quarta-feira, 6 de julho de 2016

Qual o melhor tipo de ônibus para reduzir a poluição das cidades? 01/07/2016 09:22 - Blog Ponto de Ônibus

ANTP e Volvo lançam simulador de emissões de frotas de ônibus urbanos 
Para ler o estudo completo da ANTP basta clicar aqui
Para ir direto à página do Simulador, com todos os dados e informações gerais sobre o projeto, clique aqui
ADAMO BAZANI
É praticamente consenso, com base em estudos nacionais e internacionais e nas experiências do dia-a-dia das cidades, que não dá mais para depender de uma única matriz energética para os transportes coletivos por ônibus, tanto por motivos de saúde pública, necessidade de restrição de emissões de poluentes e também por questões econômicas.
A poluição mata em média quatro mil pessoas na cidade de São Paulo e 17 mil em todo o Estado, segundo estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, assinado pelo médico Paulo Nascimento Saldiva, membro do Comitê de Qualidade do Ar da Organização Mundial de Saúde e pesquisador do Departamento de Saúde Ambiental da Universidade de Harvard; pela médica, especialista em Patologia Clínica e Microbiologia, Evangelina de Araujo Vormittag, e outros especialistas.
Mas que tipo de ônibus escolher para compor as frotas das cidades? Será que são necessárias mudanças radicais? Qual o ritmo mais adequado para estas mudanças? Quais são as alternativas disponíveis no mercado e os seus resultados operacionais, de emissões e de viabilidade econômica?
São dúvidas muito comuns da população geral, de especialistas, de gestores públicos e de donos de empresas de ônibus que, se por um lado são, em geral, conservadores, por outro são pragmáticos e até investem em novas tecnologias se tiverem financiamentos e garantia do lucro necessário para manterem seus negócios em funcionamento.
Para tentar ajudar a responder estas questões, a ANTP – Associação Nacional dos Transportes Públicos com o apoio da Volvo criou o Simulador de Emissões de Ônibus Urbanos.
“O estudo de alternativas tecnológicas e energéticas mais limpas para ônibus urbanos visa a oferecer subsídios técnicos iniciais para um melhor entendimento dos cenários possíveis de atendimento das atuais demandas (internacionais, nacionais, regionais e locais) por políticas de redução das emissões de gases do efeito estufa e da poluição atmosférica urbana no setor de transportes públicos, em especial, o setor de ônibus.
A compreensão dos diferentes parâmetros ambientais é essencial para orientar as decisões de adoção de políticas públicas ditas “sustentáveis”, bem como na escolha entre diferentes tipos de energia motriz disponíveis nos mercados locais.” – diz a ANTP em nota
Assim, são usados diferentes cenários com base no tamanho das cidades e usando como parâmetros as emissões de diversos tipos de poluentes, em especial de dióxido de carbono, óxido de nitrogênio e materiais particulados, todos presentes na queima do óleo diesel, mesmo nas composições mais limpas deste tipo de combustível.
NÃO DÁ PARA CONTINUAR SÓ COM O DIESEL:
 Tem se tornado impossível imaginar um cenário promissor apenas com óleo diesel movendo os ônibus urbanos, principalmente em centros como a capital de São Paulo, ABC Paulista região de Osasco e região Guarulhos, por exemplo.
Com base em dados da CETESB, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, a ANTP Associação Nacional dos Transportes Públicos, ao elaborar o “Simulador de Emissões de Ônibus Urbanos” mostra que para a realidade da região metropolitana de São Paulo, o diesel representa ainda grande parcela das emissões de óxido de nitrogênio e de materiais particulados contando o MP 10 e o MP 2,5 advindo do aerossol secundário.
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“As finas partículas poluentes de MP (Materiais Particulados) da atmosfera carregam componentes perigosos e merecem atenção especial. Enquanto os veículos como um todo são responsáveis por cerca de quarenta por cento do total de MP10, as emissões desses veículos são responsáveis por quase todas as partículas mais finas (PM2.5 – com diâmetro de até 2,5 micron) emitidas diretamente pelo tubo de escapamento, que são as mais prejudiciais à saúde, pois são pequenas o suficiente para penetrar profundamente nas regiões mais profundas dos pulmões – os alvéolos – e de lá não saem jamais. Os veículos também são responsáveis indiretos pela formação de grande parcela dos aerossóis secundários (51%), criados a partir das emissões de SO2 e NOx e diretamente responsáveis por boa parte das partículas totais em suspensão, que retornam à atmosfera depois de se precipitarem no solo devido à movimentação dos veículos. Veículos a diesel (caminhões, ônibus, pick-ups e vans) são a fonte dominante de MP e NOx e constam como fonte significativa de SO2. Os efeitos dessas emissões são ainda mais prejudiciais, quando são liberadas em áreas densamente povoadas. Em suma, MP e os precursores de O3 são as principais ameaças à saúde pública nas grandes regiões metropolitanas. As maiores fontes desses poluentes são os veículos a diesel – para NOx e PM – e os automóveis de passageiros e motociclos – para os HC.”
MIX DE ALTERNATIVAS:
O estudo mostra ainda que não podem ser realizadas mudanças radicais e que não se deve eliminar totalmente a frota de ônibus diesel, mas este tipo de veículo com o tempo deve perder sua predominância.
Também não dá pra pensar apenas em só ônibus elétricos, só trólebus, só ônibus, só a gás natural ou só o ônibus a etanol. Isso também seria impossível.
O ideal é mesclar as tecnologias no mesmo sistema de transportes urbanos ou metropolitanos sobre pneus, aponta o levantamento
O estudo lançado, neste mês de junho, compara algumas soluções tecnológicas alternativas ao uso apenas de óleo diesel nos ônibus, com base em simulações exemplos internacionais e práticos. Confira um resumo
Trólebus
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O sistema trólebus de São Paulo foi inaugurado em 1949 e depois de mais de 65 anos em operação, conta com uma retaguarda técnico-operacional na cidade. Atualmente, com cerca de 200 veículos, é operado pela Ambiental Transportes Urbanos S.A (Consórcio Leste 4). Os modelos mais novos, de 12 m, 15 m e articulados de 18 m, têm piso baixo, corredores amplos, favorecendo ainda mais os usuários que aprovam em sua maioria o sistema, pelo seu conforto, suavidade no deslocamento e baixíssimo nível de ruído interno e externo, de até 16 dB(A) inferior ao ruído típico de um ônibus a diesel, observado a uma distância de cerca de 7,5 m.
Os trólebus se caracterizam pelo alto rendimento médio, de cerca de 80%, enquanto os veículos a diesel, que operam na cidade grande parte do tempo em cargas parciais, no anda-pára, têm rendimento médio de cerca de 20% – afastado do regime de eficiência máxima. Uma novidade recente do trólebus de São Paulo é o uso da tração de corrente alternada, com economia de energia de cerca de 20% (2kWh/km) e desempenho ainda melhor que os tradicionais que operam com corrente contínua; uma de suas desvantagens foi minimizada com o desenvolvimento da chamada marcha autônoma, que continua funcionando com autonomia de 5 a 7km em sistema híbrido ou com um segundo motor a diesel, quando cai a energia da rede. A nova fiação foi melhorada com um sistema flexível, que minimiza ou até mesmo impede a queda da alavanca de contato à rede elétrica aérea. O visual da fiação pode melhorar com a instalação de postes arquitetônicos. Embora os trólebus sejam cerca de duas vezes mais caros que os ônibus a diesel e o custo da rede aérea seja da ordem de US$1,1 milhão/km, alguns especialistas defendem que, considerado o ciclo de vida, os trólebus apresentam custos equivalentes ou até inferiores aos concorrentes a diesel, dada sua economia no custo da energia – mesmo com a tarifa da ordem de até 54% mais cara, devido ao distorcido aumento horosazonal da energia elétrica no Brasil. Somam a isso, a vida útil mais longa do material rodante, de até 20 anos, e os custos de manutenção mais baixos que toda a concorrência. A emissão de poluentes atmosféricos tóxicos dos trólebus é nula, o que torna esse tipo de veículo um forte candidato a ocupar os corredores centrais de alta capacidade de transporte e alta exposição humana. Suas emissões de gases do efeito estufa dependem de qual é a fonte da energia elétrica da rede. No Brasil, com a 35 predominância da geração hidrelétrica, em tempos de estiagem e com a entrada em operação das usinas térmicas a gás natural, a participação fóssil no total de energia disponibilizada na rede é na pior das hipóteses de 30%. Sem levar em consideração as emissões do ciclo de vida, contabilizando apenas a emissão nula de CO2 no uso final da energia de tração, os 200 trólebus em circulação em São Paulo evitam a emissão de 24.667 ton/ano de CO2. Isso representa muito pouco em termos nacionais (1,6 bilhões de ton CO2 eq) e globais (35 bilhões de ton CO2 eq), entretanto, é um indicativo da viabilidade técnica da utilização desta alternativa de transporte como uma das diversas formas de mitigação das emissões globais de GEE no setor de transportes.
Ônibus Elétricos a Bateria:
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Síntese dos aspectos relevantes do ônibus elétrico a bateria
– Os testes com ônibus elétricos a bateria realizados no Rio de Janeiro mostraram redução de 78% no custo com combustível na comparação com ônibus convencionais movidos a diesel. A URBS constatou em testes em Curitiba um custo operacional 58% menor em comparação a um veículo similar a diesel.
– O veículo 100% elétrico não polui com gases tóxicos e os formadores do efeito estufa (se considerada somente a emissão de CO2 no uso final) e é extremamente silencioso;
– A bateria é de fosfato de ferro, uma mudança de paradigma no setor, pois não pega fogo e é reciclável, dura trinta anos e o descarte não será problema para as empresas, sendo de responsabilidade do fabricante;
– A autonomia atualmente pode atingir cerca de 300 km para carga média e 280 kms para carga cheia, segundo testes realizados em São Paulo;
– A SPTrans não apresentou dados de custo da tecnologia de ônibus elétrico a bateria, entretanto, o estudo da C40/ISSRC indica que os ônibus elétricos, quando comparados aos veículos a diesel de última geração em um período de 10 anos, apresentam custo operacional equivalente ao diesel. Entretanto, há requisitos de idade média da frota de no máximo cinco anos nos contratos de permissão de serviço, que podem representar um impedimento para sua viabilização em São Paulo, caso não sejam alterados;
– Os ônibus elétricos já são uma realidade em grandes cidades da Ásia, Europa, Estados Unidos, Japão, Colômbia e México. Diversas grandes cidades chinesas operam com milhares de ônibus elétricos.
Ônibus Híbridos:
Passageiros aprovam novos ônibus híbridos nas linhas convencionais. Curitiba, 19/10/2012 Foto: Luiz Costa/SMCS
Ônibus híbridos  em linhas de Curitiba -Foto: Luiz Costa/SMCS
Síntese dos aspectos relevantes dos ônibus híbridos
– Os ônibus híbridos apresentam maior complexidade mecânica que os convencionais a diesel e os custos de aquisição do veículo e manutenção são mais altos; entretanto, isso pode ser compensado ao longo da vida útil pela grande economia de combustível (para os híbridos paralelos, até 35%, a depender do ciclo de utilização) comparativamente aos veículos convencionais a diesel;
– Os resultados em economia dos ônibus híbridos paralelos testados no Brasil pela Volvo (em operação em Curitiba) resultaram numa redução de 80%- de NOx, 90% de MP e no consumo e emissões de CO2, de cerca de 35% em relação a um ônibus urbano convencional a diesel. Esses dados referem-se ao motor de tecnologia EURO 3.
– O veículo híbrido paralelo emite 50% menos material particulado e NOx, em relação aos veículos com tecnologia Euro 5;
– O tempo que o veículo híbrido fica parado em terminais, paradas e congestionamentos pode representar até 50% do período total de operação do ônibus. Como o motor a diesel fica desligado, durante todo esse tempo, não há emissões de poluentes. Outra vantagem do veículo híbrido paralelo é não emitir ruído em cerca de 30% a 40% do tempo de operação (movimento);
– O veículo híbrido desenvolvido pela Volvo para Curitiba tem tecnologia plug-in, que permite recargas rápidas (cargas de oportunidade) da bateria nos pontos de embarque e desembarque de passageiros. O ônibus opera 70% no modo elétrico e 30% no modo híbrido. O plug-in apresenta redução no consumo de combustível e de emissões de CO2 em até 75% em relação ao ônibus convencional movido a diesel; 27
– O modelo articulado híbrido pode ser desenvolvido para atender a necessidade de transporte de alta capacidade para circular nos corredores BRT (Bus Rapid Transit);
– A operadora de ônibus urbanos de Bogotá, Colômbia adquiriu recentemente 350 ônibus híbridos paralelos fabricados pela Volvo do Brasil para o Sistema TransMilenio, já em operação. No pacote adquirido está incluído um custo fixo equivalente por quilômetro rodado; além do chassi, inclui a manutenção plena do veículo, desde a troca de óleo até reparos, e ainda disponibiliza mecânicos, equipamentos e ferramentas para trabalhar na garagem do cliente. A frota híbrida de Bogotá passou a ser a segunda maior do mundo, ultrapassada apenas pelo Reino Unido com 700 unidades;
– Os estudos do C40 Cities realizados em São Paulo, Rio de Janeiro e Bogotá, indicam que embora o ônibus híbrido tenha maior valor de investimento inicial, ao longo de 12 anos os ônibus híbridos tem custo e retorno equivalentes ao ônibus diesel no mesmo tipo de operação.
Tecnologias de ônibus híbridos:
As principais configurações são “em série”, “paralela”, split e plug-in.
Série: Na configuração série, a tração nas rodas vem de um ou mais motores elétricos acoplados diretamente às rodas, alimentados por baterias ou por um gerador acionado por um motor de combustão. Nesse caso, não há conexão entre o motor de combustão e as rodas.
Paralela: Na configuração paralela, o motor de combustão se conecta às rodas, permitindo a transferência de energia mecânica tanto do motor de combustão quanto do(s) motor(es) elétrico(s) para as rodas. Um sistema eletrônico inteligente dosa os torques de cada motor em cada condição de operação. O motor elétrico é também usado como gerador. As baterias são carregadas pelo motor de combustão e também pela energia proveniente da frenagem regenerativa. A energia recuperada pela frenagem é usada em parte para alimentar componentes auxiliares como o compressor de ar, o controle de climatização e os servo-auxiliares da direção. Tudo com mais eficiência do que os sistemas de alimentação convencionais. Normalmente, as baterias de células de íons de lítio ou de NiMH operam bem com picos de potência, significando menor peso e tamanho do pacote de baterias
Split: Na configuração split, cada um dos eixos do veículo é alimentado por um propulsor diferente. Há ainda uma classe de veículos híbridos, de alta energia, que tem um sistema de baterias de alta capacidade que pode movimentar o veículo por grandes distâncias somente com os motores elétricos.
Plug-In: As configurações plug-in permitem carregar as baterias em uma tomada de carga rápida (“cargas de oportunidade” de alguns minutos) nos terminais e paradas mais prolongadas. Os híbridos plug-in podem operar com quantidades significativamente menores de combustíveis líquidos- fósseis ou renováveis.
BIODIESEL:
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Síntese dos aspectos relevantes do uso do B20
– Em outros países, é observada a tendência de uso de misturas de até 20% de biodiesel (B20), para motores até classe Euro 5 ou Proconve P7. Entretanto, o uso de misturas com teores superiores a 20% pode ser viabilizado com devida cautela, implicando a necessidade de adoção de procedimentos especiais de manutenção e possíveis restrições de garantia, conforme informado pela Volvo do Brasil, que tem veículos no País rodando com B30 e B100 em Curitiba. Por outro lado, para os motores mais avançados com tecnologia Euro 6 (próxima fase do Proconve P8), alguns fabricantes declaram autorizar atualmente na Europa o uso de misturas somente até a proporção de 7% (B7). Reconhece-se entretanto, que esse tópico específico carece de maior investigação;
– Os ganhos da mistura B20 em relação às reduções das emissões tóxicas de CO, HC, NOx e MP não são muito expressivos, sendo que no caso do NOx, poluente crítico nos centros urbanos, podem ser observados algum aumento das emissões. A SPTrans declarou aumento de 8% nas emissões de NOx nos veículos testados no Município de São Paulo no Programa Ecofrota com a mistura B20;
– Similarmente ao etanol combustível, dependendo de sua origem, o Biodiesel apresenta quantidades variáveis de emissões de CO2 fóssil produzidas no ciclo de vida. A análise do ciclo de vida (ACV) do biodiesel pode ou não ser considerada numa política de redução das emissões de GEE. No caso da soja, por exemplo, que é responsável pela produção de cerca de 71% do biodiesel brasileiro, observa-se uma grande quantidade de emissões de CO2 de origem fóssil (pode chegar a dezenas de pontos percentuais dependendo do critério da estimativa – que não é objeto deste estudo). Portanto, utilizar biodiesel, etanol ou qualquer outro tipo de biocombustível numa política de mitigação de emissões de GEE, não necessariamente significa que as emissões fósseis sejam nulas; muitas vezes são de fato abundantes, mas ocultadas por detrás da expressão “combustível renovável”;
– A SPTrans reportou aumento de cerca de 3,8% no consumo dos ônibus operando com B20 em São Paulo, além de problemas mecânicos ocorridos provavelmente, segundo ela, pela origem de gordura animal do biodiesel. O B20 foi descontinuado no Ecofrota por esse motivo, devido à quebra de diversos veículos; – Medidas especiais de controle e manutenção de tanques são recomendadas durante o transporte, recebimento e armazenamento do biodiesel; – Para veículos de classe tecnológica até P7 (Euro 5), qualquer adição de biodiesel acima de 20% está sujeita à autorização e restrições de manutenção e garantia por parte dos fabricantes.
Gás natural e biometano
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A Scania, MAN, Volvo, Mercedes-Benz e Iveco atuam no mercado de motores e veículos dedicados à queima do gás metano em motores de quatro tempos de ignição por centelha do ciclo Otto. Os motores atendem à normativa Euro 6. Alguns fabricantes também vem trabalhando no Brasil no desenvolvimento de kits Dual Fuel, que são adaptados nos motores a diesel para queimarem simultaneamente o gás junto com o óleo diesel. A Scania tem realizado uma série de experimentos recentes com sucesso em diversas cidades brasileiras com seu ônibus dedicado a gás de 15 m e motorização que atende os limites Euro 6, operando com biogás oriundo de dejetos de animais. A MAN (Grupo Volkswagen), segundo a pesquisa do IEE-USP, pode apresentar no mercado brasileiro um ônibus com tecnologia Dual Fuel. O protótipo foi desenvolvido com tecnologia nacional pela MAN Latin America juntamente com a Bosch América Latina que desenvolveu o kit e responde pelo sistema de injeção dos combustíveis no motor do veículo, permitindo que o ônibus rode com até 90% de GNV e atenda o EURO V. A Mercedes-Benz do Brasil também investe na tecnologia Dual Fuel. O motor Mercedes-Benz OM 926 LA bicombustível foi projetado para ser utilizado em transporte coletivo urbano (ônibus). Esse motor visa a atender à legislação Proconve P7 (equivalente ao Euro 5) – sendo o principal combustível o GNV, complementado pelo óleo diesel, seja o diesel de petróleo ou as misturas com diesel de cana ou biodiesel. A quantificação do volume de gás é gerenciada eletronicamente, em combinação com o controle eletrônico da relação de ar/combustível. Entretanto, por enquanto, não há notícia de que o sistema Dual Fuel tenha obtido autorização do Conama/Ibama para sua comercialização, uma vez que ultrapassa, na emissão de CH4 (não tóxico), o limite legal de HC (combustível não queimado total) estabelecido no regulamento estrito do Proconve P7. Desse modo, os desenvolvedores de kits Dual Fuel defendem, em caráter de exceção, a flexibilização do limite de THC para motores com kits Dual Fuel diesel-gás, uma vez que as emissões excedentes de CH4 não representam nenhum dano à Saúde Pública; e pela insignificância das quantidades emitidas de CH4, também não representariam risco em relação ao aquecimento do planeta – ao contrário, com a possibilidade de instalação dos kits em motores a diesel existentes, podem contribuir de modo relevante para a mitigação das emissões de particulado fino cancerígeno, e também de CO2 fóssil, quando os motores diesel são operados com o biometano renovável. Mas, mesmo se operados com GNV 23 de origem fóssil, parece que a tecnologia Dual Fuel não traria sequer uma sobrecarga mínima ao aquecimento do planeta: de acordo com informação pessoal de representante técnico da Bosch em 22 de fevereiro de 2016, recentes testes realizados em parceria com a Mercedes indicaram que o balanço do CO2 equivalente é sempre positivo no ciclo de teste em laboratório; ou seja, as baixíssimas emissões de metano, mesmo multiplicadas pelo fator 25 (fator de equivalência entre o CO2 e o CH4 no potencial de aquecimento global), são compensadas com a redução da emissão de CO2 naturalmente proporcionada pelo GNV, quando comparado ao diesel. Os entraves à utilização e/ou expansão do uso do GNV A principal barreira que os veículos dedicados a GNV e a tecnologia Dual Fuel enfrentam é a questão do número de pontos de abastecimento. Para que os veículos a GNV alcancem participações relevantes na matriz de transportes, é necessário que a infraestrutura de abastecimento seja expandida. O mesmo pode ser dito a respeito da expansão da rede de gasodutos no país e dos investimentos para prospecção e extração do gás. Os proprietários de pontos de abastecimento não se sentem estimulados a investir na distribuição de GNV a menos que a frota seja grande. Um aspecto relevante, é que a rede de distribuição no Brasil não pode ser considerada incipiente, mostra certa robustez, ao menos nas regiões sul e sudeste. A maior barreira para a expansão do uso do GNV no Brasil, portanto, ainda é a indefinição do Governo Federal sobre a prioridade do gás natural para uso em termelétricas, em detrimento do setor de transportes, o que causa instabilidade no mercado. O Brasil carece de uma política específica para o uso do gás natural, tanto no transporte quanto em outros usos finais. Isso gera um ambiente no qual a cadeia do óleo diesel (que frequentemente recebe altos subsídios) se torna, a rigor, mais competitiva e atrativa do que o GNV. Isso é agravado pela infraestrutura de distribuição limitada para o gás natural. Essa infraestrutura incipiente em diversos países emergentes, inclusive no Brasil, e aumenta os obstáculos ao uso do GNV.
Ônibus a Etanol:
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Síntese dos aspectos relevantes dos ônibus a etanol
– Os veículos a etanol são equipados com motores especiais com alta taxa de compressão e manufaturados com materiais e equipamentos compatíveis com o uso do etanol. O álcool que abastece os veículos é aditivado em 5% com uma substância à base de polietilenoglicol e isobutanol produzida originalmente na Suécia pela Sekab denominada Beraid, que viabiliza a detonação por compressão sem necessidade da centelha e também atua como anticorrosivo; – Sem considerar a adoção de equipamentos de tratamento dos gases de exaustão, como filtros e catalisadores, os ônibus a etanol apresentam níveis de emissão de poluentes convencionais muito inferiores aos dos motores a diesel, especialmente o material particulado e o CO2 de origem fóssil;
– Uso de etanol carrega as incertezas do mercado da produção e abastecimento de biocombustíveis, como a possibilidade de ocorrência de pragas, oscilações dos preços relativos do açúcar e do petróleo e aumento da atratividade técnica e econômica do biodiesel e de outras tecnologias de motorização que estão entrando no mercado – veículos elétricos a bateria, com emissão zero e manutenção muito simples, e os híbridos;
– Os motores do ciclo diesel movidos a etanol não admitem a utilização alternativa de diesel, tampouco são passíveis de uma conversão simples para operação com diesel;
– O uso de etanol de cana de açúcar ao invés do diesel contribui significativamente com a redução do efeito estufa por não emitir na fase de uso final do ciclo de vida do combustível, o dióxido de carbono (CO2) de origem fóssil;
– Quanto ao balanço energético, a relação (energia disponível no etanol)/(energia fóssil no ciclo de vida) para a cana de açúcar é de 8 a 10, segundo estudo de Macedo da Unicamp, enquanto para o milho, utilizado nos Estados Unidos para a produção de etanol, é de menos de 2;
– Os veículos a etanol têm emissão desprezível de material particulado fino;
– Os testes operacionais do ônibus a etanol realizados pelo Cenbio-USP, confirmam os números levantados mais recentemente pela SPTrans, indicando um consumo de etanol 64% maior que o consumo do ônibus a diesel. O etanol utilizado nesses motores sofre encarecimento devido ao aditivo, o que também implica maior custo operacional no quesito combustível; – O estudo de custo operacional realizado pela SPTrans indicou para os ônibus a etanol um acréscimo de cerca de 27% em relação à tecnologia convencional a diesel.
Ônibus mais modernos a diesel:
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Os avanços tecnológicos dos motores a diesel, como a injeção eletrônica de combustível sob altíssimas pressões e os turbo compressores e intercoolers, possibilitaram atingir os níveis de emissão definidos até a fase anterior à P7 do Proconve, equivalente ao Euro 3. Na fase atual P7, que corresponde à Euro 5, entretanto, para uma parcela dos modelos comercializados, houve necessidade de adoção de sistemas de pós-tratamento de emissões para redução do NOx. Para que isso fosse possível, o diesel comercial distribuído no País sofreu sensíveis melhorias em sua qualidade ambiental, com a redução dos teores de enxofre para níveis iguais ou menores a 50 ppm (S50); caso não houvesse essa melhora, os sistemas de pós- tratamento poderiam sofrer danos permanentes. A partir de 2012, em algumas áreas urbanas do território nacional, o diesel de 10 ppm (S10) começou a ser distribuído. Sem a redução do teor de enxofre até o nível S10, os avanços no controle das emissões de NOx, com a adoção do catalisador à base de uréia (SCR – Selective Catalytic Reduction), e as futuras reduções previstas das emissões de MP por meio da adoção de filtros (DPFs – Diesel Particulate Filters), conforme Euro 6 (ainda não regulamentadas no Brasil), não seriam possíveis. A outra via tecnológica para o controle do NOx adotada por alguns fabricantes em certos modelos de motores a diesel, visando ao atendimento dos níveis previstos em P7 que teve início em 2012, é o sistema EGR (Exhaust Gas Recirculation) ou sistema de recirculação dos gases de escape, que pode ou não ser associado a um DPF, capaz de promover drásticas reduções no material particulado (MP) emitido pelos veículos a diesel. O EGR reduz a formação de NOx em determinadas condições de operação do motor por meio da recirculação para dentro da câmara de combustão de uma parcela dos gases inertes (já queimados) retirados da exaustão. Isso reduz a quantidade de mistura ar-combustível e faz reduzir a pressão, a temperatura e a eficiência da combustão, no intuito de abater os picos de formação de NOx no escapamento. Tratase de uma forma eficazde reduzir a emissão de NOx, entretanto, paga-se uma penalidade com a queda da eficiência do motor, de sua potência e com o aumento do consumo de combustível. Além disso, essa estratégia faz com que os níveis de emissão de MP, em certos casos, se elevem acima do tolerado.
A outra via para redução do NOx, predominante nos motores da fase P7 do Proconve (Euro 5), principalmente para veículos rodoviários mais pesados, é o SCR, associado ao uso de uréia diluída em água na proporção de 32% – Agente Redutor Líquido Automotivo (ARLA-32). Ressalte-se, que a uréia comercializada para fins agrícolas jamais pode ser utilizada nos veículos, pois a a contaminação poderia prejudicar todo sistema de armazenamento e injeção de uréia. O SCR é adotado em projetos de motores que priorizam a calibração de modo a garantir melhor eficiência, baixo consumo de combustível e baixa emissão de MP. Essa estratégia implica sempre a alta emissão de NOx. Para então reduzir o NOx, os gases de escapamento atravessam o SCR onde a uréia é pulverizada em doses exatas na corrente de escape antes do SCR, que então permitirá que as reações químicas se processem, reduzindo o lançamento de NOx na atmosfera. A maior parcela do NOx é transformada em N2 + H2O + O2, gases inertes não poluentes.
Na opção pelo SCR o motor é originalmente desenvolvido e calibrado para trabalhar na melhor condição de eficiência (respeitado o limite legal do MP), assim, o consumo – quando comparado às típicas estratégias de uso do EGR para o combate do NOx – é em geral um pouco menor. Este é um dos motivos da opção pela adoção do SCR em muitos casos onde a intensidade de uso de um dado modelo de veículo é tipicamente alta: para comerciais leves, motores com EGR associado ao DPF; para caminhões pesados, o SCR com o uso do ARLA-32, que requer um reservatório e seu sistema próprio de injeção devidamente instalados nos veículos. A legislação brasileira segue com uma certa defasagem os padrões da União Europeia. Enquanto o Brasil entrou na fase P7 (Euro 5) em 2012, os europeus ingressaram em Euro 6 em 2013, com limites muito mais restritivos, especialmente para o material particulado. Estima-se, a partir de discussões preliminares, que no Brasil, a P8 (Euro 6) poderá ser eventualmente adotada em 2020. Os motores que operam com o ARLA-32 são monitorados pelo sistema OBD (On Board Diagnosis). O sistema identifica extrapolação de limites indicando a ausência de ARLA-32. Nesses casos, um aviso luminoso de falha é aceso no painel e o sistema reduz gradualmente a pote ncia do veículo (conforme artigo 2o da Resolução nº 403/2002 do Conama). Após o for sanado, a potência é reduzida ao mínimo, o suficiente apenas para conduzir o veículo a um posto autorizado. Com o reabastecimento com Arla-32, o veículo retorna à potência original.

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TV Brasil é para dar voz a quem não tem, diz presidente da EBC


Eduardo Anizelli - 19.fev.2016/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 19-02-2016, 12h30: MESA 8 - SAI, DILMA/FICA, DILMA - O QUE EU ACHO DO JORNALISMO DE OPINIAO: O diretor de jornalismo da Empresa Brasil de Comunicacoes (EBC), Ricardo Melo, durante debate da oitava mesa, com mediador e colunista da Folha, Bernardo Mello Franco, no Evento Folha 95 anos. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, PODER)
O diretor da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), jornalista Ricardo Melo
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O jornalista Ricardo Melo reassumiu há um mês a presidência da EBC (Empresa Brasil de Comunicação). Ele foi reconduzido por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), que suspendeu decisão do presidente interino, Michel Temer, de tirá-lo do cargo.
Melo havia sido nomeado por Dilma Rousseff dias antes de ela ser afastada da Presidência. Ele tem direito a um mandato de quatro anos.
Nesta entrevista à Folha, o jornalista comenta a baixa audiência da TV Brasil, nega que houve aparelhamento do órgão pelo PT e afirma que, como escolas ou postos de saúde, a empresa pode dar prejuízo já que existe para garantir o direito constitucional à informação pública.
Folha - Uma TV privada sobrevive com pouca audiência, desde que dê lucro. Uma TV Pública só tem sentido se chegar às pessoas. E a TV Brasil tem audiência muito baixa. Por que mantê-la?
Ricardo Melo - A Constituição prevê a comunicação privada, a estatal e a pública. A EBC (Empresa Brasil de Comunicação) foi criada com a missão de garantir o direito que os cidadãos têm à informação que não está presa aos interesses de mercado.
Ele equivale ao direito constitucional à educação e à saúde. Assim como o posto de saúde e a escola podem dar prejuízo, a comunicação pública também pode, do ponto de vista de mercado.
Por que as TVs privadas não têm mais programação infantil? Porque a publicidade para crianças foi limitada e elas simplesmente aboliram essa programação. Mas ela continua sendo de interesse público.
Mas, para cumprir a missão, a TV pública deve ter audiência.
O Ibope é uma medição questionada inclusive pelas TVs privadas. E a medição do instituto, em relação à TV Brasil, se restringe a seis regiões metropolitanas: SP, Rio, Salvador, Porto Alegre, Recife e Distrito Federal. O Ibope não mede audiência em parabólicas nem de retransmissoras.
A TV pública no Brasil tem oito anos. A BBC [inglesa] tem 90 anos. Começou com audiência pífia. Nem por isso ela foi fechada. Audiência se conquista pelo hábito e a extensão do sinal da emissora. Nós temos dificuldade de sinal porque não temos dinheiro. No Rio e em SP, alcançamos uma região pequena.
Qual é o custo total da EBC?
É de cerca de R$ 500 milhões. A TV Brasil e a NBR [emissora que presta serviço ao governo] representam 40% disso. Falam que a TV tem deficit de R$ 90 milhões. É preciso esclarecer: ele foi calculado em cima de projetos que gostaríamos de fazer. É uma projeção. Como não teremos a receita, não teremos a despesa. Portanto esse deficit é uma falsidade.
A TV contratou muitos profissionais terceirizados. Por quê?
Na reportagem da TV Brasil, 90% são da casa, concursados, com salários de R$ 5.000, R$ 6.000, R$ 7.000.
Somos uma empresa basicamente de funcionários públicos. Em 2008, quando a EBC foi criada, reunindo empresas como Radiobrás, TVE e Fundação Roquete Pinto, eram 2.572 funcionários, 54% deles de carreira. Hoje são 2.552. E 94% de carreira.
Dizer portanto que o número de trabalhadores dobrou é outra falsidade.
Houve questionamentos em relação à contratação de jornalistas que seriam alinhados com o PT e que foram demitidos quando o sr. foi afastado. Houve aparelhamento?
O mercado de comunicação tem as suas especificidades. Tem pessoas que agregam valor e credibilidade ao produto que você oferece ao público. Se elas aderem a um projeto de comunicação pública dentro dos recursos que a gente tem, isso é um bem para a comunicação pública.
E o suposto alinhamento?
Nunca teve esse critério. A maioria desses jornalistas, aliás, já estava na empresa quando cheguei [em junho de 2015]. Se tinham perfil de esquerda ou de direita, pouco me interessa. Não peço ficha de filiação partidária para ninguém. Mas eu quero falar é do perfil jornalístico deles.
Paulo Moreira Leite [que apresentava o programa "Espaço Público"] trabalhou no Jornal da Tarde, na Folha, na revista Veja, no Estado de S. Paulo, dirigiu a revista Época [das Organizações Globo]. Paulo Markun [que apresentava o "Palavras Cruzadas"] foi da TV Globo e da TV Cultura nos governos do PSDB. Ricardo Melo [referindo-se a si mesmo] trabalhou na Folha, na revista Exame, na TV Bandeirantes, na TV Globo, no site Terra, no SBT.
Sidney Rezende foi da CBN e da GloboNews. Luís Nassif trabalhou na Folha e na TV Cultura em governos tucanos. Tereza Cruvinel trabalhou no jornal O Globo. Quando vêm para a EBC eles viram todos petistas? Isso é um absurdo.
Quanto eles ganhavam?
Muito menos do que ganhariam no mercado. E eles eram contratados como pessoas jurídicas [PJ], que custam menos para a empresa. Ganhavam 12 salários e só. Não tinham 13º, férias, multa por rescisão de contrato.
A Tereza Cruvinel, por exemplo, ganhava R$ 12 mil por mês. O programa do Alberto Dines [Observatório da Imprensa] estava sendo negociado por R$ 500 mil por ano, para toda a estrutura de produção.
Enfim, temos cerca de 20 contratos [terceirizados] contra 2.552 concursados.
Há críticas em relação às abordagens sobre o impeachment.
Nunca no jornalismo falamos que se tratava de um golpe. Mas a TV Brasil se deu a tarefa de colocar todas as manifestações no ar, a favor e contra o impeachment.
Tinha passeata de sem-terra contra, de mulheres, de juristas? A TV Brasil estava lá cobrindo, e só a TV Brasil. A nossa missão é dar voz a quem não tem voz. E esses caras não aparecem nas outras mídias. Agora, em nenhum momento a gente deixou de cobrir qualquer manifestação a favor do impeachment.
Mais do que isso: convidamos sistematicamente gente de todas as posições para falar na TV Brasil. Já convidamos os tucanos José Serra, Aécio Neves, Aloysio Nunes Ferreira e Tasso Jereissati. E convidamos publicamente o presidente em exercício, Michel Temer, para falar na TV Brasil. É mentira dizer que só entrevistamos petistas. 

sábado, 2 de julho de 2016

NOS TRILHOS DO DESPERDÍCIO, OESP


Ferrovias prontas há dois anos não são usadas e prometida revolução logística não se concretiza

André Borges / TEXTOS Dida Sampaio / FOTOS
BRASÍLIA E GOIÁS
Com um atraso secular em suas metas de expansão e de investimentos em ferrovias, há mais de dois anos o Brasil se dá ao luxo de simplesmente abrir mão do uso de uma ferrovia pronta e moderna, uma estrutura que já custou mais de R$ 4,2 bilhões aos cofres públicos e que poderia ter iniciado uma revolução no mapa logístico nacional.
A revolução não veio. No lugar dela, o que se vê no trecho de 855 km da Ferrovia Norte-Sul, entre Palmas (TO) e Anápolis (GO) é o retrato do desperdício e da irresponsabilidade com o bem público.
anapolis
Na manhã de 22 de maio de 2014, a conclusão desse trecho da Norte-Sul foi motivo de comemoração e ato eleitoral. Na ocasião, a presidente afastada Dilma Rousseff esteve em Anápolis, passeou numa locomotiva e inaugurou o eixo central da “coluna vertebral” do Brasil, empreendimento que reduziria os custos de frete em pelo menos 30% e poderia gerar negócios da ordem de US$ 12 bilhões por ano, ao mudar a cara do transporte de carga e impulsionar a arrecadação de impostos.
Desde então, nem meia dúzia de comboios de carga passou pelo trecho. No fim do ano passado, alguns vagões carregados de 21 mil toneladas de farelo de soja subiram por ali. Outras 18 locomotivas da empresa de logística VLI, que pertence à mineradora Vale, usaram o traçado para acessar a parte superior da Norte-Sul onde a VLI já atua há quase dez anos, entre Palmas e Açailândia (MA). Trata-se de um nada, se comparado ao potencial efetivo da malha.
Para se ter uma ideia, só os novos terminais que a VLI acaba de erguer na Norte-Sul, no município de Porto Nacional (TO), têm capacidade de movimentar 2,6 milhões de toneladas por ano. Em Anápolis, um parque logístico já está ocupado por dezenas de grandes empresas que aportaram bilhões de reais no polo, mas ainda espera-se o dia em que a circulação dos trens passará a ser rotina sobre os seis ramais do pátio da Norte-Sul, preparado para o transbordo da carga.
O diretor de Operações da Valec, Marcus Almeida, diz que, gradativamente, o trecho passará a ser utilizado. “Já fizemos algumas viagens no trecho. Entre agosto e setembro, mais 45 mil a 50 mil toneladas de farelo devem passar pela ferrovia.”
Para o diretor de engenharia da Valec, Mário Mondolfo, é preciso considerar que a ferrovia tem “natureza diferente” das rodovias. “Ela precisa maturar. A carga tem de começar a descobrir a ferrovia. Não são seis meses depois que teremos 20 vagões de trens passando por lá”, argumenta.
Estouro. O martírio dos projetos ferroviários não se limita a trechos prontos que seguem subutilizados. Na Norte-Sul e na Ferrovia Oeste-Leste (Fiol), na Bahia, os escândalos financeiros circulam em alta velocidade sobre o traçado de obras sem data para serem entregues.
Estado teve acesso a um levantamento detalhado de cada contrato e seus respectivos termos aditivos firmados com as empreiteiras que atuam na Norte-Sul – no trecho de 682 km entre Ouro Verde (GO) e Estrela D’Oeste (SP) – e também nos 1.527 km projetados para a Fiol, malha que vai cortar a Bahia de leste a oeste, até chegar a Ilhéus, no litoral.
Um olhar sobre as contas e contratos que forjaram cada metro de trilho lançado nesses dois projetos pela Valec ajuda a enxergar a dimensão do abismo financeiro em que se converteram essas obras. Os dados da Valec, estatal responsável pelas ferrovias, apontam que essas duas obras já acumulam um total de 123 termos aditivos até agora.
Somados, os dois projetos já tiveram seus orçamentos ampliados em mais de R$ 4,8 bilhões, entre reajustes contratuais, correções de projetos de engenharia, constantes paralisações e esquemas de corrupção. É dinheiro mais do que suficiente para construir do zero outro trecho da Norte-Sul.
Na última semana, as duas ferrovias foram alvo da Operação Tabela Periódica, da Polícia Federal. Com apoio de mais de 250 agentes policiais e outros servidores, a operação desbaratou um cartel de empreiteiras que há anos atua nos empreendimentos.
O trecho sul da Norte-Sul, que teve as obras anunciadas em meados de 2007, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), viu seu preço saltar de R$ 2,7 bilhões para R$ 5,1 bilhões, segundo a estimativa mais recente. Previsto para ser entregue em dezembro de 2012, o trecho teve sua conclusão prorrogada novamente, dessa vez para julho de 2017.
Na Fiol, as obras da malha de 1 mil km entre os municípios de Barreiras e Ilhéus, inicialmente avaliadas em R$ 4,2 bilhões, agora chegam em R$ 6,4 bilhões. Ignorada no plano de concessões do governo, a Fiol tem sido encarada como uma “dor de cabeça” quando o assunto é discussão sobre investimentos, apesar de o projeto já ter dragado R$ 3 bilhões em recursos públicos.
Sobre os 500 km restantes que ligariam a ferrovia à Norte-Sul, em Figueirópolis (TO), o que existe até hoje são pilhas de papéis, nada mais.
Reajuste. O rombo financeiro nos projetos não assusta o atual presidente da Valec, Mário Rodrigues Júnior. “Não é valor adicional, é reajuste. Se minha obra demorar cinco anos, ela vai ter cinco reajustes”, justifica Rodrigues. Questionado se um estouro de R$ 4,8 bilhões no orçamento lhe parece razoável, Rodrigues reage com certa naturalidade: “Eu acho que sim”.
Lançada pelo então presidente José Sarney, no anos 80, a Norte-Sul atravessou duas décadas de abandono e passou por dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tendo avançado apenas 215 km. Sua retomada ocorreu em 2007, quando Lula reativou a Valec e trouxe para seu comando José Francisco das Neves, mais conhecido como Juquinha. Em 2011, Juquinha chegou a ser preso pela Polícia Federal em decorrência de investigações que apuravam desvio de recursos e superfaturamento nas ferrovias. No mês passado, o Ministério Público Federal (MPF) em Brasília pediu a condenação de Juquinha e de Luiz Raimundo Carneiro de Azevedo, outro ex-presidente da estatal. Mais seis pessoas também foram alvos da denúncia, por causa de desvios de R$ 23,1 milhões dos cofres da empresa.

‘FALAVAM QUE O TERMINAL IA MUDAR TUDO POR AQUI’

Após fazer festa para anunciar a ‘obra do século’, Valecabandona cidade que colocou uma locomotiva em seu slogan à espera do terminal

André Borges
02 Julho 2016 | 16h 00
No dia 23 de outubro de 2010, o pequeno rancho do agricultor Geraldo Gomes Pinto foi transformado em um heliporto. Do céu, desciam o então presidente da Valec José Francisco das Neves, o Juquinha, e sua comitiva, para anunciar, bem ali no quintal do senhor Geraldo, que o futuro finalmente havia chegado a Santa Isabel, pequeno município de 7 mil habitantes no interior de Goiás, cortado pelo traçado da Norte-Sul e pela BR-153, a Rodovia Belém-Brasília. Juquinha distribui abraços, sanduíches e a promessa de dias melhores para a população, com desenvolvimento e emprego. Foi chamado pelos prefeitos da região que o acompanhavam de “estadista” com grande visão empreendedora.
“Eles desceram bem aqui”, diz Geraldo, ao mostrar um roçado no meio do mato. “Falavam que a vida da gente ia melhorar, que o terminal de carga ia mudar tudo por aqui, essas coisas todas que os políticos falam.”
A comitiva contava coisas sobre a “espinha dorsal do Brasil”, a “obra do século”, o “eixo central de integração dos modais de transporte do País”. Empolgado com tanto desenvolvimento e com os tributos que o município passaria a receber, o prefeito de Santa Isabel, Levino de Souza, tratou de pintar sua cidade como a capital da ferrovia. No site de Santa Isabel, estampou um novo “logotipo” para o município, com as imagens de uma locomotiva, um livro e uma cruz. “São os símbolos das nossas prioridades, o transporte, a educação e a saúde”, disse o prefeito.
ferrovia norte sul
Os homens da Valec foram embora. Ficou a promessa. Está lá até hoje.
O local que seria transformado em eixo logístico continua a ser o mesmo matagal. No lugar de galpões e estruturas para o transbordo de cargas, a Valec construiu só dois trechos de linhas paralelas à malha principal da ferrovia. Santa Isabel não passará de um local usado apenas para o controle de tráfego dos trens que circularão pela ferrovia. Como muitos municípios, portanto, ficará ao largo do prometido progresso, vendo o trem passar.
“A ferrovia era nossa esperança. Hoje não tenho mais informações sobre o nosso terminal. Nem sei mais onde ficará. Não me falaram mais nada sobre o projeto que estava previsto para cá”, diz o prefeito Levino de Souza. “Fui até Brasília, cobrei o projeto, mas nada aconteceu. Isso causa uma frustração muito grande na gente, na população. Somos uma cidade de pequenos agricultores, mas nessa região também tem muita usina de cana. É lamentável tudo isso.”
A Valec informou que não adianta mais esperar por terminais ali. A estatal declarou que, depois de reestudar o trecho, percebeu que a proximidade de outras cidades com maior estrutura acabaram por não justificar o investimento adicional no meio do caminho.
“A demanda de carga ali tem a concorrência de Uruaçu e de Anápolis, que são razoavelmente próximas. E ainda tem um problema geológico, que é violento. O custo seria altíssimo para estabilizar o solo”, diz o diretor de Operações da Valec, Marcus Almeida.
O pequeno agricultor Geraldo Gomes Pinto diz que não lamenta mais o plano frustrado. “Já estou com os meus 67 anos. Para mim, o tempo desse progresso todo que falavam passou”, diz o agricultor, abraçado à mulher, Celina Gomes Pinto. “O que eu quero agora é só sossego, cuidar das minhas vacas e dormir em paz.”
Todos os dias, pela tarde, funcionários terceirizados que trabalham na manutenção da Norte-Sul passam pela porta de senhor Geraldo. “Faz anos que eles vêm aqui, passam de lá para cá na ferrovia e vão embora.”

02 Julho 2016 | 16h 00

IMPORTAÇÃO DE TRILHOS FOI SUSPENSA

André Borges/ BRASÍLIA
02 Julho 2016 | 16h 00
A falta de recursos da Valec para tocar as obras em suas ferrovias levou a empresa a suspender a importação de trilhos. O Brasil não tem hoje nenhuma fábrica de trilhos em operação e é obrigado a importar o material de outros países, como a China. Um total de 63 mil toneladas dos lingotes de ferro esperam a emissão de pedido pela estatal.
Por meio de nota, a Valec declara que, “em função da restrição orçamentária imposta pelo governo federal, os contratos firmados com os consórcios Pietc/RMC e Trop/Comexport foram suspensos, sendo que a retomada dos mesmos foi prorrogada para o ano de 2017”.
Na extensão sul da Norte-Sul, entre Ouro Verde (GO) e Estrela D’Oeste (SP), as empresas entregaram um total de 88 mil toneladas do material. Para a Fiol, foram enviadas outras 85 mil toneladas.
Para complicar um pouco mais o cenário financeiro, a compra do insumo está atrelada à variação cambial. Os contratos tiveram seus valores atrelados ao dólar americano, com cotação inicial aproximada de R$ 2,20. Quando há a medição dos serviços, esses são pagos com a cotação do dólar do dia. O custo inicial dos contratos foi de aproximadamente R$ 945 milhões. Hoje, considerando os reajustes contratuais, já chega a cerca de R$ 1,2 bilhão.
A entrega da última remessa de trilhos no Brasil ainda depende do que será feito da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que enfrenta uma série de dificuldades em suas obras na Bahia. 
Prejuízos. Atualmente, os poucos canteiros de obra que estão em andamento reúnem apenas mil empregados. Apesar de a Valec prever que o trecho de 500 km da ferrovia, entre Caetité e Ilhéus, será concluído até junho de 2018, o futuro da ferrovia é praticamente uma incógnita. Não há sinalização sobre quando, efetivamente, estará pronto o destino dessa malha, o chamado Porto Sul, previsto para ser construído em Ilhéus.
A construção do terminal, que originalmente contaria com a sociedade da Bamim, mineradora interessada em retirar ferro da região central do Estado, está parada desde a queda vertiginosa do preço do minério, que inviabilizou o projeto logístico.
O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou prejuízos potenciais de até R$ 2 bilhões em razão do descompasso das obras da ferrovia e do porto em Ilhéus. Trata-se de uma estimativa de lucro que a ferrovia deixará de gerar até 2018, e os custos do capital imobilizado nesse período, o que embute depreciação dos ativos, gastos com manutenção e o custo de oportunidade atrelado ao que foi investido na malha.
“Hoje, o porto é uma obra do governo da Bahia. É uma responsabilidade dele. Não adianta nada a gente levar a ferrovia até lá, se não existir o porto”, diz o presidente da Valec, Mário Rodrigues Júnior. 
Até o fim de 2015, o trecho central da ferrovia baiana – os 500 km que ligam Barreiras a Caetité – estavam com 42% de execução física. Alguns lotes de obra praticamente não foram iniciados. A terceira parte de 500 km que avança até Ilhéus estava com 67% de execução geral. 

PAÍS INVESTE SÓ 0,6% DO PIB EM TRANSPORTE

André Borges/BRASÍLIA
02 Julho 2016 | 16h 00
A estratégia do governo de apresentar as concessões na área de infraestrutura como a tábua de salvação da economia e da retomada do emprego corre riscos de se frustrar. A avaliação é do coordenador de infraestrutura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Campos.
Entre os países em desenvolvimento, afirma Campos, o Brasil tem sido o que menos investe nesses empreendimentos. “O que temos investido em transportes fica em torno de R$ 29 bilhões e R$ 30 bilhões por ano, incluindo os setores público e privado. Em 2015, ficou em R$ 25 bilhões. Isso representa 0,6% do PIB. Esse número fala por si”, comenta. “Os países em desenvolvimento que concorrem com Brasil, como Rússia, Índia, Coreia do Sul, Chile e Vietnã, estão investindo uma média de 3,7% do PIB em transporte.”
A timidez dos investimentos não é o único problema, diz o especialista. É preciso lidar ainda com a falta de regularidade e a demora com que esses projetos são implementados. “A forma esporádica como esse processo é implementado dificulta os resultados. Além disso, o País já concedeu seus melhores ativos em áreas estratégicas de concessão, como rodovias e aeroportos. O que sobra atrai menor interesse. Por isso, eles acabam sendo insuficientes para ter impacto no crescimento econômico ou mesmo no volume de emprego. É um problema de magnitude, o setor não é capaz de dinamizar a economia.”
O governo chegou a anunciar que faria a concessão da Ferrovia Norte-Sul neste ano, mas o ministro dos Transportes, Portos e Aeroportos, Maurício Quintella, já indicou que são mínimas as possibilidades de isso ocorrer e que o leilão do trecho deve ficar mesmo para 2017. Já a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) nem sequer chegou a entrar no pacote de privatizações anunciado pelo Palácio do Planalto.
Iniciadas há praticamente dez anos, as ferrovias federais já passaram por duas edições do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), duas edições do Programa de Integração em Logística (PIL) e, agora, sob comando do governo de Michel Temer, são inseridas no “Programa Crescer”. Uma década depois, não se sabe ainda em que condições serão concedidas, ou mesmo quando terão parte de seus trechos concluída.
Ainda assim, não faltam interessados. Recentemente, a estatal russa RZD, uma das maiores companhias ferroviárias do mundo, percorreu o trecho pronto da Norte-Sul, entre Palmas (TO) e Anápolis (GO), para analisar as condições da ferrovia e seu potencial. Chineses também conversaram com o Ministério dos Transportes sobre o possibilidade de assumir a Fiol.