domingo, 7 de dezembro de 2014

O ponto de não-retorno Por Luciano Martins Costa em 04/12/2014 na edição 827 OI

O noticiário de quinta-feira (4/12) sobre o escândalo da Petrobras alcança o ponto perseguido desde o início pela imprensa nos vazamentos seletivos de declarações colhidas da investigação: demonstrar que o dinheiro desviado da estatal alimentou o sistema oficial de doações para partidos políticos. Pelo que tem sido publicado aqui e ali, a relação de beneficiários alcança quase todas as siglas, mas o foco do noticiário é a aliança governista.
O fato de as manchetes se referirem apenas ao Partido dos Trabalhadores e seus aliados mais próximos é apenas uma das características do correligionarismo da imprensa. Em páginas internas há reportagens citando pelo menos 19 governadores que foram eleitos com dinheiro das empreiteiras acusadas de pagar propina para obter contratos no setor de petróleo e gás. O governador eleito da Bahia, Rui Costa (PT), e o paulista Geraldo Alckmin (PSDB) receberam as maiores fatias.
As doações feitas pela Camargo Corrêa, Engevix, Galvão Engenharia, OAS, Odebrecht e UTC, segundo os jornais, também alimentaram as campanhas dos candidatos à Presidência da República Dilma Rousseff e Aécio Neves. No entanto, há uma grosseira confusão no noticiário, entre as denúncias de pagamento de propina para a divisão fraterna de obras e serviços para a Petrobras e o sistema de financiamento de campanhas eleitorais.
Entre os dados divulgados até aqui, há muita declaração, mas o julgamento vai exigir provas de conexão direta entre as comissões pagas pelas empreiteiras para obter negócios com a estatal e o dinheiro que alimentou os caixas de praticamente todos os partidos. Evidentemente, essa conexão brota no senso comum, e certamente nove entre dez brasileiros estão convencidos de que todo sobrepreço fixado sobre qualquer contrato tinha como contrapartida uma contribuição para as eleições.
Acontece que nem tudo que sai no noticiário vai se reproduzir como peça judicial. O que a imprensa produz é uma predisposição ao julgamento, que pode vir a ser alterada ou descartada no processo. Entretanto, o que fica no imaginário é a impressão de que o sistema democrático é essencialmente corrupto.
Doações suspeitas
No final da linha de montagem dos vazamentos, esse será o sentido da decisão que deverá ser tomada, provavelmente no plenário do Supremo Tribunal Federal. As frases dos delatores, selecionadas criteriosamente pelos investigadores e reproduzidas pela imprensa com o cuidado de preservar alguns partidos e criminalizar outros, vão compondo um quadro onde já se pode observar a absoluta insustentabilidade do sistema de financiamento das instituições que são a base do sistema representativo.
Então, por que os jornais não vão direto ao ponto, levantando o debate sobre o modelo de doações paralelamente ao conta-gotas das denúncias?
A falta de esclarecimento sobre as alternativas que poderiam defender o sistema dos constantes ataques da corrupção estimula as manifestações dos adeptos da ditadura, que, embora em número reduzido, se apresentam para tumultuar as sessões do Congresso e tentar impor pela truculência seus slogans obscurantistas.
Há qualquer coisa estranha no ar. Os editores sabem que não poderão manter acobertado por muito mais tempo o fato de que a corrupção afeta todos o sistema partidário. O recorte que se faz no noticiário vai se desvanecer durante o julgamento, e não há eleições presidenciais no horizonte.
Qual seria, então, o projeto por trás desse movimento?
A análise das contas da campanha presidencial de Dilma Rousseff está nas mãos de um notório desafeto do Partido dos Trabalhadores, o ministro do STF Gilmar Mendes. O candidato derrotado à Presidência, Aécio Neves (PSDB), e seus principais aliados, estimulam sem disfarces os manifestantes que imaginam poder realizar um terceiro turno por vias tortas. A imprensa começa a dar ressonância à hipótese de um pedido de impeachment. 
O processo é o mesmo que foi tentado contra o então presidente Lula da Silva em 2006: sem coragem para verbalizar o impronunciável em seus editoriais, os donos da mídia liberam seus pitbulls, articulistas pagos para corromper o discurso jornalístico à base do achincalhe; depois, racionalizam a indecência com declarações encomendadas.
Se todas as doações a partidos são produto de corrupção, chegamos ao ponto de não-retorno. O que virá em seguida?

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

OS SENTIMENTOS DE AMOR E ÓDIO NA CAMPANHA ELEITORAL



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Leonardo Boff
Dizer que o brasileiro é um “homem cordial” vem do escritor Ribeiro Couto, expressão generalizada por Sérgio Buarque de Holanda em seu conhecido livro “Raízes do Brasil”. Ele entendia a cordialidade no sentido estritamente etimológico: vem de “coração”. O brasileiro se orienta muito mais pelo coração do que pela razão. Do coração podem provir o amor e o ódio.
Escrevo isso para entender os sentimentos cordiais que irromperam na campanha presidencial de 2014. Houve declarações de entusiasmo e de amor para os dois candidatos do segundo turno e de ódio profundo de ambas as partes do eleitorado.
Talvez em nenhuma campanha anterior tenham-se expressado os gestos cordiais dos brasileiros no sentido de amor e ódio contidos nessa palavra. Quem seguiu as redes sociais se deu conta dos níveis baixíssimos de polidez, de desrespeito mútuo e até falta de sentido democrático como convivência com as diferenças. Essa falta de respeito repercutiu também nos debates entre os candidatos, transmitidos pela TV.
Para entender melhor essa nossa cordialidade, cabe referir duas heranças que oneram nossa cidadania: a colonização e a escravidão. A colonização produziu em nós o sentimento de submissão. Em consequência, criaram-se a casa-grande e a senzala. Elas foram internalizadas na forma de um dualismo perverso: de um lado, os senhores que tudo possuem, e, do outro, o servo que pouco tem. Essa estrutura subsiste na cabeça das pessoas e se tornou um código de interpretação da realidade.
ESCRAVIDÃO
Outra tradição muito perversa foi a escravidão. Houve uma época em que mais da metade do Brasil era composta de escravos. Hoje, cerca de 60% da população possui algo em seu sangue de escravos afrodescendentes. A escravidão foi internalizada na forma de discriminação e preconceito contra o negro.
As consequências dessas duas tradições estão no inconsciente coletivo brasileiro em termos de status social. Diz-se que o negro é preguiçoso, quando sabemos que foi ele quem construiu quase tudo que temos em nossas cidades. O nordestino é ignorante porque vive no semiárido sob pesados constrangimentos ambientais, quando é um povo altamente criativo, desperto e trabalhador. Do Nordeste nos vêm grandes escritores, poetas e atores. No Brasil de hoje, é a região que mais cresce economicamente, acima da média nacional. Mas os preconceitos os castigam à inferioridade.
Todas essas contradições de nossa cordialidade apareceram nas redes sociais. Somos seres contraditórios em demasia.
AMBIGUIDADE
Acrescento ainda um argumento de ordem antropológica para compreender a irrupção dos amores e ódios nessa campanha eleitoral. Trata-se da ambiguidade frontal da condição humana. Cada um possui a sua dimensão de luz e de sombra, de simbólica (que une) e de diabólica (que divide). Cada um deve saber equilibrar essas duas forças.
Esses meses de campanha eleitoral mostraram quem somos por dentro, cordiais no duplo sentido: cheios de raiva e de indignação e, ao mesmo tempo, de exaltação positiva e de militância séria.
Devemos procurar entender e buscar formas civilizadas de cordialidade nas quais predomine a vontade de cooperação em vista do bem comum, se respeite o legítimo espaço de uma oposição inteligente e se acolham as diferentes opções políticas. O Brasil precisa se unir para que todos juntos enfrentemos os graves problemas internos e externos, num projeto por todos assumido, para que se transforme o país na “terra da boa esperança” (Ignacy Sachs).

Um projeto de extorsão contra a patuleia, Elio Gaspari

Empreiteiras querem se passar por Madres Teresas

Dois diretores de empreiteiras disseram à Justiça que foram extorquidos pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e seu operador financeiro, Alberto Youssef. Se não pagassem, teriam seus contratos prejudicados ou até mesmo cancelados. A tese é engenhosa. Pressupõe que empresas angelicais que fazem negócios com a Petrobras tornaram-se vítimas de dois demônios. Para que a pizza fosse ao forno, faltaria só o orégano.
A primeira denúncia da extorsão veio de Sérgio Mendes, vice-presidente e herdeiro da tradicional Mendes Junior, fundada em 1953 por seu avô. Ele contou que em 2011, a mando de Paulinho, pagou R$ 8 milhões a Youssef. Se não fizesse isso, estariam fechadas as portas e os guichês da Petrobras. A Mendes Junior opera com o governo brasileiro há três gerações e com a Petrobras há pelo menos duas. Teve negócios bilionários (em dólares) com a cleptocracia de Saddam Hussein no Iraque. Admita-se que jamais molhou mãos alheias. Tendo sido obrigada, em 2011, não denunciou o malfeito. Seria tudo coisa do Paulinho e do Youssef.
A segunda denúncia de extorsão veio do diretor de Óleo e Gás da Galvão Engenharia, doutor Erton Medeiros. Seu advogado, José Luis de Oliveira Lima, explicou por que a Galvão ficou calada: “Se ele denunciasse o que estava acontecendo, era ameaçado de perder os contratos. Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef estão longe de serem Madres Teresas de Calcutá”.
Bingo! Paulinho e Youssef são delinquentes, mas colaboram com a Viúva. Madres Teresas seriam a Galvão Engenharia e suas colegas. Segundo o doutor Erton, na origem de tudo estaria o deputado José Janene (morto um ano antes), e o dinheiro do achaque iria para o Partido Progressista. Bingo de novo, e surge mais uma Madre Teresa: o PT.
Durante a última campanha eleitoral, a Galvão Engenharia deu R$ 1,4 milhão ao Diretório Nacional do PT, partido da doutora Dilma. Portanto, a empresa foi achacada por dois delinquentes, não se queixou, e fez uma bela doação ao partido que, governando o país, nomeou Paulinho para uma diretoria da Petrobras. Entre 2006 e 2012, as grandes petroempreiteiras torraram R$ 856 milhões em doações para campanhas eleitorais. O PT ficou com R$ 266 milhões.
Nessa batida, a coisa fica assim: os dois delinquentes que estão colaborando com a Viúva achacavam empresas, e uma delas entrou na dança levada por um deputado que morreu, em benefício de um partido subsidiário. Tudo o mais seria golpismo, terceiro turno, e coisa de uma elite contrariada. Já a elite lubrificada, à qual ascendeu o comissariado petista, vai bem, obrigado.
UM GABINETE DE CRISE PARA AS TARIFAS
É conhecida a piada segundo a qual os generais combatem nas novas guerras as batalhas de guerras passadas.
O palácio do Planalto criou um “gabinete de crise” para cuidar dos escândalos da Petrobras. Se tivesse feito isso em março, quando a Polícia Federal prendeu pela primeira vez o “amigo Paulinho”, talvez pudesse ter evitado protegê-lo, considerando até mesmo “satisfatório” o acervo de patranhas que ele despejou sobre a CPI antes de decidir colaborar com a Viúva.
Se a doutora Dilma quiser criar um gabinete de crise necessário e eficaz, poderia começar a cuidar do aumento das tarifas de ônibus em São Paulo. Não é para já, mas está na agenda.
Em 2013, o prefeito Fernando Haddad baixou o aumento e foi para Paris acompanhando o governador Geraldo Alckmin. Juntos, cantaram “Trem das onze” num evento. As manifestações contra a nova tarifa, que haviam começado mornas, viraram o que viraram.
O TAMANHO DE PRESTES
Está nas livraria “Prestes — Um revolucionário entre dois mundos”, do historiador Daniel Aarão Reis. A vida do chefe comunista, que morreu em 1990, aos 92 anos, mistura-se com a história do século XX, da esquerda e até mesmo com a da anarquia militar do período. Aarão Reis lidou com essas dimensões e mais a história pessoal às vezes trágica e amarga de um estoico. Pesquisou arquivos russos, entrevistou dezenas de pessoas e compôs um grande retrato do comandante do PCB. Prestes foi um chefe maior que seu partido. Encolheu com ele, encolhendo-o. Ao final, extinguiram-se tanto sua liderança como a importância da organização.
“Prestes” passa longe da mitologia do “Cavaleiro da Esperança”. É uma biografia elegante e arduamente trabalhada. Ela acrescenta informações à vida de Olga Benário, mãe de sua primeira filha, entregue por Vargas à polícia nazista. Quando Olga veio para o Brasil era casada com um russo e tinha um filho na União Soviética. Graças a uma gravação de uma reunião do PCB, ocorrida em Praga, Aarão Reis mostra que em 1979 o debate dos “capa-pretas” estava contaminado por uma denúncia de tráfico internacional de drogas.
Aarão Reis juntou a esse cenário a vida familiar de Prestes, que teve sete filhos com sua segunda mulher, Maria, um grande personagem. A clandestinidade obrigava as crianças a chamá-lo de “Tio”. Quatro delas montaram em Moscou o quarteto musical “Saci-Pererê”.
Prestes perdeu todas, em 1927, 1935, 1945 e 1964. Terminando-se o belo livro de Aarão Reis, fica uma pergunta: sem ditaduras, polícias e militares a persegui-lo, de que tamanho ele ficaria?
DIÁRIO DE MÁRCIO
Como o advogado Márcio Thomaz Bastos fixou a abertura do diário que manteve durante o tempo em que foi ministro da Justiça, para 50 anos depois de sua morte, o comissariado pode pôr um teto na sua expectativa de vida tranquila:
Lula, 119 anos; José Dirceu, 118 anos; Antonio Palocci, 104 anos.
O poderoso Oxalá fez com que Márcio, um defensor das cotas raciais, morresse no dia da Consciência Negra.
MILAGRE
Com jeito de quem não quer nada, a doutora Dilma congelou o projeto do Trem Bala, estimulado durante o governo de Nosso Guia. Antes que o BNDES mostrasse que a primeira proposta era fantasia em estado puro, a ideia chegou a encantá-la.
Se a coisa tivesse andado, acabaria num escândalo bilionário, parecido com o da Petrobras. Custaria no mínimo R$ 35 bilhões e já custou perto de R$ 70 milhões com nuvens, papéis e burocracia. Em benefício das grandes empreiteiras, foram elas quem pisaram no freio.
O primeiro comissário encarregado do projeto, José Francisco das Neves, ou “Doutor Juquinha”, passou alguns dias na cadeia em 2012, por conta de outros malfeitos.
TORCIDA
Há uma forte torcida para que a lista dos parlamentares apanhados pelo Ministério Público seja divulgada antes da eleição para a mesas da Câmara e do Senado.
Se for possível, o ministro Teori Zavascki poderá apressar o serviço, evitando a desmoralização do Congresso. Apesar disso, seria injusto cobrá-lo, pois lá não há bobos. Os congressistas podem não saber quem está na lista, mas sabem quem deveria estar.
Elio Gaspari é jornalista


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