terça-feira, 30 de novembro de 2010

Destruição dos rios: ameaça é crescente

30/11/2010 - 04h11


Por Lúcio Flávio Pinto

Desde as primeiras letras aprendemos que a bacia do rio Amazonas é a maior do mundo.  Ninguém nunca duvidou que ele era o mais caudaloso do planeta, mas se questionava essa primazia quanto ao seu comprimento.  Hoje a controvérsia está esclarecida: com 6.937 quilômetros de extensão, o Amazonas supera em 140 quilômetros o Nilo, que perdeu essa liderança multissecular.

Qualquer número em relação ao “rio-mar” (ou o “mar doce” dos espanhóis, os primeiros europeus a navegá-lo) é grandioso.  Ele lança, em média, 170 milhões de litros de água por segundo no Oceano Atlântico.  Suas águas barrentas podem avançar 100 quilômetros além da barreira de águas salgadas e projetar seus sedimentos em suspensão no rumo norte, até o litoral da Flórida, nos Estados Unidos.  São milhões de toneladas de nutrientes, arrastados desde a cordilheira dos Andes, onde nasce o grande rio, e engrossados por seus afluentes, que também se posicionam entre os maiores cursos d’água que existem.

Essas grandezas têm servido de inspiração para o ufanismo nacional, mas não para tratar melhor os nossos gigantes aquáticos.  Nenhum brasileiro -ou mesmo o nativo- dá ao Amazonas a importância que os egípcios conferem ao Nilo.  O Egito não existiria sem a faina incansável do seu grande rio, a fertilizar suas margens, cercadas por desertos hostis, e civilizar o país.  Por isso, é considerado sagrado.

Os brasileiros parecem acreditar que, por ser monumental, abrangendo 7 milhões de quilômetros quadrados do continente sul-americano (quase dois terços em território brasileiro), a bacia amazônica foi blindada pela mãe natureza contra as hostilidades do homem.  Já está na hora de se pôr fim a essa ilusão, acabando com a insensibilidade geral, que se alimenta do desconhecimento e da desinformação.  O Amazonas está sob ameaça.

Não uma, mas várias.  Um dos capítulos mais recentes está sendo travado diante da maior cidade da Amazônia, Manaus, a capital do Estado do Amazonas, com seus 1,7 milhão de habitantes (2 milhões com as duas cidades vizinhas).  No dia 5, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) decretou o tombamento do encontro das águas do Amazonas com o Negro, um dos seus principais tributários da margem esquerda.

O desavisado pode até achar que o ato é de significado museológico, para efeito acadêmico.  O processo do tombamento, porém, se arrastou durante dois anos.  Deveria ser simples: a área de 30 quilômetros quadrados, o polígono de terra e água onde ocorre a junção dos dois enormes rios, é cenário para o maior de todos se encontrar com o maior rio de águas negras do mundo.  Na margem direita, o barrento Solimões pressiona o rio ao lado, que ganhou seu nome pela inusitada cor das suas águas, num entrevero que pode se estender por 10 quilômetros lineares nas duas direções.

É um encontro ciclópico.  A vazão do Solimões nesse ponto (onde justamente muda pela última vez de nome, passando a ser Amazonas) é de 135 milhões de litros de água por segundo.  A do Negro, que chega ao fim do seu percurso de 1.700 quilômetros, a partir da Venezuela, é de 50 milhões de litros.  Encorpado, o Amazonas segue em frente até a foz, dois mil quilômetros abaixo.  Não sem antes oferecer o espetáculo das duas cores líquidas em paralelo ou em fusão tumultuada, para a admiração ou o espanto de uma crescente legião de turistas.

O problema é que no ponto de encontro dos rios está Manaus, com 60% da população e 90% da riqueza de todo Estado do Amazonas, o maior do Brasil, com 20% do território nacional.  Desde quase meio século atrás, Manaus deixou de ser o produto do Amazonas para ser o efeito da Zona Franca, um entreposto comercial e um núcleo industrial que só se tornaram possíveis pela renúncia da União a recolher o imposto sobre a importação das empresas instaladas na remota paragem.

Hoje, Manaus é a origem do maior fluxo de contêineres do país.  Motocicletas, computadores, geladeiras e muitos outros produtos são mandados para o sul do país, principalmente São Paulo, e espalhados para outros destinos.  O velho porto flutuante, que os ingleses construíram no início do século XX para atender a exportação de borracha (que chegou a ser responsável por 40% do comércio exterior brasileiro), não serve para essa demanda nova.

A pressão é tão forte que alguns terminais privados, legais ou não, surgiram na orla da cidade.  O maior deles, o Porto Chibatão, foi parcialmente arrastado, no mês passado, pelas águas do Negro, a apenas três quilômetros do seu encontro com o Amazonas, com mortes e a perda de diversos contêineres.  Qualquer ribeirinho sabia que o local era contra-indicado para o fluxo de carga que o precário terminal movimentava.

Um novo, muito maior e mais adequado, está sendo projetado para uma área de 100 mil metros quadrados, na qual poderão ser estocados 250 mil contêineres.  Antes desse mega-terminal, porém, uma subsidiária da mineradora Vale (o nome privatizado da Companhia Vale do Rio Doce, quando estatal) começou a construir seu próprio porto, com investimento de 220 milhões de reais.  Nele deverá operar seu novo navio cargueiro, com capacidade para 1.500 contêineres, e outros cinco já encomendados, por algo como meio bilhão de reais, multiplicando sua capacidade de transporte.

Esses números pareciam muito mais importantes do que a localização do porto, na província paleontológica das Lages, próximo de uma tomada de água para 300 mil habitantes da cidade e de um lago, o último do rio Negro, importante para milhares de moradores de um bairro que se formou em torno dele.

O processo que levou ao desmoronamento do Porto Chibatão seguiria sua lógica malsã se não tivesse surgido a iniciativa de tombar o encontro das águas.  Ninguém se aventura a dizer-se contra o tombamento, mas ele provocou uma batalha judicial que chegou a Brasília, com vitórias e derrotas, protelações e pressões, até que, no dia 5, finalmente o Iphan assumiu a tutela sobre o encontro das águas.

Qualquer novo projeto que a partir de agora se fixe na área do polígono terá de ser submetido ao instituto, além de obter a licença ambiental.  Certamente haverá quem se indigne com o fato: o raciocínio automático é de que a razão (ou anti-razão) econômica prevaleça sobre qualquer outro tipo de consideração - e sempre com vantagens para o investidor.

A decisão do Iphan, que ainda vai sofrer questionamento judicial, não bloqueia a evolução dos empreendimentos produtivos na região, mas talvez ajude o país a se dar conta de que destruindo os recursos naturais, em especial aqueles que representam uma grandeza única, é a Amazônia que estão destruindo.  Substituem a galinha dos ovos de ouro por um cavalo de Tróia.  Na mitologia ou na realidade, sabemos qual será o desfecho.

(Envolverde/Adital)


DCI: Regulamentar já! - Parte 1



Arnaldo Jardim
A Política Nacional de Resíduos Sólidos já foi sancionada e o Brasil está na expectativa de sua regulamentação
O Brasil já dispõe de uma legislação de vanguarda para tratar da destinação e do tratamento de todo o lixo gerado no País, aprovada pela Câmara dos Deputados depois de 19 anos e sancionada em agosto pelo presidente Lula.
Vivemos a expectativa da regulamentação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), sob a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que deveria ocorrer em menos de 90 dias a contar da sua promulgação, mas que até o momento não foi colocada para análise pública.
Essa situação causa preocupação quanto à ausência da participação dos diversos segmentos envolvidos na elaboração da mesma e nos obriga a conviver com o que há de mais arcaico em termos de destinação inadequada de lixo.
De cada quatro sacos de lixo residencial coletados pelos serviços oficiais, um vai para local inadequado, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).
Entenda-se por "local inadequado", lixões e aterros controlados precários, espalhados, pelo estado que contaminam o ambiente e são fonte permanente de risco à saúde da população.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelece, por exemplo, um prazo de dois anos para que prefeituras e governos estaduais estabeleçam planos de gestão de resíduos, e quatro anos para acabarem com os lixões a céu aberto e com os aterros inapropriados.
A imagem de catadores sem luvas nem equipamentos de segurança, trabalhando noite e dia no lixão -em meio a seringas, caixas de remédio, gazes usadas, CDs, urubus, garças e cachorros- também está com seus dias contados.
Segundo a nova legislação, os municípios são incentivados a incluírem na coleta seletiva a participação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, que terão incentivos financeiros para investir na capacitação dos trabalhadores e na transformação do lixo coletado.
A coleta seletiva ineficiente e o transporte de materiais recicláveis para aterros sanitários causam prejuízos anuais de até R$ 8 bilhões, segundo o Ipea - sigla de Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
As perdas ocorrem principalmente por causa dos custos adicionais nas indústrias pelo uso de material virgem em vez de reciclado, dos danos ambientais e de gastos de orçamento público com a destinação final de lixo em aterros.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelece que as empresas tenham um plano de gestão de resíduos, a partir da análise do ciclo de vida do produto e implantem a logística reversa para que as empresas sejam responsáveis pela coleta do lixo tóxico de difícil decomposição.
A Região Sudeste originou 53% dos 57 milhões de toneladas de lixo gerados em 2009, o que significa que cada habitante produz 1,2 quilograma por dia, segundo a Abrelpe.
Outra questão importante da Política Nacional de Resíduos Sólidos está na educação ambiental, no sentido de mitigar a geração de resíduos e estimular um consumo mais consciente por parte da população.
Fundamentada nos princípios do direito ambiental, sobretudo na prevenção e na precaução -prevenir as conseqüências de determinado ato/cautela para que ações não venham a resultar em efeitos indesejáveis-, a Política Nacional de Resíduos Sólidos reúne um conjunto de instrumentos instituídos capazes de promover com segurança padrões sustentáveis no gerenciamento dos resíduos, sobretudo os industriais e perigosos.
Busca-se uma integral implementação de gerenciamento dos resíduos industriais, especialmente os perigosos, que compreenda da geração à destinação final ou disposição final (caso dos rejeitos), que seja executado de forma a atender os requisitos de proteção ambiental e de saúde pública, fundamentado a partir da elaboração do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos de que trata a lei.
Resta, como obrigação para as indústrias, a elaboração dos planos de gerenciamentos, contendo, entre outras medidas:
- descrição do empreendimento ou atividade;
- diagnóstico dos resíduos sólidos gerados ou administrados;
- a origem;
- o volume e a caracterização dos resíduos, incluindo os passivos ambientais a eles relacionados;
- definição dos procedimentos operacionais relativos às etapas do gerenciamento de resíduos sólidos sob responsabilidade do gerador, ações preventivas e corretivas a serem executadas em situações de gerenciamento incorreto, ou acidentes e as metas e procedimentos relacionados à minimização da geração de resíduos sólidos, e, observadas, as normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) e do Sistema Único de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa) à reutilização e reciclagem.
Dispõe ainda a Política Nacional de Resíduos Sólidos sobre os inventários de resíduos -aplicados também aos resíduos industriais e aos perigosos-, bem como o sistema declaratório anual dos resíduos.
Em relação aos inventários, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) publicou a Resolução n. 313, de 29 de outubro de 2002, que dispõe sobre o Inventário Nacional de Resíduos Sólidos considerando, principalmente, a ausência de informações precisas sobre a quantidade, sobre os tipos e sobre os destinos dos resíduos sólidos gerados no parque industrial do País e que esses resíduos podem apresentar características prejudiciais para a saúde humana e também para o meio ambiente.
Contudo os inventários não são uma realidade no Brasil e espera-se que a entrada em vigor da lei nacional de resíduos consolide a implantação desse importante instrumento.
A segunda parte deste artigo será publicada na edição de amanhã.

Chineses sedentos de petróleo brasileiro



29 de novembro de 2010 | 21h19
Raquel Landim /estadao.com.br
Em setembro, os chineses importaram 1,4 milhão de barris de petróleo por dia de todos os países do mundo. Não é brincadeira.
Os Estados Unidos continuam sendo o maior consumidor global de petróleo, mas se considerarmos todas as formas de energia, a China já assumiu a liderança. Segundo a Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), a demanda chinesa deve crescer 5,14% em 2011, muito acima da alta média prevista de 1,36%.
O Brasil é uma parte muito pequena desse complicado quebra-cabeça do petróleo, mas deve ganhar relevância quando as megarreservas do pré-sal começarem a sair do fundo da terra.  Mais uma vez o destino do País está atrelado ao da China, que já é o grande comprador de soja e minério de ferro brasileiros. A aposta de dez entre dez analistas é que Pequim deve se tornar o maior investidor e o maior comprador do petróleo do pré-sal.
De janeiro a setembro, os chineses importaram 179,5 mil barris por dia do Brasil – um montante insignificante para o gigante asiático, mas importante para nós. Em volume, foi um aumento de 125% em relação ao mesmo período de 2009. Em receita, que inclui o efeito do forte aumento do preço do petróleo, a alta chega a 273%!
Os chineses ainda não são o nosso maior comprador de petróleo, mas falta pouco. Os americanos só continuam na frente quando é contabilizado o petróleo enviado a pequena ilha caribenha de Santa Lúcia e depois embarcado para os EUA. (Desconheço os motivos pelo qual a Petrobrás faz essa triangulação. Questionei a estatal sobre o assunto, mas não tive resposta).
Os chineses vão aos poucos “amarrando” seus fornecedores de matéria-prima. O aumento das exportações brasileiras de petróleo para a China é resultado do contrato entre Sinopec e Petrobrás. Para conseguir um empréstimo de US$ 10 bilhões com o China Development Bank, a estatal se comprometeu a entregar 150 mil barris de petróleo por dia. Tudo é feito a preços de mercado, ou seja, o Brasil não perde dinheiro, mas a China tem preferência.
O gigante asiático também está avançando na prospecção no País. A Sinochen comprou 40% do campo de Pelegrino, controlado pela norueguesa Statoil. A Sinopec fez um aporte de US$ 7,1 bilhões na filial brasileira da Repsol. E é bastante provável que os chineses comprem a participação que está à venda da OGX, de Eike Batista.
Segundo uma matéria publicada pelo Wall Street Journal,  “nenhum lugar do mundo” é comparável ao frenesi do Brasil para a exploração do petróleo em águas profundas – principalmente depois do desastre ambiental do Golfo do México. Os chineses sabem disso. E estarão cada vez mais presentes por aqui.
“O investimento da China não é ruim, mas temos que ter cuidado para não ficarmos presos a um país complicado”, disse ao blog Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Ele tem toda razão.