terça-feira, 12 de março de 2013

Algumas diferenças - VLADIMIR SAFATLE


FOLHA DE SP - 12/03

Em sua última coluna ("Dilemas e cartilhas", "Ilustrada", 7/3), Contardo Calligaris levantou uma série de objeções interessantes a respeito dos problemas indicados por mim e por Marcelo Coelho sobre sua maneira de insistir em certos paradoxos morais. Talvez esta seja a ocasião de levantar dois pontos que reflexões sobre filosofia moral não podem negligenciar.

Primeiro, a discussão sobre a eficácia de determinadas ações não pode sustentar-se na limitação artificial de suas consequências. Nesse sentido, falar em eficácia da tortura é tão racional quanto perguntar-se sobre a eficácia de um remédio contra dor de dentes, mas que infelizmente provoca ataque cardíaco.

Tomemos o exemplo das torturas (de eficácia duvidosa, diga-se de passagem) feitas para encontrar e matar Bin Laden. O que elas produziram? Notem que o verdadeiro objetivo nunca foi matar Bin Laden, mas transformar os EUA em um "lugar mais seguro". Nesse sentido, tais torturas apenas deixaram o verdadeiro objetivo ainda mais longe.

Antes, os cidadãos norte-americanos viviam em um país cujos governantes não temiam recorrer a torturas, execuções extrajudiciais, quebras de liberdades individuais e vazios jurídicos, quando entendiam que o país corria perigo, mas precisavam fazer isso em silêncio. Hoje, eles vivem em um país que não vê problema em declarar abertamente que faz tudo isso, como se esse fosse um mal menor diante do verdadeiro problema.

Assim, além da insegurança provocada pela Al Qaeda, agora os norte-americanos devem levar em conta a insegurança provocada pelo seu próprio governo, envolto em um estado de exceção permanente.

Segundo ponto: a enunciação de um "paradoxo moral" não pode negligenciar a experiência histórica a ele normalmente associado.

Durante décadas, "paradoxos" do tipo "você torturaria alguém com informações que poderão salvar a vida de seu filho" foram usados como a premissa maior de argumentos do gênero: "Da mesma forma que um pai deve proteger seu filho, governantes devem proteger seu povo; logo...".

Ignorar que a enunciação desse paradoxo porta uma experiência histórica dessa natureza não é moral. Esse é o problema de pensar questões morais de maneira abstrata, negligenciando a maneira com que certos enunciados circulam na história.

Diga-se de passagem, nunca entendi porque os interessados em paradoxos morais no Brasil raramente colocam problemas do tipo: "Alguém que certamente será torturado, provavelmente até a morte, bate à porta de sua casa pedindo ajuda. Caso aceite, você colocará em risco a tranquilidade de sua família.

O que fazer?".

segunda-feira, 11 de março de 2013

O Congresso deve respeito - RENATO JANINE RIBEIRO

Valor Econômico - 11/03

Num regime baseado no equilíbrio entre os Poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - teoricamente o mais democrático dos três deveria ser o Legislativo. Sobre a Constituição norte-americana, diziam alguns teóricos da época que nela o presidente seria o elemento monárquico, por ser um só, embora eleito; o Judiciário, o aristocrático, composto que é pelos mais capazes e formado por cooptação; e o Poder Legislativo, o democrático, representando a diversidade de ideias do povo. Não é por acaso que o Legislativo é o único Poder que, por natureza, precisa ter representantes da oposição. Mas tudo isso, teoricamente.

Na prática, basta colocar uma questão: Blairo Maggi se sustentaria como ministro do Meio Ambiente num governo do PT ou do PSDB? Improvável. E Marcos Feliciano chegaria a ministro dos Direitos Humanos, sob qualquer um desses partidos? Impossível. Então, como é que o Senado e a Câmara, que - sempre teoricamente - deveriam escutar de perto a opinião pública, elegem para dirigir essas áreas pessoas que jamais ocupariam, no Executivo, posto correspondente?

O Legislativo se importa pouco com a opinião pública. Tivemos um sinal disso quando o Senado elegeu Renan Calheiros seu presidente, apesar de contestado pela sociedade: um abaixo-assinado contra ele alcançou, em poucos dias, 1,6 milhão de assinaturas.

Por que o Poder em tese mais democrático se interessa tão pouco pelo que o povo pensa?

Vemos um esvaziamento do Legislativo. Mas minha tese é que é sobretudo um auto-esvaziamento. É comum se denunciar a invasão, pelo Executivo e agora pelo Judiciário, das prerrogativas das Casas de leis. É fato que as medidas provisórias assinadas pela presidência da República dominam a agenda legislativa, pelo menos em relevância. Mas isso não aconteceria se as duas Casas mostrassem que estão fazendo coisas importantes pelo País.

A principal responsabilidade para que o Legislativo tenha o peso que precisa ter é dele próprio. Não adianta culpar o Executivo, porque chamou para si a atividade de legislar - ou o Judiciário, porque se mete em questões interna corporis - quando o próprio Legislativo descuida de sua importante missão. Esse descaso consigo, e com os votos dos brasileiros que o elegeram para representar sua diversidade, suas divergências, se expressa quando ele indica para cargos de direção pessoas que conseguem rejeição significativa logo nas áreas que estariam dirigindo.

O pior é que as comissões em questão são justamente as de maior conteúdo ético, meio ambiente e direitos humanos. (Poderíamos acrescentar as da igualdade racial e dos direitos da mulher - mas a missão delas, que é assegurar a igualdade étnica e de gênero, é temporária, deve se completar em alguns anos). Já o meio ambiente e os direitos humanos definem lutas sem fim, e a finalidade dessas lutas. Definem o centro do que pode ser a ética pública. Não seria exagero dizer que são elas que dão sentido global à ação de governo. Nosso mundo entrou para valer nos direitos humanos. As relações entre nós são cada vez mais discutidas nos termos deles. Incluem direitos políticos, civis e cada vez outros novos, inclusive o de ser respeitado até na vida privada. As grandes questões sociais da atualidade se expressam na linguagem dos direitos do homem. A redução da miséria, querida da esquerda, é um exemplo cabal disso. O combate à corrupção, bordão da direita, outro. Se o parlamento amesquinha as comissões que tratam dos fins da ação política, deixa os meios sem rumo, sem sentido.

O meio ambiente trata das relações que mantemos com a esfera da vida, da qual fazemos parte. A vida se tornou valor importante. Vejam dois exemplos sem nexo entre si: primeiro, o declínio da pena de morte no mundo; segundo, a valorização da biodiversidade como fator científico, cultural e econômico. Assim, o "bios" ou vida é o eixo para desenvolver a economia futura, e os direitos, o fundamento para tornar justas as relações humanas. E tudo isso anda junto.

Eis o que foi desdenhado pelos senadores, ao escolherem o presidente da comissão do Meio Ambiente, e pelos deputados, ao elegerem o presidente da comissão de Direitos Humanos. Colocaram-se frontalmente contra o que é mais carregado de futuro em nosso tempo. Optaram decididamente pelo retrocesso.

Então, não é o Congresso que nos protege de desmandos do Executivo, como sucedeu por exemplo na era Collor. É mais frequente o Executivo nos proteger de erros do Legislativo. No ano passado, foi o caso do Código Florestal, outra escolha do Congresso pela vantagem imediata de poucos, contra o bem comum a longo prazo. Isso tudo é, obviamente, muito ruim. Não desconheço a legitimidade de quem é eleito para a presidência da República. É a única eleição em que o voto de cada brasileiro tem o mesmo peso. Mas lastimo que uma única pessoa, investida já de tantos poderes, tenha que corrigir erros do poder que deveria ser o mais nobre segundo a Constituição. O certo seria o inverso.

Quem responde por isso? Antes de mais nada, parece ser o PMDB. Foi ele quem impôs Calheiros e, agora, o pastor Feliciano. O PT, embora seus deputados se recusassem a votar em Feliciano, aceitou - enquanto partido - a entrega dos direitos humanos a alguém com seu histórico. Já o PSDB não quis, quando pôde, enfrentar essas escolhas; basta ver que não votou, para a presidência do Senado, contra Calheiros, no senador Pedro Taques, homem que tem forte biografia no combate ético. Mas, só para concluir: ninguém sonhe com o parlamentarismo no Brasil, enquanto o Congresso não mostrar que merece ter mais poder do que já tem.


sábado, 9 de março de 2013

No horizonte, apagões - ADRIANO PIRES



O GLOBO - 09/03
Nos dez anos de governo do PT a política energética pode ser dividida em dois períodos. O primeiro vigorou até a crise econômica mundial de 2008 e foi caracterizado pelo incentivo a novos investimentos e pela preocupação com a garantia de suprimento. No setor de petróleo o governo manteve o marco regulatório, dando continuidade aos leilões de petróleo, e a defasagem dos preços da gasolina e do diesel, como era pequena, penalizava pouco o caixa da Petrobras. Os biocombustíveis viveram seu melhor momento nesse período.

Todos lembram que o presidente Lula anunciava aos quatro cantos do mundo que o Brasil seria a Arábia Saudita verde. É nesse período que o governo lança o Programa do Biodiesel e os investimentos, a produção e o consumo de etanol batem recordes. No biodiesel o governo estabelece a meta da mistura com o diesel em 5% e assim dá previsibilidade, o que levará à construção de várias unidades de produção. No etanol a política de preços da gasolina permite competitividade ao etanol, fazendo com que autoridades do governo afirmassem que a gasolina no Brasil passaria a ser o combustível alternativo.

No setor elétrico, o governo, preocupado em evitar novo racionamento, de uma forma inteligente promoveu leilões de oferta de energia para o mercado cativo e manteve o mercado livre. As regras dos leilões beneficiavam a vitoria das térmicas, dentro da ideia de garantir o abastecimento. Nesse período, o governo acreditava que a melhor maneira de aumentar a oferta de energia elétrica seria através da concorrência.

Com a chegada da crise econômica e com o anúncio da descoberta do pré-sal, a política energética brasileira muda de rota. A nova rota será caracterizada pelo maior intervencionismo do Estado, pelo populismo dos preços. O primeiro setor vítima da nova política energética foi o do petróleo. A descoberta do pré-sal foi o álibi que os nacionalistas xiitas do PT precisavam para fechar o mercado do petróleo no país. Desde 2008 não foram realizados mais leilões e foi aprovado um novo marco regulatório, que dá um tratamento diferencial para a Petrobras. Ao mesmo tempo, o governo, tentando evitar que a crise econômica causasse maiores impactos no país, incentivou a venda de automóveis.

Uma das políticas adotadas para aumentar a venda de automóveis foi congelar o preço da gasolina. A política de congelamento incentivou o crescimento do consumo e das importações de gasolina, ferindo de morte o caixa da Petrobras. Ou seja, o governo deu mais deveres e retirou os direitos da empresa de ter liberdade de fixar os preços dos seus produtos. Nesse período os biocombustíveis viveram e vivem seu inferno astral. O projeto Arábia Saudita verde morreu. Não existe mais marco regulatório, com o congelamento do preço da gasolina o etanol perdeu inteiramente sua competitividade, levando a uma quebradeira de inúmeras usinas, e o biodiesel está com uma enorme capacidade ociosa e sem nenhuma previsibilidade do que vai ocorrer com o percentual de mistura.

No setor de energia elétrica o governo abandonou a preocupação com a garantia de abastecimento e passou a ter uma política dedicada, exclusivamente, à modicidade, ou melhor, ao populismo tarifário. O clímax dessa política foi a publicação no ano passado da MP 579, que ignorou a necessidade de novos investimentos e promoveu um subsídio nas tarifas num momento de escassez de energia.

A escassez de energia, causada pela falta de chuvas, tem obrigado o governo a ligar as térmicas a gás, a carvão e a óleo, todas mais caras que as hidrelétricas. Isso deverá anular a maior parte da redução de energia, principalmente, no setor industrial. E o que é pior: deverá obrigar o governo a dar soluções mais atrapalhadas e completamente fora da lógica de mercado para preservar a artificialidade da redução dos preços vindos por Lei.

A atual política energética confunde energia barata com energia competitiva e isso no curto prazo destruiu a Petrobras e a Eletrobras e, no longo prazo, promoverá apagões.