sexta-feira, 10 de julho de 2015

Uber Proibidão


Renato Cruz
05 Julho 2015 | 03h 00
A tecnologia avança mais rápido que as leis, ao permitir coisas que eram impossíveis ou inviáveis. Antes do Uber, motoristas particulares tinham de negociar diretamente com seus clientes para combinar corridas. Com o aplicativo, o consumidor pode chamar o carro mais próximo e pagar um preço baseado na distância percorrida.
O Uber argumenta que somente tornou mais eficiente um serviço que já existia, de motoristas particulares. Os taxistas acusam o aplicativo de concorrência desleal, pois funcionaria como um sistema de chamadas e de taxímetro para esses motoristas, que não precisam de licença, e a quem acusam de sonegar impostos.
Não existe regulamentação para o Uber, já que, antes do celular inteligente, não daria para prestar um serviço como esse. Para os representantes do aplicativo, o que não é expressamente proibido é permitido, enquanto que, para seus opositores, o que é não é expressamente permitido é proibido.
Na semana passada, os vereadores de São Paulo aprovaram, em primeira votação, um projeto de lei que proíbe serviços como o Uber. O texto ainda não está valendo, e precisa passar por mais uma votação. O secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, anunciou que vai criar “armadilhas” para apreender carros de motoristas que trabalham com o Uber. Representantes dos taxistas chegaram a dizer que “vai ter morte”, caso o aplicativo continue a operar.
O que chama atenção nessa história toda é que as autoridades, no lugar de buscar uma maneira de regularizar o serviço, procuram um jeito de tirá-lo de operação. Se o Uber não paga impostos, deveria ser autuado pela Secretaria Municipal de Finanças, e começar a pagá-los. Se representa concorrência desleal aos táxis, deveria ser criado um regulamento para reduzir essa assimetria, de preferência facilitando a vida dos taxistas, e não dificultando a atuação do Uber.
A adesão dos consumidores ao serviço - que, na versão que está há mais tempo no Brasil, é mais caro que corridas de táxi - aponta para uma deficiência no setor, para uma demanda mal atendida. A administração municipal - que tem apostado em ciclovias para resolver os problemas de transporte na cidade - decidiu que a melhor forma de lidar com o Uber é bani-lo, sem levar em conta as necessidades do munícipe. 
Todo setor econômico regulado, como é o caso dos transportes, traz oportunidade para o que os especialistas chamam de inovação rompedora, que muda drasticamente o mercado. É só ver o impacto de serviços de voz via internet, como o Skype, e de mensagens, como o WhatsApp, nas operadoras de telecomunicações. O poder público pode atrasar a adoção da tecnologia, mas não impedi-la. Os hábitos das pessoas mudam, e as leis precisam acompanhar essas mudanças. 
DIGITAIS
Ataques
James Bamford escreve há 30 anos sobre a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Na quinta-feira, participou de evento do Comitê Gestor da Internet no Brasil, em São Paulo. Bamford alertou que ataques virtuais conseguem causar danos físicos. Um software malicioso pode, por exemplo, danificar turbinas de uma usina ou derrubar um avião.
Segurança
Mais conhecida por fabricar chips para celulares e cartões, a Gemalto aposta numa tecnologia chamada “tolkenização” para reforçar a segurança de compras via internet ou celulares. No lugar de guardar dados financeiros dos clientes, sites e aplicativos armazenam “tokens”, informações suficientes para autorizar transações naquele contexto e que, se roubadas, não podem ser usadas em outros lugares. 

Geração conectada não percebe a internet, diz Ronaldo Lemos


Ronaldo Lemos, que é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio
BRUNO ROMANI 
DE SÃO PAULO
Se você tem mais de 20 anos, provavelmente consegue se lembrar de como era o mundo antes da internet e também perceber quando está ou não conectado. Mas isso nem sempre é assim. Para a geração das pessoas nascidas nas últimas duas décadas, que sempre estiveram em um mundo on-line, o conceito de desconectado praticamento não existe.
A afirmação é do advogado Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, especialista em cultura digital.
"Quem nasceu conectado não percebe a internet. Ela não é algo em que é possível se conectar ou não. É uma infraestrutura da vida moderna, tal como a eletricidade ou água encanada", afirma Lemos, que também é colunista daFolha.
Em entrevista, Lemos falou sobre o desenvolvimento da mídia na internet, entre eles o sucesso atual de sites de listas, como o BuzzFeed. E avisa que o Vale do Silício, região na Califórnia que abriga os principais nomes da tecnologia no mundo, redescobriu a área de mídia como bom investimento, financiando várias novas empresas.
Leia abaixo trechos da conversa.
*
Folha - Os serviços de internet completaram 20 anos no Brasil. Como as pessoas se transformaram nesse período em relação à tecnologia?
Ronaldo Lemos - Mcluhan já dizia que o "meio é a mensagem". A frase implica que mudanças nas mídias provocam mudanças profundas na sociedade. As pessoas mudam por causa da tecnologia. Tudo é mais instantâneo e efêmero. Hoje acessamos diversas mídias pelo celular e outros dispositivos enquanto estamos em movimento ou fazendo outras coisas. Essa tendência vai se aprofundar com os smartwatches [relógios inteligentes] e tecnologias vestíveis. Todas as atividades humanas estarão permeadas pela mídia. Mudam os relacionamentos pessoais, a política, a economia da informação, a educação e assim por diante.
Como as gerações nascidas apenas na era digital percebem o mundo? Ainda há espaço no mundo para gente "analógica"?
Quem nasceu conectado quase não percebe a internet. Ela não é algo em que é possível se conectar ou não. É uma infraestrutura da vida moderna, tal como a eletricidade ou água encanada. Ninguém pensa muito hoje sobre a eletricidade, exceto quando ela não está disponível. Com a internet será o mesmo. O que vai vir à tona são serviços construídos a partir dela. Isso traz problemas. Será mais difícil visualizar a internet como uma rede aberta e infinitamente flexível. A maioria das pessoas vai se contentar com alguns poucos serviços. Mas ainda há espaço para a vida analógica. A desconexão verdadeira vai ser cada vez mais um luxo. Além disso, modos de vida "vintage" que valorizem o analógico continuarão existindo, mas como nicho. Isso já acontece hoje com grupos que cultuam o vinil ou máquinas de escrever.
Como os jornais tradicionais podem atrair leitores mais jovens?
Indo até onde eles estão. Qualquer iniciativa de informação hoje tem de considerar que as pessoas desenvolvem hábitos de mídia que são difíceis de mudar. Com isso, é importante estar presente onde os jovens estão. Levar a informação até eles. E não apenas esperar eles irem até você.
Nos jornais, quais devem ser os papeis do impresso e da internet?
A diferença entre impresso e internet está ficando cada vez menor. Estamos vivendo hoje um momento em que as notícias estão se desagregrando e sendo lidas e distribuídas de forma avulsa na rede, independentemente da forma como são originariamente publicadas. Apesar disso, o impresso ainda tem um peso maior, especialmente político. O que se imprime ainda tem mais força do que a notícia que circula apenas na rede.
Os sites de conteúdo (e listas) são a grande ameaça ao jornal?
É um erro crasso achar que sites como o BuzzFeed fazem sucesso por causa de suas listas e do formato das suas publicações. O sucesso desses sites não é derivado do formato do conteúdo que circulam, como as listas. O sucesso vem do fato de que empregam metodologias analíticas sofisticadas para tudo que publicam. Nada vai para o ar sem ser testado antes. Se um post não decola, ele é modificado ou até mesmo retirado do ar e substituído. Usando essas metodologias analíticas, o conteúdo do que é publicado é secundário. Basta pensar no Business Insider, que adotou as mesmas ferramentas analíticas do BuzzFeed para fazer jornalismo "sério" na área econômica. O site é hoje mais acessado que o jornal "The Wall Street Journal".
Como nós mudamos a nossa relação com o digital entre 1995 e 2015?
O crescimento da internet no Brasil foi vertiginoso entre 1995 e 2015. Hoje há mais de 100 milhões de pessoas conectadas. O problema são os próximos 100 milhões. O Brasil adota mudanças rapidamente. Nos últimos dez anos, tivemos uma série de mudanças relevantes na forma como a internet é acessada. Passamos do modelo do computador pessoal em casa para as lan houses. Agora os smartphones é que são centrais. Em termos de hábitos de acesso, as mudanças também são rápidas. Passamos por ICQ, Fotolog, Orkut, MSN Messenger, Facebook, Twitter, Whatsapp, Instagram e agora Snapchat.
A grande lástima é que fomos incapazes de criar um ecossistema efervescente local de mídias. A Folha é um dos poucos grupos que acompanharam as mudanças nesse período. Neste momento, o capital de risco no Vale do Silício redescobriu a área de mídia como bom investimento. Há várias empresas novas sendo financiadas. Seria ótimo se algo similar acontecesse no Brasil, até para competir de igual para igual as empresas que vêm surgindo.

A esta altura, fazer o quê?

Eric Nepomuceno
PMDB Nacional / Flickr
Pois é: tanto Dilma como seu partido, o PT, cometeram erros, e muitos. Isso é inegável. Desde que chegou ao poder, no já um tanto distante 2003, o PT – talvez por concluir que não havia outra opção – fez alianças esdrúxulas, deixou a impressão de que estava certo de conseguir chafurdar na velha e conhecida lama política brasileira sem se manchar, ou, na melhor das hipóteses, sem se manchar tanto. Deu no que deu.
 
E enquanto isso, o que fez a oposição? De concreto, apresentou-se a cada eleição, e perdeu todas. Em nenhum momento conseguiu propor um programa alternativo, viável, que indicasse rumos outros para o país.
 
Isso, até agora. Ou, mais exatamente, até novembro do ano passado. É verdade que os partidos de oposição continuam sem nada de concreto e viável a oferecer. Mas agora a opção de suas principais figuras, a começar por Aécio Cunha (aquele que usa como pseudônimo político o sobrenome do avô materno, Neves), foi banhar-se em ressentimento e passar se guiar, dia sim e o outro também, pela certeza de que o resultado das urnas de outubro passado não merece respeito algum.
 
Assim, na falta de algo melhor para fazer, decidiram que o segundo mandato de Dilma Rousseff tem de acabar já. E como bater na porta dos quartéis está um tanto fora de moda nessas nossas províncias, buscam aliados mais potáveis e maleáveis, não apenas no Congresso de traidores e chantagistas comandados por dois celerados, mas nos estreitos e muitas vezes obscuros corredores da justiça. 
 
Qualquer ferramenta pode ser útil. Por exemplo: uma instituição chamada Tribunal de Contas da União, que não tem poderes punitivos mas funciona legalmente como órgão auxiliar desse mesmo Congresso. 
 
Espécie de depósito para onde são enviadas figuras bem apadrinhadas, para desfrutarem de uma polpuda aposentadoria, apenas uma vez, em toda sua história, o TCU reprovou as contas públicas de um presidente. Aconteceu com Getúlio Vargas, em 1936. Em tempos mais recentes, Fernando Collor de Melo, Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva tiveram suas contas aprovadas, mas com ressalvas. Nada que impedisse o Congresso de aprová-las. 
 
A pressão agora é redobrada. Aprovar as contas de Dilma com ressalvas é pouco. É preciso que o TCU rejeite as contas relacionadas a 2014 – ou seja, em seu mandato anterior –, o que configuraria crime de responsabilidade fiscal. Nesse caso, caberá ao Congresso acatar ou desacatar essa decisão, e decidir pelo impeachment da presidente. 
 
Aí está, esbraveja a tremenda campanha espalhada pelos grandes conglomerados de comunicação e aplaudem os ressentidos de sempre, a saída para afastar Dilma. Tudo cairá nas mãos de dois mestres da chantagem e do jogo fétido, Eduardo Cunha e Renan Calheiros. 
 
Outra possibilidade reside no Tribunal Superior Eleitoral. Aqui, a questão é outra: um empresário preso diz que doou, para a campanha eleitoral do PT no ano passado, dinheiro ilegal. No mesmo dia, doou praticamente a mesma – e milionária – quantia para Aécio Neves. 
 
Até agora, não conseguiu explicar porque uma doação era ilegal e a outra, legal. E parece que ninguém perguntou a ele se sua empreiteira não tinha nenhum contrato polpudo com alguns governos – o de São Paulo e o de Minas Gerais, por exemplo – do PSDB. 
 
Esse quadro de plena conspiração coincide com uma crise econômica séria e uma crise política grave, muito grave.    
 
Como se chegou a isso? Bem, da parte do governo, a inação e a soberba contribuíram muito. A inação se traduz na falta olímpica de uma articulação política minimamente hábil. Não fossem os préstimos de Michel Temer, e o desastre já estaria consumado há um bom tempo. A soberba se traduz no desprezo pelo diálogo, na truculência de figuras menores em tudo, menos na prepotência. 
 
Da parte da oposição, a obtusa insistência em ignorar as urnas, a derrota, somada à incapacidade de propor alternativas e à opção preferencial pelo jogo traiçoeiro. 
 
Mas não é só isso: outra fonte de assombros é o Congresso. Sua atual composição é, de longe, a menos qualificada desde a retomada da democracia. O que se vê no cotidiano parlamentar é a assustadora explosão de uma onda extremamente reacionária – muito mais do que apenas conservadora –, alimentada por uma manada de sacripantas. 
 
E quando se pensa que à frente da Câmara de Deputados e do Senado estão duas figuras que de impolutas não têm nada – aliás, é exatamente o contrário – tem-se, quase completo, o quadro mais desalentador possível.
 
E o que falta para completar o quadro? Bem, temos uma campanha alimentada pela imprensa, pelas redes sociais comandadas à distância, capaz de alterar – para pior – um clima de insatisfação generalizada que corrói a sociedade. O resultado é o crescimento da agressividade, da intolerância, de uma ignorância atávica que permite que qualquer rumor ganhe ares de verdade, qualquer acusação se transforme em culpa, qualquer insinuação em condenação prévia. E o quadro desalentador fica completo.  
 
Sim, sim: Dilma e o PT erraram muito. Houve uma lambança geral, e o pior pecado do partido foi achar que podia entrar na lama sem se manchar.  Em todo caso, o que foi feito, feito está. A mácula não se desfará tão fácil.  
 
Quanto à presidente, finalmente decidiu reagir às molecagens irresponsáveis de um playboy temporão, o garoto mimado que não admite ser contrariado. 
 
Oxalá ela não retome a apatia paralisante. Oxalá não seja demasiado tarde. Oxalá ela entenda de uma boa vez que não há hipótese de que se manter alheia ao que se arma fora da redoma em que se refugiou até agora seja o melhor caminho para impedir um golpe que está nas bocas dos ressentidos, no dia-a-dia dos irresponsáveis. 
 
Enfrentar uma das mais sórdidas e perversas campanhas lançadas contra um governante nos últimos muitíssimos anos é, sim, seu dever. Faz parte da responsabilidade do seu cargo. 
 
O que ela fizer agora, neste momento especialmente grave, ficará para sempre na sua biografia.