticas públicas.
Fato concreto é que a nova regra para reajustar despesas públicas foi, segundo o Ministério da Fazenda, a opção menos dolorosa para enfrentar o problema. Foi também a mais realista, já que parte do patamar alto de um déficit de R$ 170 bilhões (a saúde vai ganhar receita a mais na partida), e certamente prudente ao prolongar a vigência por 20 anos, visto nosso péssimo histórico de gastança quando dinheiro público está no jogo. Saúde e educação devem, sim, ser preservadas, mas com gestão que persiga também a qualidade do gasto para evitar os desperdícios de sempre. Universidades públicas e instituições de pesquisa podem muito bem aplicar ensino e conhecimento acumulados na prestação de serviços a empresas e organismos privados para complementar seu orçamento.
Após passar pela Câmara em primeira votação, surgiram debates sobre o tema, entre eles o que questiona o prazo de 20 anos de vigência da PEC. Até o presidente Michel Temer admitiu reduzi-lo para quatro, cinco ou seis anos em cenário favorável de crescimentos da economia, da arrecadação e do superávit fiscal. Levantamento feito por três economistas da Fundação Getúlio Vargas em outros países que adotam regimes fiscais restritivos serviu para contestar argumentos de que o ministro Meirelles e sua equipe só veem a solução pelo lado da despesa, e não da receita. Mas serviu também para diferenciar a maioria dos 40 países pesquisados da PEC 241 em relação ao prazo de vigência dos limites da despesa. Citam que o caso mais próximo do Brasil foi o da Bélgica, que congelou os gastos ao longo de seis anos. O mais comum, dizem, é rever as regras a cada quatro anos (a PEC prevê rever em 10 anos). Outros economistas argumentam que a economia vai crescer, o superávit primário vai disparar e as regras não especificam onde aplicá-lo.
Ora, senhores economistas, o País é tão carente de investimento público, tem enorme dívida social, um sistema de saúde inoperante, enfim, tem tanto a fazer que, se e quando sobrar dinheiro, certamente não faltarão áreas para absorvê-lo. Mas, enquanto isso não ocorre, convém deixar as barbas de molho e manter o prazo de 20 anos.
É JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR
Nenhum comentário:
Postar um comentário