terça-feira, 10 de setembro de 2013

Ficção universitária

HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO - Os dados do Ranking Universitário Folha (RUF), divulgados ontem, trazem elementos para que tentemos desfazer o mito, que consta da Constituição, de que pesquisa e ensino são indissociáveis.
É claro que universidades que fazem pesquisa tendem a reunir a nata dos especialistas, produzir mais inovação e atrair os alunos mais qualificados, tornando-se assim instituições que se destacam também no ensino. O RUF mostra essa correlação de forma cristalina: das 20 universidades mais bem avaliadas em termos de ensino, 15 lideram no quesito pesquisa (e as demais estão relativamente bem posicionadas). Das 20 que saem à frente em inovação, 15 encabeçam também a pesquisa.
Daí não decorre que só quem pesquisa, atividade estupidamente cara, seja capaz de ensinar. O gasto médio anual por aluno numa das três universidades estaduais paulistas, aí embutidas todas as despesas que contribuem direta e indiretamente para a boa pesquisa, incluindo inativos e aportes de Fapesp, CNPq e Capes, é de R$ 46 mil (dados de 2008). Ora, um aluno do ProUni custa ao governo algo em torno de R$ 1.000 por ano em renúncias fiscais.
Não é preciso ser um gênio da aritmética para perceber que o país não dispõe de recursos para colocar os quase 7 milhões de universitários em instituições com o padrão de investimento das estaduais paulistas.
E o Brasil precisa aumentar rápido sua população universitária. Nossa taxa bruta de escolarização no nível superior beira os 30%, contra 59% do Chile e 63% do Uruguai. Isso para não mencionar países desenvolvidos como EUA (89%) e Finlândia (92%).
Em vez de insistir na ficção constitucional de que todas as universidades do país precisam dedicar-se à pesquisa, faria mais sentido aceitar o mundo como ele é e distinguir entre instituições de elite voltadas para a produção de conhecimento e as que se destinam a difundi-lo. O Brasil tem necessidade de ambas.

Combater o tabu para evitar o suicídio

HUMBERTO CORRÊA

Investir em estudos sobre o suicídio nos permitirá melhor compreendê-lo e preveni-lo. Lutar contra esse estigma salvará muitas vidas
O suicídio é um tabu social, mas é também um problema de saúde pública --em escala global.
Um milhão de pessoas se suicidam a cada ano em todo o mundo, o que representa uma morte a cada 1 minuto e 9 segundos. No Brasil, calcula-se que sejam pelo menos 9.000 óbitos por ano, 25 por dia --um número certamente subestimado.
No nosso país, tivemos um aumento de 30% da mortalidade por suicídio entre jovens, principalmente homens, nas últimas duas décadas. São milhares de brasileiros que perdemos todos os anos. Mas muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas.
Todos nós conhecemos alguém próximo que morreu por suicídio, ou fez uma tentativa grave. A despeito disso, não falamos no assunto, ou o fazemos à boca pequena.
É um assunto proibido. Não temos grande cobertura por parte da mídia, que, na maioria dos casos, acredita, erroneamente, que abordar o assunto incentivaria suicídios.
Não existem campanhas de saúde pública para tratar o tema. Nosso país, ao contrário de outros, ainda não tirou do papel sua estratégia nacional de prevenção ao suicídio.
Quando um assunto é tabu, não o discutimos abertamente, não estudamos, não pesquisamos. Jogamos para debaixo do tapete.
De onde surgiu esse estigma, esse tabu? O suicídio existe desde que existe o ser humano. Temos relatos de suicídios nas mais antigas e variadas culturas. Na nossa cultura, ocidental cristã, o suicídio se transformou pouco a pouco em uma questão problemática.
Santo Agostinho, ao ser nomeado bispo de Hippo, foi confrontado com a igreja donástica, um movimento depois considerado herético que venerava como santas as pessoas que se jogavam de alturas para atingir o céu.
Para enfrentá-los, santo Agostinho, no "Cidade de Deus", vai dar nova abordagem ao sexto mandamento --"não matarás"-- com uma especificação: "Nem a outro nem a si próprio". Essa visão ganha força, e o suicídio se transforma não apenas em pecado, mas no pior dos pecados, a grande sina.
Por exemplo, o suicida não teria direito às honras fúnebres, não poderia ser enterrado em cemitério cristão. Quem tentasse suicídio seria excomungado. Essa visão impregnou corações e mentes.
Nos vários Estados nacionais que vão surgindo na Europa, os códigos penais previam punição ao suicida --por exemplo, pelo confisco dos bens, ou esquartejando o corpo do suicida. Quem tentasse suicídio poderia ser preso e, paradoxalmente, até condenado à morte.
Hoje, a maioria dos Estados não criminaliza mais o suicídio, embora alguns poucos, infelizmente, ainda o façam.
Sabemos hoje que praticamente 100% dos suicidas têm um transtorno psiquiátrico que muitas vezes não fora, entretanto, diagnosticado ou corretamente tratado. O sofrimento causado pela doença psiquiátrica e outros fatores podem levar a pessoa a pensar em se matar.
Identificar rapidamente pessoas com transtornos psiquiátricos, principalmente depressão, pessoas que falam em se matar, e sugerir a elas um tratamento adequado, o mais rapidamente possível, é algo que todos podemos fazer. Pressionar o poder público para estabelecer campanhas e estratégias de prevenção, com segmento de todas as pessoas que fizerem tentativas graves de suicídio, todos nós devemos fazer. Investir em mais estudos e pesquisas sobre o tema nos permitirá melhor compreendê-lo e prevenir o ato.
Discutir o assunto à luz do dia é nossa obrigação. Lutar contra esse estigma, contra esse tabu, salvará muitas vidas.
Daí a importância de se instituir, a partir deste ano, a data 10 de setembro como dia mundial de prevenção ao suicídio, o que foi feito muito acertadamente pela Associação Internacional de Prevenção ao Suicídio (Iasp) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Rio Tietê pode ganhar marginal subterrânea e parque linear em SP


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MARIO CESAR CARVALHO
DE SÃO PAULO
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Trens correndo no subterrâneo, tal qual metrô, na região central de São Paulo. Parque linear restituindo o verde e a água das chuvas nas margens do rio Tietê. Investimentos que podem chegar a R$ 20 bilhões.
Ambição é o que não falta ao Arco Tietê, plano que a prefeitura começa a debater hoje. É o primeiro passo para a criação do Arco do Futuro, principal projeto urbano do prefeito Fernando Haddad (PT), cujo objetivo é juntar moradia, emprego e requalificação do espaço.
Ideias como o enterramento dos trilhos de trem, que hoje cortam a cidade como um muro, foram apresentadas por 17 consórcios para uma área que vai do entroncamento das rodovias Anhanguera/Bandeirantes (zona oeste) à Dutra (zona norte), cortada pelo rio Tietê, e equivale ao tamanho da ilha de Manhattan, em Nova York.
AMBIÇÃO
O secretário de Desenvolvimento Urbano da prefeitura, o arquiteto Fernando de Mello Franco, disse à Folha que só um projeto desse porte pode mudar São Paulo.
"Não tenho medo do gigantismo do plano. Se não pensarmos grande, a cidade vai se amesquinhar."
Mello Franco cita dois marcos da história de São Paulo para ilustrar onde quer chegar: Prestes Maia (1896-1965), o prefeito que criou o plano de avenidas nos anos 1920-30 e mudou o traçado da cidade, e a usina hidrelétrica Henry Borden, de 1926, que alavancou a industrialização.
"O Arco Tietê é um plano para ter repercussão daqui a 30 anos", afirma. Alguns ícones, porém, devem ficar prontos em quatro anos.
Editoria de arte/Folhapress
Clique para ver o infográfico especial sobre o futuro do Tietê
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Para visualizar todas as propostas, acesse arcotiete.prefeitura.sp.gov.br
O debate que começa hoje, com uma audiência pública no Memorial da América Latina, visa confrontar as ideias dos consórcios com o que quer a população.
Após a discussão, as empresas terão seis meses para apresentar modelos mostrando a viabilidade urbana, econômica e jurídica do plano.
A área é estratégica, segundo o secretário, porque conecta a cidade com o interior, tem zonas industriais, como a produção de roupas no Bom Retiro, trem, metrô, um rio a ser recuperado e bairros pouco ocupados, como a Água Branca, com 30 habitantes por hectare, menos da metade da média da cidade (70).
Os planos dos consórcios vão de travessias só de pedestres e bicicletas sobre o rio Tietê ao enterramento da ferrovia. Há ainda o plano de criar um parque nas margens do rio, que alagaria com as chuvas e teria piscinas. Uma das propostas prevê 50 mil moradias populares.
Há planos de escritórios internacionais, como o Aecom, dos EUA, que tem 45 mil funcionários, o Arcadis, da Holanda, e o Apur (Atelier Parisien d´Urbanism), da França. Participam também empreiteiras como Odebrechet e Queiroz Galvão.
Para bancar o plano, a prefeitura pretende lançar mão de parcerias, concessões e investimento direto. Uma das ideias é oferecer áreas públicas para os consórcios em troca de investimentos.
Um exemplo: a SPU (Secretaria do Patrimônio da União) pode transferir áreas da antiga Rede Ferroviária Federal para a prefeitura, que cederia os terrenos aos consórcios.
Outra área federal que está entre os alvos do Arco Tietê é o Campo de Marte, que abriga um aeroporto. Ele pode virar parque, com construções numa pequena área.
DIFICULDADES
A maior dificuldade é como viabilizar economicamente um plano desse porte, segundo o arquiteto Guilherme Wisnik, curador da próxima Bienal de Arquitetura.
A razão é a baixa capacidade de investimento da prefeitura, por causa da dívida de R$ 54 bilhões com a União.
Há ainda o problema de conciliar as escalas das grandes vias com o cotidiano miúdo. "O grande desafio é articular obras de infra-estrutura com calçadas que estimulem o caminhar. Não é fácil transformar o entorno da marginal Tietê em uma cidade", afirma.
Ele elogia, porém, a ambição do plano. "Está havendo uma retomada do planejamento. Não mais o planejamento da ditadura, mas o que junta grandes obras com o cuidado com o pedestre."



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