quinta-feira, 19 de maio de 2011

É hora de estocar


15 de maio de 2011 | 0h 00
Alberto Tamer - O Estado de S.Paulo
A produção agrícola vai bater mais um recorde. Tendo em vista a área plantada e o que já está sendo colhido, o IBGE estimou esta semana que deve chegar a 159,5 milhões de toneladas, 6,9% mais que a safa anterior. Pode ser mais. As colheitas de grãos, principalmente milho e soja, já estão na reta final, mas há ainda as lavouras de inverno. Vão depender das condições climáticas
Os números revelam uma agricultura vigorosa e dinâmica que situa o Brasil como o segundo maior exportador de alimentos do mundo. O agricultor foi beneficiado pelos preços externos, sim, mas ele plantou e sempre atendeu à demanda interna mesmo nos anos em que as cotações recuaram ou pararam de aumentar.
Merece um destaque especial nem sempre ressaltado, talvez porque o cultivo no campo e a luta contra o clima se fazem em silêncio. Não dá manchete. Por exemplo, é bom ressaltar que a agricultura cria mais de 27 milhões de empregos e representa mais de 25% do PIB, além de manter 32 milhões de pessoas no meio rural. Tudo isso impulsionado pelo setor privado. Há o apoio da política de preços mínimos do governo, sim, ajuda muito, mas sozinha não explica o dinamismo da agricultura brasileira. Tudo isso não é fruto de uma ação recente, mas de anos de empenho e confiança.
Liderança mundial. Hoje, o Brasil lidera a produção mundial de açúcar, café, suco de laranja, fumo, celulose e papel, etanol e carne bovina. E é o segundo em produção de soja, frangos; terceiro em carne suína; e quarto em milho. O País tem condições únicas no mundo para plantar, produzir ampliar ainda mais sua liderança. Terra, capital, mão de obra, água, clima diversificado numa área continental e acima de tudo, um Instituto de Agronomia que vem surpreendendo o mundo com sucessivas inovações tecnológicas.
Há produção, mas... Sei que o leitor deve estar perguntando, "mas se há tanta produção de alimentos, por que os preços aumentaram?" Arroz, feijão, carne... A pergunta é oportuna.
Vamos ao início. A produção agropecuária aumentou não só porque o consumo interno cresceu, mas também porque os preços das commodities aumentaram muito mais no mercado internacional. E isso foi provocado não só pela demanda mundial, puxada por China e Índia, mas principalmente pela especulação no mercado de futuros das commodities. Assim, para o agricultor brasileiro, é mais rentável exportar uma parte da safra ou buscar aqui os mesmos preços elevados que existem lá fora.
E por que não impedir? Não se pode nem deve evitá-lo, por dois motivos: se não obtiverem preços razoáveis em um ano, deixam de plantar no próximo. Está acontecendo isso, no caso do trigo, na Rússia, que bloqueou exportações sem compensar o produtor. O segundo motivo é mais importante ainda. As exportações agropecuárias estão salvando há anos a balança comercial brasileira. Sem ela, o déficit em conta corrente seria ainda maior. No acumulado dos últimos 12 meses, em maio, totalizaram US$ 81 bilhões. Há ainda o fator da sazonalidade das safras. Os preços sempre recuam no período de safra, principalmente de grãos, que ocorreu agora, e aumentam na entressafra, a partir dos últimos meses do ano. Uma questão de oferta e demanda.
Esta é uma espécie de explicação elementar, que simplifica os fatos, mas, no fundo, é isso mesmo: uma contaminação interna dos preços internacionais e disponibilidade de produtos entre o plantio e a colheita.
Qual a saída? O governo precisa fazer estoques estratégicos, comprar do produtor a preços semelhantes ao do mercado externo, para colocar no mercado na fase da entressafra, quando eles faltarem. A velha política da formiguinha que guardou na primavera para comercializar no inverno. Não parece que essa política de estoques tenha sido eficiente no ano passado. O governo não colocou no mercado interno o produto estocado de forma suficiente.
Agora, com a entrada da nova safra, os preços tendem a recuar - no caso do etanol já dá sinais disso. Cabe ao governo agir em tempo para formar estoques reguladores e evitar pressões futuras. 

''Acabou a era da abundância de água''


15 de maio de 2011 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
Charles Fishman, jornalista e escritor
O jornalista americano Charles Fishman lança The Big Thirst, um novo livro sobre a água. Sua obra anterior, The Wal-Mart Effect, foi eleito o "livro do ano" pela The Economist em 2006 e um dos finalistas do prêmio Financial Times para o melhor livro de economia. Ele aborda o tema da água nesta entrevista.
O sr. diz que não teremos mais água que tenha ao mesmo tempo três qualidades: ilimitada, barata e segura. Por que não?
Fomos mimados. No mundo desenvolvido foram construídos, há cem anos, os sistemas de abastecimento mais bem projetados e realizados. Funcionaram tão bem que fizeram das nossas cidades centros urbanos viáveis, criativos, saudáveis e vibrantes do ponto de vista econômico. Esses sistemas se tornaram tão perfeitos que permaneceram - até hoje - invisíveis.
Quando abrimos a torneira, pressupomos que a água esteja ali, pronta, e que a rede de abastecimento enterrada no solo esteja funcionando. Ambos os pressupostos estão ultrapassados. O crescimento populacional, o desenvolvimento econômico e as mudanças climáticas sobrecarregam o fornecimento.
Portanto, teremos de nos despedir do consumo despreocupado e ingressar numa era de utilização racional da água. Por que regamos as plantas ou damos descarga nos banheiros com água tratada e potável?
Sua posição sobre os inconvenientes do emprego da água potável me lembram da questão do estacionamento. Achamos que o estacionamento gratuito é ótimo, mas ele causa problemas - como esperar para encontrar uma vaga e trânsito pesado. De que maneira o sr. tentaria convencer alguém de que a água gratuita é na realidade uma coisa ruim?
A água não é de graça. As pessoas dirão: "Eu pago a conta d"água, US$ 30 por mês, não tem nada de graça!" Bem, é quase. Meio litro de água engarrafada custa US$ 0,99. A conta média da água de uma família, nos EUA é de US$ 34. Portanto, temos água em casa todos os dias para tudo, do banho ao preparo de alimentos, por US$ 1 por dia.
A água de graça - tão barata que nunca paramos para pensar no seu custo - é um desastre. Quando alguma coisa é de graça, o conceito é de que ela é ilimitada. A água gratuita leva a desperdício. Produtores rurais e gerentes de fábricas e hotéis nunca se preocupam com a quantidade de água que usam e com seu uso inteligente. Água barata significa também que as empresas das quais dependemos para o seu fornecimento nunca têm dinheiro para se modernizar ou encontrar reservas.
Se fosse possível mudar alguma coisa para resolver o problema da água - uma melhor gestão do meio ambiente ou o fornecimento a quem não tem -, seria o preço. Nós podemos pagar um pouco mais com o nosso notável sistema. Mas teremos problemas se deixarmos que ele se torne obsoleto.
Suponho que cobrar mais pela água não resolveria os problemas do mundo em desenvolvimento. Aumentar o acesso à água potável não exigiria uma outra mudança?
O fundamental na questão do custo da água é o seguinte: as pessoas pagarão pelo fornecimento de água segura, acessível e que as liberte da escravidão de terem de caminhar ou de fazer fila para consegui-la.
Visitei um bairro de Nova Délhi chamado Rangpuri Pahadi. Seus 3,5 mil habitantes vivem com US$ 100 por mês. Estavam tão desanimados por ter de ficar na fila horas a fio todos os dias que criaram sua própria rede em miniatura. Fizeram uma campanha para angariar contribuições - um gasto enorme para pessoas cuja renda diária é US$ 3 -, perfuraram poços e instalaram canos que saem de um tanque de armazenamento até a choupana de cada família.
Os que querem água pagam por ela cerca de um dia de salário por mês. A água fornecida pela empresa recém-criada é melhor que a da rede pública e está disponível na hora certa. Eles pagam o equivalente aos US$ 150 por mês que uma família americana pagaria.
O dinheiro não é a única solução - o custo da guerra no Iraque seria suficiente para criar redes de abastecimento para todas as pessoas da Terra. O problema real é humano: ajudar as pessoas a dispor de um sistema confiável é mais difícil do que parece. O problema não está na tecnologia ou nos recursos, mas na vontade política e no conhecimento da cultura.
No nosso país, alguma comunidade descobriu como usar a água de modo mais econômico?Os produtores agrícolas usam 15% a menos de água que há 30 anos e plantam 70% a mais. A produtividade da água dobrou desde 1980. As usinas hidrelétricas usam menos água que há 30 anos e geram mais eletricidade.
Visitei uma fábrica de semicondutores da IBM que, em dez anos, reduziu em 29% o uso da água ao mesmo tempo que aumentou a produção em 33%.
Orange County, na Flórida, há 25 anos tornou obrigatório o emprego da água de reúso nas novas construções. Hoje, a quantidade de água de reúso bombeada diariamente é quase igual à de água potável. O condado dobrou de tamanho, mas não precisou dobrar a quantidade de água potável. / NYT. TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA 


A Fapesp no limiar dos seus 50 anos


15 de maio de 2011 | 0h 00
Celso Lafer - O Estado de S.Paulo
São Paulo foi pioneiro, no nosso país, no reconhecimento da importância do respaldo à pesquisa, vale dizer, das atividades voltadas para a descoberta de novos conhecimentos que ampliam o entendimento e o poder de uma sociedade sobre seu destino. A Constituição paulista de 1947, no seu artigo 123, estipulou que "o amparo à pesquisa científica será propiciado pelo Estado" e previu o modo de efetivá-lo por meio de uma fundação que teria anualmente uma renda especial de sua privativa administração não inferior a 0,5% do total da receita ordinária estadual.
O artigo teve sua origem em documento preparado pela comunidade científica paulista. Encontrou guarida na constituinte estadual. Seus paladinos foram os deputados Lincoln Feliciano, do PSD, e Caio Prado Jr., do PCB, que deixaram de lado divergências partidárias para patrocinar o interesse público. A "ideia a realizar" do amparo à pesquisa consagrada na Constituição paulista de 1947 precede, assim, a criação de órgãos federais com intento similar, na década de 1950.
A maturação da fundação prevista na Constituição estadual levou seu tempo. Foi obra do governador Carvalho Pinto, que a incluiu no seu Plano de Ação. Foi ele que teve a iniciativa do projeto que se transformou na Lei 5.918, de 18/10/1960, a qual autorizou o Executivo a instituir a Fapesp, e a instituiu efetivamente pelo Decreto 40.132, de 23/5/1962, consagrando a diretriz de que o amparo à pesquisa é uma política pública de Estado de longo prazo, e não de governos, que requer a sustentabilidade de recursos regulares e autonomia administrativa.
Na concepção da Fapesp que o governo Carvalho Pinto pôs em marcha, em interação com a comunidade acadêmica e o Poder Legislativo, cabe realçar a precisão conferida ao "amparo à pesquisa", preconizado pela Constituição. Destaco: a de que a Fapesp deveria apoiar a pesquisa, e não fazer pesquisa; a de que deveria fornecer elementos de orientação e auxílio financeiro, sem interferir com a personalidade do investigador ou da instituição; a de que o âmbito da sua ação deveria ser limitado apenas pela idoneidade dos projetos e pela extensão dos recursos disponíveis; a de que não cabia restrição quanto ao gênero da pesquisa realizada; a do reconhecimento da interdependência da pesquisa básica e da pesquisa aplicada; a da limitação das despesas administrativas a um teto de 5% do orçamento da fundação para assegurar que os recursos, provenientes do contribuinte paulista, fossem aplicados tendo em vista os fins; a da republicana prestação de contas - contrapartida da autonomia - não apenas aos órgãos de controle da administração pública paulista, mas também à comunidade mais ampla, mediante relatórios anuais de suas atividades; a do empenho na objetividade e imparcialidade na avaliação das solicitações apresentadas, pela análise dos pares, o que ensejou a integração da comunidade acadêmica ao processo decisório da Fapesp.
Essas diretrizes estão consubstanciadas nos estatutos da fundação, aprovados pelo Decreto 40.132, de 22/5/1962. Continuam em vigor e retêm plena atualidade graças ao mérito de sua concepção. Paulo Vanzolini, que teve papel decisivo na sua redação, declarou por ocasião dos 40 anos da instituição: "A Fapesp, para mim, se resume num nome, Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto" - explicando que o governador não cozinhou o assunto em banho-maria, teve cabeça, decisão, calma e competência no trato da matéria. É por isso que em sua homenagem, e com a presença do governador Geraldo Alckmin, o auditório da Fapesp receberá dia 23, no início das comemorações dos 50 anos da instituição, o seu nome. Homenagem merecidíssima, pois a Fapesp que se deve ao seu descortino público é um marco na institucionalização do apoio à pesquisa no Estado e no País, comparável à criação, em 1934, da USP, no âmbito da estruturação da universidade brasileira.
A sustentabilidade das atividades da Fapesp viu-se subsequentemente reforçada com a estipulação do pagamento em duodécimos da sua parte na receita anual do Estado e a elevação do seu porcentual para 1% na Constituição estadual de 1989 (artigo 271), que explicitamente adicionou à sua missão o desenvolvimento tecnológico (iniciativas dos deputados Fernando Leça e Aloysio Nunes Ferreira).
A Fapesp começou modestamente. Examinou, em seu primeiro ano de ação, 507 projetos e aprovou 57 bolsas e 265 auxílios à pesquisa. Entre elas, as da dra. Vitória Rossetti, que propiciaram o controle do cancro cítrico, que ameaçava a agroindústria do Estado. Com o tempo, o patamar da instituição foi se elevando para efetivar as finalidades previstas na sua concepção e contribuir para aprimorar os paradigmas da organização da pesquisa de instituições públicas e privadas que atuam no nosso Estado. Disso são exemplos os projetos temáticos e os programas de apoio a centros de excelência (Cepids) que respaldam a continuidade por prazos mais longos de pesquisas mais complexas. É o caso também de pesquisas abrangentes com estrutura organizacional complexa e em rede, como o Biota, voltado para o estudo da biodiversidade de São Paulo e seu uso sustentável.
Em 2010 a Fapesp desembolsou R$ 780,3 milhões no apoio à pesquisa - 36% na formação e no aprimoramento de recursos humanos (bolsas) e 64% para o apoio direto à pesquisa. Nesse mesmo ano foram contratados 11.555 novos projetos. Saúde, biologia, engenharia, ciências humanas e sociais, agronomia e veterinária foram as cinco áreas de conhecimento que receberam o maior volume de recursos.
O valor agregado do conhecimento individualiza o Estado de São Paulo no cenário nacional. É uma marca da presença paulista num mundo globalizado, que contou com a decisiva ação da Fapesp ao longo dos 49 anos de sua existência, na linha de uma visão estratégica constitucionalmente preconizada e superiormente institucionalizada, pelo governador Carvalho Pinto.
PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, PRESIDENTE DA FAPESP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NO GOVERNO FHC