sábado, 27 de abril de 2013

Um país fora do ritmo


Rolf Kuntz
O Brasil manterá o passo errado nos próximos cinco anos e avançará bem menos que outros emergentes até 2018, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Sua inflação continuará mais alta e suas contas externas deverão piorar nesse período, com o déficit em transações correntes passando de 2,4% para 3,4% do produto interno bruto (PIB). Projeções de prazo longo aparecem no fim do Panorama Econômico Mundial publicado em abril e setembro pelo Fundo, num apêndice pouco visitado e pouco citado pela maior parte da imprensa. Estimativas desse tipo são sujeitas a erros importantes. Não são, no entanto, arbitrárias, nem inúteis. Ajudam a ver como poderá ser o futuro, se as tendências dos últimos anos persistirem, se as políticas forem mantidas e se as reformas necessárias forem levadas adiante ou negligenciadas. No caso do Brasil, os autores do estudo obviamente esperam poucas mudanças com potencial para tornar a economia mais dinâmica e mais sólida em seus fundamentos.
Segundo as projeções, a economia mundial crescerá 3,3% neste ano, 4% no próximo e 4,5% em 2018, puxada, como tem sido há alguns anos, pelos países emergentes e em desenvolvimento. A convalescença europeia será lenta e penosa. Os Estados Unidos continuarão avançando com firmeza. Seu PIB crescerá apenas 1,2% em 2013, por causa do arrocho fiscal, mas aumentará 2,2% em 2014 e em 2018 terá atingido um ritmo de expansão 2,5%. A média dos emergentes e em desenvolvimento ficará em 5,3%, 5,7% e 6,2% em cada um desses três pontos de referência. Para a Ásia em desenvolvimento, incluída a China, os números estimados são 7,1%, 7,3% e 7,7%. Há uma aposta, portanto, no êxito dos programas de ajuste e de renovação dos modelos já iniciados em algumas dessas economias.
Nesse quadro, o avanço brasileiro continuará mais lento que o de vários países latino-americanos. Segundo o Panorama, o PIB do Brasil aumentará 3% em 2013, 4% no próximo ano e 4,2% em 2018. Se a projeção para este ano for confirmada, o resultado será bem melhor que o de 2012, quando o crescimento ficou em apenas 0,9%, apesar dos estímulos criados pelo governo. Alguns incentivos ao investimento privado poderão finalmente produzir algum efeito neste ano, de acordo com a análise apresentada no capitulo 2 do relatório.
Mas “restrições de oferta podem limitar o ritmo de crescimento a curto prazo”, advertem os autores do trabalho. Em outras palavras: os entraves observados nos últimos anos poderão ainda atrapalhar a economia brasileira em 2013. Sem examinar em detalhes a política seguida no Brasil depois da crise de 2008 e especialmente a partir de 2011, os economistas do FMI apontaram, no entanto, o grande problema negligenciado por muito tempo pelo governo brasileiro. Durante dois anos a equipe da presidente Dilma Rousseff insistiu em estimular a demanda, principalmente de consumo, sem dar a atenção necessária ao lado da produção e, portanto, da oferta.
O crescimento de 3% estimado para 2013 ficará muito abaixo do necessário para compensar o baixo desempenho dos dois anos anteriores. É preciso levar também isso em conta ao confrontar os números do Brasil com os de outros países do Hemisfério. Chile, Colômbia, Equador, Peru e México também foram afetados pela crise internacional, mas em pouco tempo voltaram a crescer em ritmo parecido com o dos anos anteriores à recessão no mundo rico. Todos bateram o Brasil com muita folga desde 2010.
Para 2013, 2014 e 2018 as projeções do Fundo indicam as seguintes taxas de expansão para esses países: Chile, 4,9%, 4,6% e 4,6%; Colômbia, 4,1%, 4,5% e 4,5%; Equador, 4,4%, 3,9% e 3,5%; Peru, 6,3%, 6,1% e 6%; México, 3,4%, 3,4% e 3,3%. Entre 2010 e 2012 a economia equatoriana acumulou expansão de 17,14%; a mexicana, de 13,67%; a brasileira, de apenas 11,40%. Em todos esses países a inflação foi menor que a brasileira e assim deverá continuar neste e no próximo ano.
Os economistas do FMI estimam para o Brasil inflação de 5,5% em 2013 e 4,5% em 2014. Para o Chile, a projeção é de 3% em cada um dos dois anos. Para a Colômbia, de 2,4% e 3%. Para o Peru, de 2,1% e 2%. Para o México, de 3,6% e 3,3%. A presidente Dilma Rousseff deveria desconhecer esses números quando falou sobre crescimento e inflação em Durban, na África do Sul. Naquele pronunciamento, ela rejeitou uma ação mais forte contra a alta de preços como se fosse incompatível com a expansão do PIB. Parece ter esquecido, ou talvez ignorasse, a experiência internacional. Inflação alta e resistente, como a brasileira, dificulta o planejamento empresarial e corrói o poder de compra dos consumidores. Tende a tornar-se, portanto, um obstáculo ao crescimento da economia.
Além disso, inflação mais elevada que a dos outros países desajusta o câmbio e afeta o poder de competição dos produtores nacionais. No entanto, empresários e ilustres economistas brasileiros muito raramente reclamam da inflação, embora esbravejem continuamente contra a valorização cambial. Devem ter esquecido tanto a experiência internacional quanto a nacional.
Durante muito tempo o Brasil se deu mal com o câmbio fixo. O câmbio flexível e ajustado periodicamente pela inflação, adotado em 1968, foi um avanço, mas muito imperfeito. Sem estabilidade monetária, o regime cambial tornou-se uma corrida permanente em busca de ajustes de curta duração. A inflação desarranjava o câmbio e em seguida a correção cambial desarrumava os preços. O sistema passou a funcionar como um cão correndo atrás do próprio rabo. Parece estranho, mas alguns economistas e industriais falam como se tivessem saudade desse tempo.
Os países com melhor desempenho têm combinado controle da inflação, contas públicas em condições razoáveis e integração nos mercados globais. O resto é teimosia, mera insistência em pajelanças bem conhecidas, testadas e desacreditadas.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Etanol ainda precisa de plano estratégico




Às vésperas do início  da nova safra canavieira, o governo federal anunciou  medidas de apoio ao setor sucroenergético: redução do PIS e da COFINS sobre o etanol; juros menores para o Programa de Apoio à Renovação e Implantação de Novos Canaviais (Prorenova) e nova linha de crédito para a estocagem do nosso combustível renovável.
Soma-se a volta da mistura de 25% de etanol anidro na gasolina, que vigorará a partir de 1º de maio. A elevação do percentual do combustível retorna assim a mistura ao patamar existente até outubro de 2011, quando o governo intempestivamente reduziu para 20%.
Essas medidas são oportunas, mas ainda insuficientes! Por exemplo, deveriam incluir a diminuição da incidência da CIDE sobre o etanol para garantir vantagem para a competitividade de nosso combustível renovável.
Hoje, surpreendentemente, a incidência da CIDE é maior no etanol do que na gasolina e no diesel, ao contrário do que qualquer lógica poderia supor. Essa contribuição tem de ser usada para regular e garantir vantagem ao etanol.
 A oferta de crédito para renovação de canaviais com taxas mais atrativa  deve promover uma redução de 3% a 4% nos juros finais. A medida precisa ainda ser aprovada pelo Conselho Monetário Nacional e poderá sim estimular a manutenção dos índices de renovação e a expansão dos canaviais registrados na última safra (2012/2013), que já foram significativamente superiores à média histórica do setor.
É bom saber, por exemplo, que acelerar o ritmo de renovação dos canaviais permite ao setor avançar de modo mais consistente para uma situação de melhor produtividade agrícola, próxima de boas situações históricas, registradas antes da crise financeira de 2008/2009.
O crédito para a estocagem de etanol ao longo da safra para garantir o abastecimento durante a entressafra, é positivo porque  regula oscilações acentuadas de preço, típicas de períodos de safra e entressafra, indesejáveis por produtores, consumidores ou governo. Porém nas vezes anteriores em que tal dispositivo foi anunciado, ele não saiu do papel, daí a necessidade de atenção e acompanhamento para sua real implantação.
 Lembro também que cerca de 30% das empresas do setor sucroenergético terão dificuldades de acesso aos créditos para estocagem e para o Prorenova em consequência de níveis de endividamento elevados que dificultam o atendimento das análises bancárias de risco.
De acordo com Elizabeth Faria- presidente da Unica - União da Industria da Cana de Açúcar, “nos últimos cinco anos as usinas de açúcar e álcool paralisaram o processamento de cana no país, e, em função das margens negativas, mais doze devem suspender as atividades nesse ano”. Ela assegura ainda, porém, que esses fechamentos não significam risco de desabastecimento, porque toda a cana disponível será processada e a produção de etanol deve crescer de 21 bilhões para 25 bilhões de litros, mas, muito mais poderia ser feito, muito mais poderíamos estar produzindo.
Para a Unica  a redução do PIS/COFINS (na prática será zerado) deve  ajudar na competitividade do etanol em relação à gasolina, mas a entidade pondera que este diferencial poderá ficar “parcialmente ou integralmente” com outros elos da cadeia (distribuição,varejo ou o consumidor no caso de uma redução do preço final) e não beneficiará apenas  o produtor.
Essas recentes decisões indicam que o governo começa, embora  tardiamente, a tomar medidas para a melhoria no desempenho do setor buscando o  incremento da produtividade e competitividade.  Porém passam ao largo de necessárias propostas estratégicas, de longo prazo que definam a participação  clara do etanol na matriz energética nacional; a definição de leilões por fonte para incorporar na utilização do bagaço da cana e da biomassa; a estratégia de inovação tecnológica para a busca do etanol de base celulósica  deixando claros os benefícios  positivos de natureza econômica, social e ambiental proporcionados pela indústria da cana; e finalmente a definição de uma política previsível  de preços para o etanol.
Não é muito que se pede. Apesar de todas as dificuldades, na safra 2011/2012, o Brasil produziu cerca de 500 milhões de toneladas de cana, utilizadas para fabricar 31 milhões de toneladas de açúcar e 21 bilhões de litros de etanol, mas como afirmou Elisabeth Faria “Não há políticas de energia e combustíveis que prescinda de políticas públicas”, isto o nosso Etanol merece!

Arnaldo Jardim é deputado federal pelo PPS-SP e presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura
Site oficial: www.arnaldojardim.com.br
@ArnaldoJardim       

quinta-feira, 25 de abril de 2013

A nova geopolítica do petróleo


Rubens Barbosa
Relatórios recentes da Agência Internacional de Energia sobre a situação do petróleo no mundo, da Exxon sobre as perspectivas para o setor, além de estudo da Harvard Kennedy School sobre as perspectivas de crescimento da capacidade de produção e o que isso significa para o mundo, ensejam algumas reflexões acerca das profundas modificações que devem ocorrer na geopolítica internacional nos próximos anos. Dois fatos novos deverão trazer significativas implicações políticas, econômicas e estratégicas no cenário internacional: as fontes de produção do petróleo sofrerão profundas mudanças e a demanda global, em especial da China, da Índia e do Oriente Médio, deverá crescer de 35% a 46% entre 2010 e 2035.
Em 2015 os EUA deverão superar a Rússia e se transformar no maior produtor mundial de gás natural. Até 2017 os mesmos EUA devem superar a Arábia Saudita e se tornar assim um dos maiores produtores de petróleo do mundo. De importadores passarão, até 2025, a ser exportadores de líquido de combustível, graças a um significativo aumento na produção de gás (20% de 2008 a 2012) e de petróleo (37% nesse período). Isso como resultado de uma nova tecnologia na exploração de depósitos profundos em formações de xisto (fraturamento hidráulico e perfuração horizontal) e da rápida melhoria na eficiência do consumo de combustível.
O novo cenário deverá propiciar um movimento de reindustrialização nos EUA, que atrairá de volta empresas instaladas na China e no México. Esse fato reforçará a tendência de crescimento do país e da redução das emissões de gás carbônico. Com isso poderá ocorrer o enfraquecimento das resistências domésticas às decisões internacionais na área de meio ambiente. Na medida em que são construídas usinas a gás natural, mais eficientes, haverá declínio nos EUA do uso no carvão mineral, substituído por usinas térmicas, o que pode significar aumento de sua exportação para os mercados europeu e chinês.
O crescimento na produção global é resultado do grande volume de investimentos feitos nos EUA desde 2003, com seu ponto mais elevado em 2010, em reservas não convencionais no país (xisto betuminoso), no Canadá, na Venezuela (óleo superpesado) e no Brasil (pré-sal). Por outro lado, Noruega, Reino Unido, México e Irã enfrentarão até 2020 queda na capacidade produtiva. O maior potencial de produção deve concentrar-se no Iraque, nos EUA, no Canadá e no Brasil. A continuação do crescimento da produção, contudo, dependerá, segundo os relatórios, de o custo desta se manter acima de US$ 70, a preços correntes.
Esse cenário otimista do crescimento da indústria petrolífera poderá ser afetado ou por uma recessão econômica global, que engendraria a redução do consumo na China, ou por uma crise no Oriente Médio, incluindo o Irã. Com a queda da demanda, o excesso de produção poderá trazer o preço para abaixo dos US$ 50, ameaçando a produção global. Mesmo nesse cenário pouco provável, o desenvolvimento de projetos de maior custo marginal, como o pré-sal brasileiro, segundo os relatórios, não ficaria afetado.
A partir desses fatos e projeções, surgem algumas consequências geopolíticas da revolução petrolífera. O Oriente Médio poderá deixar de ser o foco das preocupações para os principais mercados consumidores, especialmente para os EUA e a Europa. E a Ásia se tornará o principal mercado para a maior parte do petróleo do Oriente Médio, com a transformação da China em novo protagonista no cenário político dessa região.
Ao mesmo tempo, o Hemisfério Ocidental poderá recuperar a situação que tinha antes da 2.ª Guerra Mundial, voltando a ser autossuficiente em petróleo. Os EUA reduziram, desde 2006, em 40% a importação do produto. Não parece provável, porém, que os EUA se isolem do resto do mundo petrolífero e não tenham influência sobre a formação dos preços do produto, nem que, no contexto da política externa, as questões do Oriente Médio percam sua importância. A Rússia, nesse contexto, deverá reduzir suas exportações de petróleo e, sobretudo, diante da concorrência dos EUA, de gás natural para a Europa. A importância política relativa russa na Europa tenderá a diminuir, o que pode explicar o interesse de Moscou em se associar à OCDE.
Quanto às implicações desse novo cenário sobre a América Latina, o país mais afetado deverá ser a Venezuela. Em consequência da situação interna e das atitudes de Hugo Chávez, os EUA iniciaram nos últimos anos um processo de redução das aquisições de petróleo, hoje situadas ao redor de 10% da demanda norte-americana. As refinarias da costa do Golfo estão substituindo o petróleo venezuelano pelo xisto betuminoso, de produção local. O México, com produção cadente a partir de 2020, poderá tornar-se importador de petróleo, revertendo uma posição de tranquilidade nas suas contas externas. Essa situação poderá agravar-se caso ocorra a volta de maquilas norte-americanas, estimuladas pela reindustrialização favorecida pelos baixos preços do gás natural.
Argentina, por suas reservas importantes de xisto betuminoso, e Brasil, pelas reservas do pré-sal, estarão em posição privilegiada caso consigam superar as dificuldades internas que impedem a exploração das referidas reservas em sua plenitude. Nos dois países, a instabilidade jurídica, derivada da modificação das normas regulatórias, as limitações de financiamento das empresas e as dificuldades por que passam as estatais petrolíferas mostram um retrocesso em suas capacidades produtivas, justamente quando ocorre essa grande transformação na indústria de petróleo no mundo. No caso do Brasil, o petróleo do pré-sal não mais será absorvido pelo mercado americano, como inicialmente esperado. Outros destinos deverão ser buscados, em especial China e Índia.
PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP