quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Mauricio Stycer - Fábrica de novelas da Globo não produz mais impacto, FSP

 O brasileiro foi alimentado pela Globo nos últimos 55 anos com uma dieta à base de três novelas originais por dia. Desde o final da década de 1970 funciona uma rotina de novela das 18h, seguida por telejornal local, novela das 19h, telejornal nacional e novela das 20h (hoje das 21h).

Explicando o sucesso dessa receita, executivos da emissora sempre defenderam a ideia de que televisão é hábito. O público precisava ser acostumado a encontrar os programas que apreciava num horário certo, fixo.

Na primeira versão de 'Roque Santeiro', em 1975, Betty Faria e Lima Duarte faziam o papel da Viúva Porcina e Sinhozinho Malta.
Betty Faria (Viúva Porcina) e Lima Duarte (Sinhozinho Malta) na primeira versão de 'Roque Santeiro', em 1975 - Peter Schneider/TV Globo

Essa tese ajuda a entender por que a emissora assegurou a liderança nessas faixas horárias mesmo quando exibiu novelas ruins. A audiência oscilou para baixo, causando derrotas episódicas para os concorrentes, mas nunca o suficiente para ameaçar a hegemonia da Globo.

A revolução digital alterou essa fórmula. Podendo assistir aos programas que quisesse no horário em que bem entendesse, o espectador se tornou menos escravo da grade fixa de programação.

A enorme oferta de conteúdo das plataformas de streaming, em especial de séries, foi um segundo golpe no formato consagrado das novelas. É muito mais fácil, confortável e divertido ver uma boa série de 20 episódios do que uma novela de 170 capítulos.

PUBLICIDADE

Especificidades socioeconômicas do Brasil fizeram com que as transformações na forma de consumir televisão ocorressem mais lentamente do que em outros países. O acesso a banda larga de qualidade ainda é restrito e caro no país. Dados de 2023 mostram que a TV aberta se segura como o principal destino das verbas de publicidade do mercado.

Num cenário confuso, a Globo tem reagido nesta década de forma igualmente confusa. Investiu exageradamente na produção de conteúdo para a sua plataforma de streaming sem ter o retorno esperado. Produziu, sem sucesso, séries que buscavam agradar tanto o público da TV aberta quanto o do streaming.

Até uma novela, "Todas as Flores", foi lançada originalmente no Globoplay, para decepção geral. Gastou dinheiro, não conquistou assinantes e desagradou o espectador cativo.

Ao mesmo tempo, a fábrica de novelas para a TV aberta não parou um só segundo de produzir, com exceção do período mais severo da pandemia de coronavírus. O público, porém, deu vários sinais de que não estava feliz com o que via.

Num gesto que hoje me parece mais instintivo do que planejado, a Globo aprovou uma sucessão de remakes de novelas do passado. "Pantanal" deu muito certo, mas pode ter sido uma exceção.

Diante da onda de remakes, há um ano escrevi que o cenário sugeria que as novelas estavam se tornando um fardo para a Globo. Continuo com essa impressão. As novelas ainda atraem o interesse de uma fatia considerável do público e, em consequência, do mercado publicitário, mas a emissora, se pudesse, investiria mais em outros formatos.

Isso é visível na falta de impacto das novidades, como "Mania de Você", de João Emanuel Carneiro, que estreou há um mês. Parece uma boa novela das 21h, mas não propõe nada de novo e vem sofrendo para alcançar índices de audiência ao menos razoáveis.

Ainda é cedo para dizer, mas a primeira impressão causada por "Volta por Cima", lançada nesta semana, é que repete a fórmula bem-sucedida de "Vai na Fé". E em novembro estreia "Garota do Momento", uma trama de época, que no papel parece boa.

Neste cenário, a expectativa sobre o remake de "Vale Tudo", em 2025, está tomando uma proporção enorme, como se fosse a última esperança para reverter uma crise sem fim.

Nenhum comentário: