terça-feira, 16 de dezembro de 2014

A internet não esquece

Demi Getschko


O que nos cerca muda rapidamente e nem sempre nos damos conta disso. Nos velhos tempos, por exemplo, se alguém recebia uma carta de que não gostava ou que o ofendia, podia rasgá-la ou queimá-la e ela desapareceria para sempre, sem vestígios. Hoje, com os meios baratos e quase infinitos de armazenamento eletrônico de informações, pode ser impossível nos livrarmos de um simples e-mail.
Claro que podemos apagar a mensagem que nos incomodou, mas é pouco provável que ela, de fato, suma definitivamente. Para manter a confiabilidade e garantia contra erros involuntários dos clientes, os provedores sérios de correio eletrônico guardam cópias – os “backups” – que, queiramos ou não, podem preservar coisas à nossa revelia. E sem falar do que nós mesmos colocamos impensadamente na rede e, mais tarde, concluímos que foi uma bobagem ter feito aquilo. Ah, se arrependimento matasse… Como Turiddu diz a Santuzza na ópera Cavalleria Rusticana, depois de uma acalorada discussão, “pentirsi è vano dopo l’offesa”, ou seja, é inútil penitenciar-se depois de cometer uma ofensa.
Assim, o que é colocado na internet pode tornar-se irremovível na prática: ou os próprios sistemas de armazenamento irão guardá-lo ou, se causou algum impacto bom ou mau entre os usuários, alguém terá tirado uma cópia. A conclusão é fácil de dar e difícil de cumprir, como todos os bons conselhos: não devemos colocar nada em rede aberta de que possamos nos arrepender mais tarde. Mas quem resiste à tentação de replicar algo interessante que leu, mesmo sem ter nenhuma certeza de que seja um fato real e não uma simples invenção de alguém? Minha avó usava uma expressão grega para coisas que fazemos impulsivamente e depois não mais podemos desfazer. Dizia: “pronto! caiu o açúcar na água”. Se jogarmos uma colher de açúcar num tanque de água, por mais que filtremos não conseguiremos removê-lo: sempre algo sobrará diluído lá no meio.
Essa característica da rede compromete também a eficácia de um eventual direito que se postula hoje: o direito ao esquecimento. Um parêntese aqui: como engenheiro, tenho sérias dúvidas lógicas de como poderíamos ter direito sobre algo que não está em nosso controle. Eu, certamente, tenho direito de esquecer – e certamente esquecerei – coisas que estão em minha memória, mas não imagino como ter direito a que você esqueça coisas que estão na sua memória. Mesmo que esse “sua” se refira à internet.
Bem, supondo que esse direito exista, líquido e certo, não há como magicamente apagar todas as referências a algo na rede. Mesmo que os buscadores recebam ordens para ignorar o tal conteúdo e não indexá-lo, em algum lugar estará armazenado, pronto para sair à luz num momento futuro.
Hoje, quando floresce o narcisismo e o individualismo, popula-se a rede com autofotografias nas mais variadas situações, às vezes para documentar, muitas vezes só para satisfazer o ego. O demônio, pela boca de Al Pacino no filme Advogado do Diabo, afirma categoricamente: “vaidade é meu pecado preferido”. A internet não esquece, e aí é que mora o perigo.
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Luciano Martins Costa: O que esconde o bombardeio da Petrobras pela mídia?

Os jornais fazem um retrato tenebroso da situação em que se encontra a Petrobras, um mês depois de revelada a extensão das negociatas que envolveram políticos, dirigentes da estatal e grandes empreiteiras que fazem parte de sua constelação de negócios. Os números são tão grandiosos que o leitor é incapaz de imaginar o volume de dinheiro desviado em negócios superfaturados.
O resultado é que, quanto mais atenção coloca no noticiário, menos capaz fica o cidadão de abranger todo o contexto. Na terça-feira (16/12), porém, surge uma ponta da meada que permite entender a lógica da imprensa: com seu valor reduzido seguidamente por conta do escândalo, sob ameaça de ações judiciais nos Estados Unidos e no Brasil, e ainda sob risco de ver seus principais fornecedores serem condenados e proscritos, analistas começam a afirmar que a estatal estaria impossibilitada de seguir explorando a reserva de pré-sal (ver aqui e aqui).
Como se sabe, os 149 mil km2 da província do pré-sal apresentam uma taxa de produtividade muito acima da média mundial e já são a fonte de quase 30% de todo o óleo extraído pela empresa. Feita a projeção de crescimento dos atuais 550 mil barris por dia em 25 poços produtores, daqui a três anos, com quase 40 poços ativos, o pré-sal deverá suprir 52% da oferta de petróleo no Brasil.
Num cenário em que o preço internacional do óleo cai abruptamente, cresce o valor estratégico da empresa brasileira justamente pelo fato de estar próxima de dar ao Brasil a oitava maior reserva do mundo, com 50 milhões de barris ou mais, qualificando o país como protagonista no setor.
Qual era a vantagem estratégica da Petrobras em relação às demais gigantes do setor? Exatamente o fato de possuir suas principais áreas de exploração em uma região sem conflitos militares, sem instabilidade política e plenamente conformada às normas e regulações internacionais. Até mesmo os riscos ambientais alardeados na década passada, quando foi anunciada a decisão de explorar as reservas de alta profundidade, foram desmentidos com o tempo.
O escândalo envolvendo a empresa a torna vulnerável a ataques de todos os tipos, mas principalmente abre caminho para as forças que têm interesse em alterar o marco regulatório do pré-sal.
Interesses poderosos
Há corrupção nos negócios da Petrobras? Certamente, muito do que tem sido noticiado nos últimos meses acabará sendo comprovado, mas há um aspecto que não vem sendo considerado pela imprensa: a corrupção é parte do processo de gestão do setor petrolífero em todo o mundo e, no caso presente, a estatal brasileira se encontra no papel de vítima. Portanto, há uma distorção no noticiário que esconde muito mais do que o propósito de expor a relação deletéria entre negócios e política.
Embora os contratos de partilha do óleo de grande profundidade sejam geridos pela empresa Pré-Sal Petróleo S.A, criada como subsidiária da Petrobras para executar o novo marco regulatório, a operadora do sistema é a Petrobras. Cabe à estatal criada por Getúlio Vargas o ônus do processo de depuração que está em curso com as investigações que ocupam diariamente as manchetes dos jornais. Embora a maior parte dos danos seja debitada na aliança que governa o país desde 2003, principalmente ao Partido dos Trabalhadores, é o modelo do negócio que corre risco.
É pouco conhecido o fato de que a Petrobras não se tornou uma estatal com o novo marco regulatório: apenas 33% do capital pertencem ao Estado, e 67% estão em mãos privadas. O que mantém o controle da empresa em mãos do Estado é o fato de que este controla metade mais uma do total de ações com direito a voto, o que preserva a Petrobras como sociedade de economia mista.
Não é, então, a condição legal da empresa que pode mover interesses poderosos, mas o sistema de exploração do pré-sal: pelo modelo antigo, de concessão, as companhias concessionárias podiam fraudar facilmente os custos de extração, reduzindo a parcela a ser paga tanto em royalties ao Tesouro quanto em barris de petróleo a serem entregues ao sistema de refino e distribuição. O modelo de partilha, criado pelo novo marco regulatório de 2009, mantém sob controle mais rigoroso o usufruto dessa riqueza natural por parte do Brasil.
O bombardeio constante e diário de notícias sobre a corrupção esconde outros aspectos desse jogo.
 Leia também:

É a geopolítica, estúpido!, por Miguel do Rosário

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Agora as coisas estão mais claras!
Enquanto a mídia brasileira, sórdida como sempre, tenta faturar politicamente com o declínio das ações da Petrobrás, a imprensa internacional começa a desvendar o que está por trás da brutal queda nas cotações de petróleo.
Duas matérias na Reuters nos dão uma ideia do que está acontecendo.
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Antes, duas notícias boas.
1) As ações da Petrobrás pararam de cair. Na Bovespa, devem fechar nesta terça 16 acima de R$ 9,4, com alta entre 2% e 4%.
2) Na bolsa de NY, os papeis da Petrobrás também estão terminando o pregão em alta, valendo US$ 6,39. Ontem, haviam fechado em $6,26.
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As duas notícias da Reuters são as seguintes.
Uma fala sobre a violenta desvalorização do rublo, moeda russa, causada pelo declínio dos preços do petróleo.
Outra fala sobre a estratégia da Arábia Saudita, aliada dos EUA, de usar o petróleo para atingir a Rússia e o Irã, ambos sofrendo sanções econômicas da ONU e ambos fortemente dependentes do petróleo.
A Arábia Saudita, regida por sunitas, é inimiga mortal do Irã, controlado por xiitas, e quer reduzir a influência dos aiatolás na região.
Da leitura das análises acima, conclui-se facilmente que os EUA estão por trás da tática, visando dois objetivos:
1) Vergar o governo russo, ou mesmo derrubar sua principal liderança, Putin, que venceu uma guerra fria (ou nem tão fria assim) na Ucrânia, motivo pelo qual sofre sanções; apoiou a Síria; e fornece tecnologia nuclear ao Irã.
2) Derrubar o regime iraniano, cuja economia, já fragilizada pelas sanções, depende mais do que nunca de preços do petróleo acima de US$ 100. Os EUA são inimigos mortais do Irã, por constituírem o último produtor de petróleo no oriente médio não alinhado ao império, e com planos de desenvolver tecnologia nuclear.
A Petrobrás é uma vítima colateral do processo (ou nem tão colateral assim, como veremos a seguir).
Sua situação agrava-se, naturalmente, pelos bombardeios internos causados pela operação Lava Jato.
Os EUA vivem uma situação energética temporariamente confortável, por causa da nova tecnologia que lhe permite explorar o petróleo de xisto. E também porque a economia americana, ainda deficitária em petróleo, não perde com a queda nos preços do combustível. Ao contrário, a medida ajuda a baixar o custo de vida dos americanos.
Sem contar a possibilidade, algo conspiratória, dos EUA também estarem interessados em baixar a bola do governo brasileiro, que acaba de realizar três grandes operações militares: a compra dos caças suecos, num processo que transferirá tecnologia para o Brasil produzir seus próprios caças; o avanço da construção do nosso primeiro submarino nuclear; e o lançamento bem sucedido de um satélite em conjunto com a China.
A nova direita americana, paranoica e aberta aos delírios do Tea Party, deve temer que um governo forte e nacionalista no Brasil possa enveredar-se em aventuras “bolivarianas”. Debilitar a Petrobrás, e, por consequência, o poder de fogo do governo recém-eleito, viria bem a calhar ao Tio Sam. Até porque facilitaria a introdução de argumentos em prol da privatização do pré-sal.
Não podemos esquecer que a NSA espionou a Petrobrás e a presidenta Dilma.
Com uma operação assim, os EUA matam três coelhos com uma só porrada.
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A economia brasileira, todavia, não é, nem de longe, tão dependente do petróleo como Rússia ou Irã.
A queda no preço do barril apenas leva a Petrobrás a postergar investimentos, enxugar custos, estabelecer prioridades, aguardando a poeira assentar, e as coisas se normalizarem.
Como o Brasil, assim como os EUA, ainda consome mais do que produz, a queda nos preços do petróleo ajuda a derrubar a inflação.
A Petrobrás, por sua vez, tem a vantagem de ser a principal revendedora de refinados no país, um negócio que se beneficia dos preços baixos do barril.
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Conclusão: a queda no preço do petróleo e, por consequência, no valor das ações da Petrobrás, tem motivos geopolíticos muito mais profundos do que um escândalo de corrupção, o qual está sendo investigado e punido.
A Petrobrás resistirá, e sairá da crise ainda mais forte, porque mais enxuta e mais experiente.
A economia brasileira, por sua vez, enfrentará a crise com relativa facilidade, em virtude de sua enorme diversificação.
A guerra entre Obama e Putin nos afeta, claro, mas a economia brasileira saberá se ajustar rapidamente às novas variáveis.
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