quarta-feira, 5 de junho de 2024

A Bíblia tem até pileque nudista e massacre de ursas; vale a leitura fundamentalista?, Anna Virginia Balloussier, FSP

 Poucas leituras são tão animadas quanto a da Bíblia, e eu posso provar.

Não precisa ser nenhum devoto do cristianismo para se fascinar com passagens como a de Gênesis que narra como Noé tomou um porre de vinho e ficou peladão na tenda. Seu caçula, Cam, flagrou o pileque nudista e contou aos irmãos. E aí Noé foi lá e amaldiçoou um neto que não tinha nada a ver com isso, Canaã, filho do X9.

O Antigo Testamento é farto em histórias que soam insólitas a quem teve pouco ou nenhum contato com a Bíblia. Gosto desta: o profeta Eliseu, enfurecido por ser chamado de careca, solta uma maldição em nome de Deus contra uns rapazes. "Então duas ursas saíram do bosque e despedaçaram 42 daqueles meninos", diz o Livro dos Reis.

Myriams/Pixabay

Já Jesus condenou à danação uma figueira. Estava com fome e viu a árvore sem nenhum figo para contar história. O messias então a amaldiçoa para que nunca mais dê fruto. Tudo acontece pouco antes de o filho de Deus subir nas tamancas contra os vendilhões do templo. Detalhe: não era temporada de figos.

Tem aquela outra em que Jacó veste pele de cabrito para se passar por Esaú, o irmão peludão, diante do pai cego. O Tony Ramos da dupla perde o direito de primogenitura após Jacó enganar o velho —ele veio à luz depois do gêmeo, a quem segurou pelos calcanhares ao sair do ventre. As nações que descendem dos irmãos ficam assim fadadas ao conflito.

Há personagens menos mainstream que rendem cenas memoráveis, como a jumenta que apanha três vezes de Balaão. Deus faz o animal falar só para passar um pito no profeta: a pobre coitada só estava tentando protegê-lo de um anjo com uma espada que tentava impedir o homem de seguir caminho.

Também estão nas Escrituras histórias de casais incestuosos, como os irmãos Abraão e Sara, ou Ló transando com duas filhas (não ao mesmo tempo), após ser embebedado por elas.

Para não dizer que de tédio ninguém morre ali, o Livro de Atos de Apóstolos relata a triste sina do jovem que, apoiado na janela, desaba do terceiro andar ao cair no sono ouvindo "o extenso discurso de Paulo".

A Bíblia fala até sobre cocô. Em Deuteronômio, Moisés orienta seu povo a evacuar longe do acampamento e levar uma pá para enterrar as fezes.

A exegese bíblica pode extrair de cada versículo alegorias e lições.

O que me intriga é o leitor fundamentalista. Ou seja, quem toma ao pé da letra tudo o que vem dali, o que muitas vezes acaba sendo usado para justificar o injustificável, como a intolerância com os LGBTQIA+.

Levítico sugere que morra o homem que deitar com outro, ato dito abominável. O mesmo livro fala sobre não tocar mulheres menstruadas, misturar tecidos diferentes na mesma roupa nem comer animais marinhos que não têm barbatanas ou escamas —adeus, camarão.

Se no princípio é o verbo, a interpretação de texto pode ser o fim da picada.

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