sexta-feira, 10 de julho de 2015

Geração conectada não percebe a internet, diz Ronaldo Lemos


Ronaldo Lemos, que é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio
BRUNO ROMANI 
DE SÃO PAULO
Se você tem mais de 20 anos, provavelmente consegue se lembrar de como era o mundo antes da internet e também perceber quando está ou não conectado. Mas isso nem sempre é assim. Para a geração das pessoas nascidas nas últimas duas décadas, que sempre estiveram em um mundo on-line, o conceito de desconectado praticamento não existe.
A afirmação é do advogado Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, especialista em cultura digital.
"Quem nasceu conectado não percebe a internet. Ela não é algo em que é possível se conectar ou não. É uma infraestrutura da vida moderna, tal como a eletricidade ou água encanada", afirma Lemos, que também é colunista daFolha.
Em entrevista, Lemos falou sobre o desenvolvimento da mídia na internet, entre eles o sucesso atual de sites de listas, como o BuzzFeed. E avisa que o Vale do Silício, região na Califórnia que abriga os principais nomes da tecnologia no mundo, redescobriu a área de mídia como bom investimento, financiando várias novas empresas.
Leia abaixo trechos da conversa.
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Folha - Os serviços de internet completaram 20 anos no Brasil. Como as pessoas se transformaram nesse período em relação à tecnologia?
Ronaldo Lemos - Mcluhan já dizia que o "meio é a mensagem". A frase implica que mudanças nas mídias provocam mudanças profundas na sociedade. As pessoas mudam por causa da tecnologia. Tudo é mais instantâneo e efêmero. Hoje acessamos diversas mídias pelo celular e outros dispositivos enquanto estamos em movimento ou fazendo outras coisas. Essa tendência vai se aprofundar com os smartwatches [relógios inteligentes] e tecnologias vestíveis. Todas as atividades humanas estarão permeadas pela mídia. Mudam os relacionamentos pessoais, a política, a economia da informação, a educação e assim por diante.
Como as gerações nascidas apenas na era digital percebem o mundo? Ainda há espaço no mundo para gente "analógica"?
Quem nasceu conectado quase não percebe a internet. Ela não é algo em que é possível se conectar ou não. É uma infraestrutura da vida moderna, tal como a eletricidade ou água encanada. Ninguém pensa muito hoje sobre a eletricidade, exceto quando ela não está disponível. Com a internet será o mesmo. O que vai vir à tona são serviços construídos a partir dela. Isso traz problemas. Será mais difícil visualizar a internet como uma rede aberta e infinitamente flexível. A maioria das pessoas vai se contentar com alguns poucos serviços. Mas ainda há espaço para a vida analógica. A desconexão verdadeira vai ser cada vez mais um luxo. Além disso, modos de vida "vintage" que valorizem o analógico continuarão existindo, mas como nicho. Isso já acontece hoje com grupos que cultuam o vinil ou máquinas de escrever.
Como os jornais tradicionais podem atrair leitores mais jovens?
Indo até onde eles estão. Qualquer iniciativa de informação hoje tem de considerar que as pessoas desenvolvem hábitos de mídia que são difíceis de mudar. Com isso, é importante estar presente onde os jovens estão. Levar a informação até eles. E não apenas esperar eles irem até você.
Nos jornais, quais devem ser os papeis do impresso e da internet?
A diferença entre impresso e internet está ficando cada vez menor. Estamos vivendo hoje um momento em que as notícias estão se desagregrando e sendo lidas e distribuídas de forma avulsa na rede, independentemente da forma como são originariamente publicadas. Apesar disso, o impresso ainda tem um peso maior, especialmente político. O que se imprime ainda tem mais força do que a notícia que circula apenas na rede.
Os sites de conteúdo (e listas) são a grande ameaça ao jornal?
É um erro crasso achar que sites como o BuzzFeed fazem sucesso por causa de suas listas e do formato das suas publicações. O sucesso desses sites não é derivado do formato do conteúdo que circulam, como as listas. O sucesso vem do fato de que empregam metodologias analíticas sofisticadas para tudo que publicam. Nada vai para o ar sem ser testado antes. Se um post não decola, ele é modificado ou até mesmo retirado do ar e substituído. Usando essas metodologias analíticas, o conteúdo do que é publicado é secundário. Basta pensar no Business Insider, que adotou as mesmas ferramentas analíticas do BuzzFeed para fazer jornalismo "sério" na área econômica. O site é hoje mais acessado que o jornal "The Wall Street Journal".
Como nós mudamos a nossa relação com o digital entre 1995 e 2015?
O crescimento da internet no Brasil foi vertiginoso entre 1995 e 2015. Hoje há mais de 100 milhões de pessoas conectadas. O problema são os próximos 100 milhões. O Brasil adota mudanças rapidamente. Nos últimos dez anos, tivemos uma série de mudanças relevantes na forma como a internet é acessada. Passamos do modelo do computador pessoal em casa para as lan houses. Agora os smartphones é que são centrais. Em termos de hábitos de acesso, as mudanças também são rápidas. Passamos por ICQ, Fotolog, Orkut, MSN Messenger, Facebook, Twitter, Whatsapp, Instagram e agora Snapchat.
A grande lástima é que fomos incapazes de criar um ecossistema efervescente local de mídias. A Folha é um dos poucos grupos que acompanharam as mudanças nesse período. Neste momento, o capital de risco no Vale do Silício redescobriu a área de mídia como bom investimento. Há várias empresas novas sendo financiadas. Seria ótimo se algo similar acontecesse no Brasil, até para competir de igual para igual as empresas que vêm surgindo.

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