sábado, 16 de março de 2013

Governo Montoro: parece que foi "amanhã"



Governo Montoro: parece que foi "amanhã"

Por: Arnaldo Jardim
Descentralizar, segundo o ex-governador paulista André Franco Montoro, era colocar o governo mais perto do povo e, por isso, torna-lo mais participativo, mais eficiente e mais democrático. Nesse dia 15 de março de 2013, comemoram-se os 30 anos da posse de Montoro, eleito em 15 de novembro de 1982 nas primeiras eleições diretas para governador após o golpe militar de 1964.

É justo resgatar o pensamento político e a sua prática administrativa daquele governo. Especialmente porque nessas três décadas, embora se venham firmando as raízes da democracia representativa brasileira estamos longe ainda da democracia participativa, aquela que testa a real qualidade dos governos e forma nações. Prova disso é que nesse mesmo período ainda somos surpreendidos frequentemente por ações e decisões autoritárias e por uma forte concentração de poderes administrativos e econômicos na União que vivem a arranhar a vocação federativa constitucional.

Reconhecido por acolher várias correntes progressistas em sua gestão, aquele Governo Democrático de São Paulo plantou as sementes para a primeira safra de participação dos cidadãos após anos de ditadura. Resgatou o respeito aos direitos humanos – foi o primeiro governo no País a criar um Conselho das Comunidades Negras e um Conselho da Condição Feminina – promoveu permanente diálogo entre as classes sociais e com os trabalhadores e o resgate das administrações locais por meio da municipalização dos recursos, serviços do estado e reposicionamento dos prefeitos como lideranças fundamentais na consolidação da República.

“O individuo”, dizia Montoro, “não mora no Estado, na União, mora no município, onde se dá todo o processo político. Logo, tudo o que for administrado em menor escala será mais bem administrado”.

No meio de uma das mais graves crises econômicas do país, com os cofres vazios herdados das administrações anteriores, o governo enfrentou de imediato uma forte contestação. Fome e desemprego foram os ingredientes que motivaram a manifestação que derrubou as grades do Palácio Bandeirantes, sede do governo paulista, dois meses após a posse de Montoro.
O governo inteiro orientou-se para enfrentar o desafio da fome. Mas os dois grandes projetos estruturantes da participação democrática daquela administração foram o da municipalização da merenda escolar (antes com fornecimento e distribuição concentrados no estado) e da criação dos escritórios regionais de governo. A municipalização da merenda incentivou a produção local, a melhoria de qualidade e a adequação regional dos alimentos. Foi um importante indutor de decisões e recursos para os municípios brasileiros. A municipalização do ensino fundamental, por exemplo, tem hoje no Brasil chancela constitucional, como constitucional e mandatório é o financiamento da educação e o aperfeiçoamento do magistério.

A urgência em debelar a fome reforçou a determinação de descentralizar a administração paulista. Secretaria do Planejamento e Cepam – Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal, da Fundação Prefeito faria Lima, vinculado à Secretaria do Interior, produziram moderna radiografia paulista. O estado foi dividido em 42 regiões autônomas (Escritórios Regionais de Governo) reunidas pela homogeneidade de seus problemas e aspirações e regidas por conselhos deliberativos e executivos de prefeitos, das secretarias e instituições estaduais e com participação das populações locais.

Na Secretaria do Interior, comandada por Chopin Tavares de Lima, antigo companheiro de lutas de Montoro, concentrava-se a efervescência política das praticas de descentralização. Chopin foi essencialmente uma figura programática e pragmática de governo. Em sua secretaria estavam abrigadas a Coordenadoria dos Escritórios Regionais do Governo, a Fundação Prefeito Faria Lima, a Sudelpa - Superintendência do Desenvolvimento do Litoral e um grupo eclético e criativo de democratas cristãos, ambientalistas, comunistas e socialistas ligados por profundas convicções democráticas e ética política.

Dali sugiram ideias como a da vaca mecânica, máquina que produzia leite de soja, sucos e sopas para compor a merenda escolar, da produção de peixes em represas do estado e dos consórcios intermunicipais, formados para atacar e resolver problemas comuns como de abastecimento de água, destino final de esgotos e resíduos sólidos, informatização, compra de remédios e fabricação de materiais de construção. Os consórcios – como os de uso e conservação das águas – estão hoje incorporados à vida nacional como alternativa política e gerencial eficaz à centralização de decisões e recursos nos na União e nos estados.

Chopin vislumbrou um novo padrão: “ser um bom prefeito é garantir um profundo sentido social em sua administração, priorizando programas de alimentação, assistência ao pequeno produtor, educação, saúde e realizando um trabalho eficiente medido também pelo grau de integração da comunidade”.

As ideias do municipalismo progrediram no Governo Democrático de São Paulo com o engajamento do vice-governador Orestes Quércia, eleito para governar São Paulo na gestão seguinte. Quércia liderou os prefeitos paulistas e de outros estados nas propostas de legislação destinada a garantir maiores recursos ordinários e constitucionais e efetiva autonomia republicana aos municípios. Consolidou, no estado, a emergência dos prefeitos como sujeitos das histórias de seus municípios. Governador, prosseguiu com foco no cidadão e nos municípios quando lançou o Rádio Patrulhamento Padrão, uma iniciativa de aproximar a polícia da comunidade e
desenvolveu ações de fortalecimento do interior, como a da regionalização da produção.

O fortalecimento dos municípios, dos prefeitos, a descentralização política e executiva do estado e a participação do povo nas decisões sobre seu destino valeram a São Paulo uma importante liderança na luta contra a ditadura e, especialmente, no movimento de reivindicação de eleições diretas para a Presidência da República. São Paulo reunião 300 mil pessoas, na Praça da Sé, no primeiro comício de porte pelas Diretas Já, em 25 de janeiro de 1984. E 1 milhão e meio de cidadãos, no dia 16 de abril seguinte, na maior manifestação democrática pelas eleições diretas realizadas no país.

Um dia houve quem confundisse – mesmo entre seus próprios pares – a vocação de Montoro para ouvir e compartilhar como fraqueza. Talvez o tempo lhes tenha ensinado que era apenas uma vocação democrática incorrigível, necessária e cada vez mais atual!

Arnaldo Jardim
Deputado Federal PPS São Paulo
Trabalhou na Secretaria do Interior no Governo Montoro (1983 a 1986).

Facebook: Deputado Arnaldo Jardim
Twitter: @arnaldojardim

sexta-feira, 15 de março de 2013

Quando menos vale mais



15 de março de 2013 | 2h 45
NELSON MOTTA - O Estado de S.Paulo
Como disse a presidente Dilma, com conhecimento de causa, para ganhar eleições faz-se o diabo. Como fez o presidente Geisel, em 1977, editando o "Pacote de abril" para ajudar a Arena a ganhar as eleições legislativas. Entre outras leis e decretos para assegurar a maioria no Congresso, dava mais cadeiras de deputados aos Estados menos populosos e mais pobres e atrasados, dominados pelo governismo e o coronelismo. Ganhou as eleições, mas até hoje o Brasil democrático perde com esse entulho autoritário.
O pretexto para o arbítrio era equilibrar as desigualdades regionais, como se mais deputados com menos votos pudessem dar mais ordem e progresso ao Acre, Amapá, Roraima, Rondônia e Sergipe, onde cada voto passou a valer no Congresso três vezes mais do que os de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, distorcendo a representatividade, a federação e o princípio democrático de "um cidadão, um voto".
O analista político Fernando Rodrigues contabilizou: em 2010, os 48 deputados eleitos por esses Estados privilegiados - que continuam entre os mais pobres e atrasados - tiveram, juntos, 1,8 milhão de votos. Já os 46 eleitos pelo Rio de Janeiro receberam 4,5 milhões de votos. Certos parágrafos valem por uma coluna inteira. Mas, além dos caciques regionais, como Sarney e Romero Jucá, quem defende a continuidade dessa partilha autoritária e casuística? Os partidos que hoje dominam esses grotões e não querem perder a vantagem que a ditadura lhes deu.
Todos concordam com a urgência de uma reforma eleitoral, mas ninguém fala nessa aberração, só em financiamento público, lista fechada, voto distrital, o que for mais vantajoso para o partido que propõe, e assim não se faz reforma alguma.
Mesmo na hora em que o pacto federativo é ameaçado pela guerra dos royalties do petróleo, pelos cortes de impostos que prejudicam os Estados, pelos critérios de distribuição dos fundos constitucionais aos entes federativos, ninguém quer discutir as distorções dos colégios eleitorais. É incrível, mas o "Pacote de abril" continua em vigor, como uma diabrura da ditadura para ganhar as eleições.

A política energética nos dez anos do PT


Adriano Pires *
Nos dez anos de governo do PT, a política energética pode ser dividida em dois períodos. O primeiro vigorou até a crise econômica mundial de 2008 e foi caracterizado pelo incentivo a novos investimentos e pela preocupação com a garantia de suprimento.

No setor de petróleo, o governo manteve o marco regulatório, dando continuidade aos leilões de petróleo, e a defasagem dos preços da gasolina e do diesel, como era pequena, penalizava pouco o caixa da Petrobrás. Os biocombustíveis viveram seu melhor momento nesse período. Todos lembram que o presidente Lula anunciava aos quatro cantos do mundo que o Brasil seria a Arábia Saudita verde. É nesse período que o governo lança o Programa do Biodiesel, e os investimentos, a produção e o consumo de etanol batem recordes. No biodiesel o governo estabelece a meta da mistura com o diesel em 5% e, assim, dá previsibilidade, o que levará à construção de várias unidades de produção. No etanol, a política de preços da gasolina permite competitividade ao biocombustível, fazendo com que autoridades do governo afirmassem que a gasolina no Brasil passaria a ser o combustível alternativo. No setor elétrico, o governo, preocupado em evitar novo racionamento, de uma forma inteligente promoveu leilões de oferta de energia para o mercado cativo e manteve o mercado livre. As regras dos leilões beneficiavam a vitória das térmicas, dentro da ideia de garantir o abastecimento. Nesse período, o governo acreditava que a melhor maneira de aumentar a oferta de energia elétrica seria através da concorrência.

Com a chegada da crise econômica e com o anúncio da descoberta do pré-sal, a política energética brasileira muda de rota. A nova rota será caracterizada pelo maior intervencionismo do Estado e pelo populismo dos preços. O primeiro setor vítima da nova política energética foi o do petróleo. A descoberta do pré-sal foi o álibi que os nacionalistas xiitas do PT precisavam para fechar o mercado do petróleo no País. Desde 2008 não foram realizados mais leilões e foi aprovado um novo marco regulatório, que dá tratamento diferencial à Petrobrás. Ao mesmo tempo, o governo, tentando evitar que a crise econômica causasse maiores impactos no País, incentivou a venda de automóveis. Uma das políticas adotadas para aumentar a venda de veículos foi congelar o preço da gasolina. A política de congelamento incentivou o crescimento do consumo e das importações de gasolina, ferindo de morte o caixa da Petrobrás. Ou seja, o governo deu mais deveres e retirou os direitos da empresa de ter liberdade de fixar os preços dos seus produtos. Nesse período, os biocombustíveis viveram e vivem seu inferno astral. O projeto Arábia Saudita verde morreu. Não existe mais marco regulatório, com o congelamento do preço da gasolina o etanol perdeu inteiramente sua competitividade, levando a uma quebradeira de inúmeras usinas, e o biodiesel está com uma enorme capacidade ociosa e sem nenhuma previsibilidade do que vai ocorrer com o porcentual de mistura.

No setor de energia elétrica, o governo abandonou a preocupação com a garantia de abastecimento e passou a ter uma política dedicada, exclusivamente, à modicidade, ou, melhor, ao populismo tarifário. O clímax dessa política foi a publicação no ano passado da Medida Provisória 579, que ignorou a necessidade de novos investimentos e promoveu um subsídio nas tarifas num momento de escassez de energia. Essa escassez, causada pela falta de chuvas, tem obrigado o governo a ligar as térmicas a gás, a carvão e a óleo, todas mais caras que as hidrelétricas. Isso deverá anular a maior parte da redução de energia, principalmente no setor industrial. E, o que é pior, deverá obrigar o governo a dar soluções mais atrapalhadas e completamente fora da lógica de mercado para preservar a artificialidade da redução dos preços vindos por lei.

A atual política energética confunde energia barata com energia competitiva e isso, no curto prazo, destruiu a Petrobrás e a Eletrobrás e, no longo prazo, promoverá apagões.
* Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).