domingo, 11 de janeiro de 2015

A regulamentação da mídia, por Renato Cruz, no Estadão

Em sua posse, o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, apontou como uma das prioridades de sua pasta a “regulamentação econômica da mídia”, com o objetivo de democratizar a difusão de conteúdo. A legislação da radiodifusão (rádio e TV aberta) é realmente anacrônica. As regras do setor são definidas pelo Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), de 1962.
Há duas décadas vêm sendo discutidas propostas para atualizar essa lei. E as propostas acabam esbarrando na oposição do Congresso, onde existe uma “bancada dos radiodifusores”, suprapartidária, avessa a qualquer mudança. Para se ter ideia dos desafios nessa área, a Constituição proíbe que deputados e senadores sejam donos de concessões públicas, mas não se consegue fazer cumprir nem mesmo a Constituição.
Um dos problemas de se propor uma “regulamentação econômica da mídia” é definir do que se trata. O governo quer impor regras à concentração de faturamento nos grupos de mídia? Se for esse o caso, como mexer nisso sem criar regras de conteúdo? Porque faturamento, na radiodifusão, está diretamente ligado a audiência, e audiência depende de conteúdo. Como regular conteúdo sem colocar em risco a liberdade de expressão?
Atualmente, não dá para tratar do mercado de radiodifusão como se ele fosse isolado. O Google tem o segundo maior faturamento publicitário do Brasil, segundo o antecessor de Berzoini, Paulo Bernardo. Está atrás da Globo, mas à frente de Record e SBT. Um risco de se impor novas regras é enfraquecer grupos nacionais em benefício de empresas estrangeiras.
Ou a regulamentação trataria de propriedade cruzada, impondo limite ao número de emissoras que cada grupo pode ter? Quando comecei a escrever neste jornal, em 2001, o então ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, colocou em discussão um anteprojeto de Lei de Comunicação Eletrônica de Massa.
Naquele ano, durante evento em Brasília, reguladores internacionais destacaram que seus países tinham regras contra propriedade cruzada. Também mostraram que a radiodifusão ficava sob responsabilidade de um órgão técnico, uma agência reguladora, diferentemente do Brasil. O anteprojeto não chegou nem a ser enviado ao Congresso.
De lá para cá, o mundo mudou. A radiodifusão passa por um momento de ruptura, resultado do crescimento das opções de vídeo via internet. Se o objetivo é democratizar a difusão da informação, acredito que duas medidas seriam muito mais efetivas que a regulamentação da mídia. Uma delas é a ampliação da banda larga, usando todos os meios disponíveis, inclusive tecnologias sem fio. Outra é o financiamento do audiovisual para a internet. Atualmente, as linhas públicas de fomento são voltadas principalmente para cinema e televisão.
Fibra
O plano Banda Larga para Todos prevê a instalação de acessos de fibra óptica em 90% dos domicílios brasileiros até 2018, com velocidade mínima de 25 megabits por segundo. A meta é bastante ambiciosa. Em 2013, somente 42% das residências tinham internet, sendo que 10% delas ainda usavam acesso discado. O antecessor Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) era mais modesto e não foi concretizado.
Democratização
Uma grande oportunidade de democratização da mídia foi perdida em 2006, quando foram definidas as regras para o lançamento da TV digital no Brasil. Os europeus aproveitaram a transição para licitarem novas redes. Por aqui, o governo reservou para si quatro canais digitais, no lugar de oferecê-los ao mercado, ocupando todo o espectro em cidades como São Paulo e Rio e impendido o lançamento de novas redes nacionais.
No Estado de hoje (“A regulamentação da mídia“, p. B8).

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O anjo exterminador - SACHA CALMON


CORREIO BRAZILIENSE - 04/01

Graça Foster, a incompetente presidente da Petrobras, deve responder pela roubalheira ali fincada, por motivos político-partidários, desde 2004 a esta data. Não tem como escapar ao indiciamento, por ser monstruosamente grande o crime de omissão a ela imputável. Nem sempre o crime exige ação, mas o seu contrário. E imaginem uma pessoa que assiste passivamente a um vizinho invadir e furtar a casa de outros (na espécie, a Petrobras, supostamente pertencente ao povo brasileiro) e não faz nada para evitar o crime nem denuncia o agente da ação delituosa? Caso vertente, a situação é mais grave. Os delitos foram cometidos por seus colegas, depois a ela subordinados, incumbidos de gerenciar com honra e eficiência o maior patrimônio público do Brasil.

Aliás, nem ela, nem os membros do Conselho de Administração, nem as diretorias da Petrobras, nas gestões Gabrielli e Maria das Graças Foster, deveriam sair ilesos desse monstruoso episódio. Não me excedo! No mundo empresarial, inclusive nos Estados Unidos e União Europeia, há corruptos ativos e passivos; mas uma vez descobertos os autores dos crimes, as consequências são fatais. As leis anticorrupção são duras, as penas altíssimas, as multas milionárias. Executivos omissos são apenados com dureza muito maior. Lei sábia! De se notar que as empresas estatais ou de economia mista naquelas plagas são pouquíssimas. Aqui são várias, por interessar ao conúbio político-partidário. Partidos no poder e coligados, querem cargos, empregos, sinecuras e negócios com as empresas estatais e de economia mista, daí o caldo de cultura da corrupção. Quanto mais Estado e mais empresas ele tiver, maior é a corrupção. O que é do governo não é de ninguém e todos metem a mão, a menos que haja uma governança eficaz e governos honestos. Vimos que o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão auxiliar do Poder Legislativo, na missão institucional de fiscalizar o Executivo, em vão, o alertou anos a fio. Vale dizer, os poderes políticos (Executivo e Legislativo) são coniventes e a governança da Petrobras revelou-se a pior possível.

Acresce que o país tem uma lei anticorrupção em vigor e dela os gestores não quiseram saber, fiados nos seus protetores políticos aboletados nos mais elevados cargos da República. Veio à tona o que já supúnhamos. O Estado de Minas de 22/12/2014 trouxe à baila o depoimento de Venina Velosa da Fonseca, o anjo exterminador: "As declarações foram feitas em entrevista exclusiva ao Fantástico, da Rede Globo. Venina disse que as irregularidades nos contratos da empresa foram identificadas desde 2008 e todos os seus superiores também foram informados dos problemas.

A geóloga afirmou ter, inclusive, entregue a Graça documentação que comprovam os desvios. "Num primeiro momento, em 2008, como gerente executiva, eu informei ao então diretor Paulo Roberto Costa. Informei a outros diretores, como a Graça Foster, e em outro momento, como gerente-geral, eu informei aos meus gerentes-executivos, José Raimundo Brandão Pereira e o Abílio [Paulo Pinheiro Ramos], que era meu atual gerente-executivo. Informei ao diretor [José Carlos] Cosenza (atual diretor de Abastecimento). (...) Informei ao presidente [José Sérgio] Gabrielli. Informei a todas as pessoas que eu achava que poderiam fazer alguma coisa para combater aquele processo que estava se instalando dentro da empresa"", garantiu.

Venina afirma que as irregularidades na área de comunicação da Diretoria de Abastecimento da estatal incluíam pagamentos por serviços que não foram prestados, contratos superfaturados e negociações que envolviam comissões para envolvidos no contrato. Segundo ela, havia "esquartejamentos de projetos", como forma de dificultar a fiscalização. "Estive com a presidente pessoalmente quando ela era diretora de Gás e Energia. Naquele momento, nós discutimos o assunto. Foi passada uma documentação para ela sobre processo de denúncia na área de comunicação". A geóloga foi gerente-executiva da Petrobras de 2005 a 2009, quando foi transferida para Cingapura, numa tentativa de, segundo ela, afastá-la da gestão da empresa. Ela também fez apelo aos funcionários da estatal e pede que outras pessoas que tenham provas sobre os desvios contribuam com a força-tarefa da Operação Lava-Jato. "Eu tenho medo? Tenho. Mas eu não vou parar. Espero que os empregados da Petrobras, porque eu tenho certeza que não fui só eu que presenciei, eu espero que os empregados da Petrobras criem coragem e comecem a reagir"." Mulher de coragem!

Que venham agora as contrapartes políticas que serão julgadas pelo supremo tribunal Federal. Depois de tudo que já sabemos, mantida a presidente da Petrobras no cargo, aqui e no exterior, todos dirão da suposta grande gestora: é conivente ou incompetente. Talvez as duas coisas juntas.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Tim Duggan: "As cidades tratam a água da chuva como lixo" (pauta Alvaro)


O arquiteto da ONG Make it Right, dedicada a projetos ambientais, diz que as cidades têm de consumir água de chuva e não depender de represas

MARCELO MOURA
20/11/2014 07h00 - Atualizado em 20/11/2014 11h04
Kindle
Share16 
ÁGUA RARA Tim Duggan, arquiteto da ONG Make it Right. Ele  diz que a falta d’água veio para ficar (Foto:  )
São Paulo enfrentou transtornos contraditórios no início do mês. Cidades como Itu sofreram, ao mesmo tempo, alagamento por causa das chuvas fortes e seca nas torneiras devido ao baixo nível nas represas que abastecem o Estado. No modelo atual das cidades, drenamos para longe a água da chuva, que chega a todas as casas, grátis e com razoável qualidade. E trazemos de longe, a alto custo, água de reservatórios, filtrada e bombeada por dezenas de quilômetros. “O consumo de água nas grandes cidades segue um padrão de 100 anos atrás, insustentável nas próximas décadas”, afirma Tim Duggan, arquiteto da ONG Make it Right. Fundada pelo ator Brad Pitt, ela desenvolve técnicas e ergue estruturas mais amigas do meio ambiente. Esse conhecimento já foi usado na reconstrução de Nova Orleans, devastada em 2005 pelos furacões Rita e Katrina, que deixaram 80% da cidade debaixo d’água. Nove anos após a tragédia, Nova Orleans tornou-se exemplo de área urbana sustentável. Além de erguer casas eficientes, a Make it Right reconstruiu ruas e calçadas com concreto poroso, capaz de absorver chuva. Além de evitar enchentes, o piso filtra a água, para aproveitamento em jardins e reservatórios. No Brasil, a onda de construção de edifícios dos últimos anos foi, em grande parte, desperdiçada – poucos deles captam e reúsam água. Duggan veio ao Brasil a convite do ciclo de palestras Arq.Futuro e contou como incentivar a construção de edifícios e casas mais modernos.
ÉPOCA – São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, os três Estados mais ricos e desenvolvidos do Brasil, enfrentam risco de ficar sem água. A crise de abastecimento é um problema local?
Tim Duggan –
 A falta d’água nos grandes centros urbanos é um problema mundial. Veio para ficar. Em Phoenix, no Arizona, ou em Los Angeles, Califórnia, enfrentamos situação parecida. As duas cidades têm mais habitantes do que recursos hídricos. Bombeamos água de toda a região sudoeste dos Estados Unidos para essas áreas. Cidades que excederam a capacidade do ecossistema representam um problema. São insustentáveis.
ÉPOCA – O que há de errado no sistema de abastecimento d’água dos grandes centros urbanos?
Duggan – 
As cidades exploram recursos hídricos da mesma maneira há mais de 100 anos. Nesse período, a população urbana foi multiplicada por 20, de 160 milhões de habitantes para mais de 3 bilhões. Os centros urbanos são meros consumidores de água, com participação mínima na captação. A água das chuvas escorre pelo ralo, descartada como se fosse lixo. Água é como petróleo: um recurso natural hoje valioso, mas por muito tempo desprezado. Se não mudarmos nossos hábitos e a infraestrutura das cidades, veremos conflitos globais pela posse da água, não mais por petróleo, no próximo século.
ÉPOCA – O que os governantes podem fazer para afastar o risco de falta d’água?
Duggan – 
As cidades precisam capturar a água para o consumo de suas comunidades. Em vez de investir em sistemas caros de captação, tratamento e bombeamento até as torneiras, nossa ONG encara cada gota d’água como um recurso, e a capturamos quando ela cai. Para isso, temos “jardins pluviais”, biorreservatórios e cisternas. Usamos cada gota d’água de acordo com as possibilidades previstas em cada projeto. Precisamos estudar como reaproveitar a mesma gota d’água várias vezes, como se faz hoje com a reciclagem de plásticos.
ÉPOCA – Formas de captar e reaproveitar água tornam as cidades e seus edifícios necessariamente mais caros?
Duggan – 
A resposta a essa pergunta é relativa. Se você não começar a pensar proativamente, em captar e reaproveitar água nas cidades, terá custos mais altos para bombear e tratar a água, cada vez mais poluída, de fontes mais distantes. Temos de buscar métricas para avaliar os custos de curto e de longo prazo. Só assim você terá uma métrica adequada. Olhar apenas para o investimento inicial é uma forma imprecisa de avaliar uma iniciativa sustentável. Temos de ponderar o custo do investimento e os impactos sociais, ambientais e econômicos.
ÉPOCA – Grande parte da população sabe da escassez de água. Mesmo assim, nem sempre se sente responsável pela solução. Como mobilizar os consumidores?
Duggan – 
A falta de engajamento é, infelizmente, um problema em muitos lugares no mundo. É importante começar uma campanha agressiva de conscientização popular. Os líderes políticos têm papel fundamental para informar suas comunidades sobre a gravidade do problema e defender investimentos em reformas.
ÉPOCA – A maioria dos edifícios no Brasil tem apenas um hidrômetro. Como pedir consumo responsável a moradores que nem sabem quanto gastam?
Duggan –
 Isso é um problema. Esforços individuais passam despercebidos numa conta unificada. Poder acompanhar o consumo individual é o primeiro passo no esforço pelo consumo consciente. A escassez de água deixa de ser um problema difuso, sem dono, quando se torna possível enxergá-lo nas questões cotidianas.
ÉPOCA – Adotar medidores individuais demanda uma reforma dos apartamentos cuja despesa, para o morador, raramente é compensada pela economia trazida pela redução no consumo. O principal ganho é coletivo. Como o Estado poderia incentivar o investimento em casas mais eficientes?
Duggan –
 Vários governos investem em diferentes formas de estimular o desenvolvimento e a adoção de soluções para reduzir o consumo de água. Os Estados Unidos incentivam o setor imobiliário com redução de impostos e privilégios na concessão de licenças de construção. Estimulado, o mercado apresenta resultados concretos e já começa a andar por conta própria.
"Sem reúso, pagaremos para bombear água cada vez mais poluída, de mais longe"
ÉPOCA – Qual o papel de uma ONG, como a Make it Right, no desenvolvimento de casas de menor impacto ambiental?
Duggan – 
Os objetivos de nossa organização não são os mesmos de uma construtora comum. Nossa missão é aplicar os princípios do desenvolvimento sustentável e mudar as comunidades, em vez de auferir lucro. Procuramos erguer casas “verdes” e economicamente viáveis no longo prazo, mesmo que não no curto. As primeiras casas que construímos em Nova Orleans não foram baratas. Custou caro chegar a um produto barato. Com fins lucrativos, certas inovações são impossíveis. Tivemos de encontrar formas de baixar o custo a cada nova construção. Finalmente, hoje temos partes principais das casas padronizadas em kits, de forma a fazer habitações com desenho sofisticado, capazes de atingir altos níveis de sustentabilidade, sem estourar o orçamento. Desenvolvemos diferentes projetos em diferentes lugares da América, todos com o objetivo de custar menos e respeitar mais o meio ambiente.
ÉPOCA – A construção civil não pareceu evoluir, nas últimas décadas, no mesmo ritmo de setores da manufatura, como fábricas de componentes eletrônicos ou automóveis. Por quê?
Duggan –
 Não precisa ser assim. Cada edifício é único, mas seus princípios podem ser reproduzidas. Uma equipe pode adaptar técnicas padronizadas de construção à realidade local. A melhor forma de multiplicar inovação é formar uma equipe de designers, arquitetos, planejadores e engenheiros que entendem de projeto sustentável e sabem como aplicá-los ao terreno, qualquer que ele seja.
ÉPOCA – A transformação de Nova Orleans numa cidade verde foi facilitada pela tragédia do Furacão Katrina, que desabrigou cerca de 80% da população. A necessidade de modernizar as casas tornou-se indiscutível e urgente, uma vez que já estavam destruídas. O governo federal investiu na reconstrução. Gente inovadora e influente do mundo inteiro dedicou-se a ajudar.  Sem a tragédia, a ONG Make it Right nem existiria. Como transformar cidades sem depender de uma circunstância tão extrema?
Duggan –
 Muitas comunidades enfrentam desastres econômicos, não apenas desastres naturais como o Furacão Katrina. Podem, da mesma forma, transformar a crise em oportunidade. Em Nova Orleans, concluímos que a mudança não viria no primeiro dia. Teríamos de formar uma equipe persistente em torno de uma grande ideia, capaz de resistir até haver massa crítica e mobilização. Começamos com um projeto pequeno, até que as comunidades se engajaram. Não apenas um setor da sociedade é dono desse movimento. Os moradores de Nova Orleans pressionaram as autoridades a apoiar uma política diferente.
ÉPOCA – Como é trabalhar com Brad Pitt?
Duggan – 
Ele é um líder feroz, que nos encorajou a inovar em cada passo do projeto. É maravilhoso fazer parte de uma equipe que realmente quer fazer o bem e mudar o mundo, em termos de urbanismo.