sábado, 28 de março de 2015

Dilma perde no emprego - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 27/03

Últimas escoras de prestígio se desfazem, salários caem, consumo míngua, Nordeste cresce menos


O EMPREGO e o total dos salários pagos nas seis maiores metrópoles do país caiu de modo chocante em fevereiro, sobre fevereiro de 2014. O valor do salário médio diminuiu, coisa inédita desde outubro de 2011 e, antes disso, apenas em 2005.

Esses números deprimentes constam da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, divulgada ontem. Na semana passada, soubera-se que o total de gente empregada com carteira assinada caiu pela primeira vez desde o início de 2000 (queda de ano para ano).

A criação de emprego, que resistiu até 2014, era um dos últimos esteios econômicos possíveis para o prestígio de Dilma Rousseff, escora que se desfaz rapidamente.

Convém sempre lembrar que a situação, o nível, do mercado de trabalho ainda é o melhor em décadas. Além do mais, é preciso tomar cuidado com os dados de apenas um mês de estatística. Mas a deterioração no emprego, mesmo que não seja tão rápida quanto a do restante da economia, é acompanhada de choques de confiança na presidente, de redução da renda disponível e da freada rápida no consumo.

As condições materiais de vida, repita-se, são por enquanto melhores que faz cinco, dez ou vinte anos. Mas a parada súbita das melhorias e a revelação das mentiras do programa da campanha da reeleição da presidente provocam um surto de pessimismo econômico e de irritação política visto apenas em dias em que vida era muito pior e piorava.

Em março, o mau humor se generalizou pelo país, mostrou o Datafolha. A presidente perdeu o apoio também em seus bastiões restantes: os mais pobres, o Nordeste. O governo de Dilma Rousseff é ruim ou péssimo para 60% daqueles com renda familiar inferior a dois salários mínimos (65% para famílias com renda superior a dez salários). Ainda em fevereiro, essa avaliações eram, respectivamente, de 36% e 65%.

O governo de Dilma é ruim péssimo para 66% dos habitantes do Sudeste; 55% para os do Nordeste.

O consumo ainda cresce mais rapidamente em Estados do Nordeste (em relação ao começo do ano passado): 3,7% na Bahia e 2,4% em Pernambuco, por exemplo. Em São Paulo, o ritmo de alta anual caiu a apenas 0,8%. Na média nacional, a 1,8% (ante 4,3% em 2013 e 8,2% em 2013).

Mas a diferença entre o ritmo de aumento de consumo entre o Nordeste e Estados mais ricos já foi bem maior. Há convergência para a mediocridade. Para piorar, no Nordeste a taxa de desemprego começou ainda no início de 2014, enquanto na média do Brasil ainda diminuía.

Há regressão no número de empregos formais no conjunto do país e queda no número de pessoas empregadas nas grandes metrópoles. A queda recente mais forte ocorre no setor de serviços, que ainda deve sofrer muito (indústria e construção civil penam desde 2014, pelo menos).

O salário médio começa a cair puxado pelos rendimentos dos trabalhadores ditos informais, sem carteira e por conta própria. Começa a haver degradação da qualidade do emprego, que melhorara de modo brilhante nos últimos 20 anos.

Há menos salário, menos emprego, menos carteiras assinadas, menos consumo e menos confiança na capacidade de Dilma Rousseff, acuada num canto na praça dos Três Poderes. E o efeito do arrocho mal começou.

Os robôs abandonam o barco - FERNANDO GABEIRA


O ESTADO DE S.PAULO - 27/03

O documento que vazou do Planalto falando dos robôs usados nas redes sociais me fez lembrar de 2010. Foi a última campanha que fiz no Rio de Janeiro. Na época detectamos a ação de robôs, localizamos sua origem, mas não tínhamos como denunciar. Ninguém se interessou.

Os robôs eram uma novidade e, além do mais, o adversário não precisou deles para vencer. Tinha a máquina e muito dinheiro: não seriam mensagens traduzidas, grosseiramente, do inglês - contrataram uma empresa americana - que fariam a diferença. Essa campanha de 2010 pertence ao passado e só interessa, hoje, aos investigadores da Operação Lava Jato.

Os robôs abandonaram Dilma Rousseff depois das eleições. E o Palácio dá importância a isso. Blogueiros oficiais também fazem corpo mole em defendê-la, por divergências políticas. Isso confirma minha suposição de que nem todos os blogueiros oficiais são mercenários. Há os que acreditam no que defendem e acham razoável usar dinheiro público para combater o poderio da imprensa.

Vejo três problemas nesse argumento. O primeiro é uma prática que se choca com a democracia. O segundo, o governo já dispõe de verbas para fazer ampla e intensa propaganda. E, finalmente, Dilma tem todo o espaço de que precisa. Basta convocar uma coletiva e centenas de jornalistas vão ao seu encontro. Se Dilma quiser ocupar diariamente cinco minutos do noticiário nacional, pode fazê-lo. O chamado problema de comunicação do governo lembra-me O Castelo, de Kakfa. A porta sempre esteve aberta e o personagem não se dá conta de que a porta está aberta.

O problema central é que Dilma não sabe tocar esse instrumento. Todos os presidentes da era democrática sabiam. Lembro-me apenas do marechal Dutra, no pós-guerra, mas era muito criança. Falava mal, porém fez carreira militar, era um marechal, que comprou muita matéria plástica. Mas era um outro Brasil comparado com o avanço democrático e a onipresença do meios de comunicação.

Os robôs que abandonaram o barco não me preocupam. Esta semana parei um pouco para pensar na terra arrasada que o PT deixará para uma esquerda democrática no País. Não só pelo cinismo e pela corrupção, pelas teses furadas, mas também pela maneira equivocada de defender teses corretas. Ao excluir dissidentes cubanos, policiais brasileiros, opositores iranianos da rede de proteção, afirmam o contrário dos direitos humanos: a parcialidade contra a universalidade.

Algo semelhante acontece com a política sobre os direitos dos gays, que apoio desde que voltei do exílio, ainda no tempo do jornal Lampião.

Ao tentar transformar as teses do movimento numa política de Estado, chega-se muito rapidamente à desconfiança da maioria, que aceita defesa de direitos, mas não o proselitismo. Tudo isso terá de ser reconstruído em outra atmosfera. Será preciso uma reeducação da esquerda para não confundir seus projetos com o interesse nacional.

Isso se aprende até nas ruas, vendo o desfile de milhares de bandeiras verdes e amarelas. Na sexta-feira 13 houve um desfile de bandeiras vermelhas. Essa tensão entre o vermelho e o verde-amarelo é expressão pictórica da crise política.

Se analisamos a política externa do período, vemos que o Brasil atuou lá fora como se sua bandeira fosse vermelha. Ignora a repressão em Cuba e na Venezuela, numa fantasia bolivariana rejeitada pela maioria do País.

Discordo de uma afirmação no documento vazado do Planalto: o Brasil vive um caos político. Dois milhões pessoas protestam nas ruas sem um incidente digno de registro. Existe maturidade para superar a crise, sem violência.

Bem ou mal, o Congresso Nacional funciona. O caos não é político. É um estado de espírito num governo e num partido que ainda não compreenderam seu fim. Nada mais cândido que a sugestão do documento: intensificar a propaganda em São Paulo.

Com mais propaganda, mais negação da realidade, o governo contribui para aumentar o som do panelaço. E exige muita maturidade da maioria esmagadora que o rejeita.

Li nos jornais a história de um deputado no PT reclamando de ter sido hostilizado em alguns lugares públicos. Se projetasse o que virá no futuro, teria razões para se preocupar.

A crise econômica ainda vai apresentar seus efeitos mais duros. Um deles é o racionamento de energia. Sem isso, acreditam os técnicos, não há retomada do crescimento em 2016. Como crescer sem dispor de mais energia?

As investigações da Lava Jato concentram-se no PT. Muitos depoimentos convergem para inculpar o tesoureiro João Vaccari Neto. Li que uma das saídas do partido seria culpar o tesoureiro, uma versão petista de culpar o mordomo.

Um governo que recusa a realidade, crise econômica que caminha para um desconforto maior e o foco da investigação da Lava Jato no PT são algumas das três variáveis de peso que conduzem a uma nova fase.

Diante desse quadro, não me surpreende que os robôs estejam pulando do barco do governo. Apenas confirmam minha suspeita de que se tornam cada vez mais inteligentes.

Eles continuam à venda no mercado internacional. O secretário da Comunicação recomendou ao governo dar munição a seus soldados na internet, Lula ameaçar com o exército de Stédile. Um novo exército de robôs seria recebido com uma gargalhada nas redes sociais.

Juntamente com os robôs, Cid Gomes saltou do barco. Ao contrário dos robôs, seu cálculo é político. Superou em 100 a marca de Lula sobre os picaretas no Congresso. Preservou-se com os futuros eleitores.

Mas, e aquela história da educação como o carro-chefe do projeto de Dilma? Confusão entre os estudantes que não recebem ajuda e o ministro contando picaretas no Congresso.

É tudo muito grotesco. Os partidos querem ver Dilma sangrando. Além de ser muito sangue o que nos espera pela frente, é preciso levar em conta que, de certa maneira, o Brasil sangra com Dilma. Arrisca-se a morrer exangue.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Paulo Massato, o homem que fecha as torneiras de São Paulo


Muito do que hoje sabemos da crise hídrica é graças ao diretor metropolitano da Sabesp

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Paulo Massato Yoshimoto. / ESTADÃO CONTEÚDO
Paulo Massato Yoshimoto, responsável pelo abastecimento dos 19,5 milhões de habitantes da região metropolitana de São Paulo desde 2003, foi apelidado por funcionários da Sabesp de Hirohito, o imperador com o reinado mais duradouro do Japão e que envolveu o país na Segunda Guerra, em que perdeu mais de dois milhões de soldados e 800.000 civis.
Massato, após 33 anos com o crachá da companhia e responsável hoje por 7.000 empregados, é descrito como um homem afável, reservado e autoritário, embora cumprimente os funcionários pelo nome. “Há pessoas que ele não respeita e mostra um desprezo profundo, é bem comum ele entrar em reunião e não cumprimentar nem outros diretores. Quem discorda dele não tem mais espaço na empresa”, afirma uma ex-funcionária da Sabesp. Massato suaviza essa afirmação, mas reconhece que o seu sentido de “justiça” o impede muitas vezes de ser “bonzinho”. “Fico de 12 a 14 horas por dia na empresa, acho que estou contribuindo para a sociedade, mas há pessoas que gostam de estar sempre contra. Eu já fui assim, mas não gosto de pessoas que não trabalham”, afirma em um café de manhã com a reportagem.
O poder e autoridade de Massato, de 63 anos, só minguam ao chegar no Palácio dos Bandeirantes, onde, apesar da confiança depositada nele, suas declarações nem sempre são bem recebidas pelo governador Geraldo Alckmin. Muito do que hoje sabemos sobre o risco de desabastecimento de água em São Paulo é graças a Massato, que, às vezes com um tom jocoso demais, falou sem controlar o poder das suas palavras. Ele mesmo brinca com o assunto e se descreve como um “boca mole". Sua franqueza, porém, tem evitado a Alckmin aparecer como o mau do filme, em uma espécie de roteiro combinado: Massato dá as más notícias, a população entra em pânico, e o governador chega para nos tranquilizar. Foi Massato quem falou pela primeira vez, em janeiro, do plano de instaurar um "rodízio drástico" na capital, de cinco dias sem água por semana. Alckmin o desautorizou três dias depois.
Massato segura um guarda-chuva durante um ato com o governador. / GOVERNO DO ESTADO
Uma das maiores escorregadas de Massato veio à luz em outubro de 2014, após o vazamento do áudio de uma reunião da diretoria da Sabesp em maio. Nela, Massato passava exatamente a mensagem que o governador Geraldo Alckmin, em plena campanha eleitoral, pretendia esconder: “Essa é uma agonia, uma preocupação”, começou. “Alguém brincou aqui, mas é uma brincadeira séria. Vamos dar férias. Saiam de São Paulo porque aqui não tem água [...] quem puder compra água mineral. Quem não puder, vai tomar banho na casa da mãe lá em Santos, Ubatuba, Águas de São Pedro, sei lá, aqui não vai ter”. Cinco meses antes do vazamento, Massato já mostrava sua agonia na CPI que investiga os contratos da Prefeitura com a Sabesp: “Se houver uma crise maior, nós vamos distribuir água com canequinha”. “Eu sempre tentei transmitir a gravidade da crise que atravessávamos, era importante remar na mesma direção”, justifica. “A Dilma [Pena, ex-presidenta da companhia] era mais zelosa nas questões de comunicação, mas eu falo sempre”.
Ele mesmo brinca com suas declarações polêmicas e se descreve como um “boca mole".
O último desencontro com a mensagem política do Governo do Estado foi no mês passado, quando Massato reconheceu que a redução de pressão é tal que não permite encher as caixas de água das residências, o que supõe, além de desabastecimento, o descumprimento de uma norma técnica nacional. O governador tinha negado esse extremo em dezembro.
Massato fala, aparece nas manchetes, mas prefere ter os jornalistas longe. Bom fumante, apura os cigarros rapidamente na porta do recinto da companhia em Alto de Pinheiros, por temor a ser abordado, especialmente por uma câmera de televisão. Ele aceitou um encontro para a elaboração desta reportagem, mas com a intenção de desestimular sua publicação. Diz não entender por que ele é tão relevante assim e não quer sua vida e trajetória exposta. O único perfil seu publicado recentemente na revista Época, ele não leu.
A relação com Alckmin não parece ruim, porém ele nega que seja próxima. Os dois já estão acostumados um com o jeito do outro. Em 2003 lidaram com uma crise parecida, quando Massato era superintendente de produção de água. “Na época só tínhamos a alternativa de rodízio, porque a cobertura das válvulas de pressão era muito pequena ainda”, lembra. “Hoje, podendo reduzir a pressão, é muito melhor que adotar um rodízio. Já vivi essa situação entre 1990 e 1997 e é uma dor de cabeça”.
Em 2003, Alckmin e Massato já lidaram com uma crise grave de abastecimento
Esta crise hídrica, a pior de todas as que já viveu, desviou os planos de carreira de Massato. Seu círculo mais próximo na companhia aspirava a que ele substituísse a ex-presidenta Dilma Pena, mas o governador tinha outros planos e colocou na cúpula da Sabesp o carioca Jerson Kelman, que, além de contar com uma destacada carreira no ramo hidrelétrico no setor público e privado, é amplamente reconhecido no mundo acadêmico, dos Estados Unidos ao Japão. Dizem que Massato refere-se a Kelman e ao Secretário de Recursos Hídricos, Benedito Braga, como os “professores”, e não sem certo sarcasmo. Massato assegura que não existe esse “carimbo”, e elogia a atitude, capacidade e proatividade de Kelman, “um carioca que trabalha até 14 horas por dia”. Massato perdeu aquela que poderia ter sido sua última oportunidade de dirigir a companhia, mas ele afirma que o que a crise hídrica frustrou foi sua aposentadoria e não sua ambição de reinar sobre as tubulações de toda São Paulo.
Massato chegou à Sabesp em 1983 no primeiro governo estadual eleito em eleições diretas após o golpe militar graças a sua proximidade com o Partido Comunista Brasileiro, do qual foi sempre muito próximo, junto com o vice-presidente nacional do PSDB e ex-governador de São Paulo Alberto Goldman. Vários funcionários da companhia elevam os laços de Massato com o PSDB ao pessoal, no que se refere ao senador Aloysio Nunes, que seria ex-cunhado da mulher de Massato, com quem depois de três décadas e quatro filhos não está casado no papel. Mas Massato nega rotundamente.
Massato sempre transitou bem com os diferentes interesses políticos que buscaram controlar os corredores da máquina pública estadual
As ideias políticas de Massato sempre caminharam na faixa da esquerda, diz ele. “Eu já fui contra tudo. Minha juventude está marcada pela militância pela democratização do país e tinha como mentores pessoas como João Luiz Barreiro de Araújo [ex-diretor metropolitano de quem ele foi assessor] ou Rodolfo Costa e Silva [pai do ex-deputado do PSDB e ex-presidente da Sabesp Rodolfo Costa e Silva]. Eles estavam muito na vanguarda, tinham uma visão social que procurava o equilíbrio, e usaram o setor de saneamento para fazer política, que era o único jeito com a ditadura”.
Independentemente do caminho ideológico que o engenheiro seguiu, Massato sempre transitou bem com os diferentes interesses políticos que buscaram controlar os corredores da máquina pública estadual, do PMDB – de onde saíram vários dos tucanos de hoje –, passando pela antiga Ação Popular – cujo principal representante foi José Serra –, até o atual ninho peessedebista. “Paulo manteve-se em evidência com o PSDB no comando do Estado, ocupando a superintendência de planejamento e mantendo grande influencia sobre as políticas, planos e projetos da empresa”, lembra um ex-engenheiro da companhia.
No legado do imperador Hirohito, ainda discutido pelos historiadores, surpreende que, apesar de ter perdido a Guerra e se rendido por rádio perante toda a nação, os Estados Unidos o mantiveram no poder. A permanência do imperador legitimava a presença das forças de ocupação e servia como elemento de estabilidade em um universo devastado. Nesta história, pode ser que o papel de Massato esteja próximo de se esgotar e que o paralelismo com Hirohito acabe aqui. “Eu sempre expressei minha vontade de me aposentar, só não posso abandonar o barco agora”.
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