sábado, 29 de junho de 2024

Chamem o Tiririca, Antonio Prata _FSP

 

Eu tinha uns vinte anos, era colaborador numa novela da Globo e não sei por que cargas d’água fui parar num almoço com uns executivos do canal. Havia muitos talheres, muitos copos, muitos chefes e uma TV ligada, sem volume, no fundo do restaurante, no Projac.

No meio da conversa um mandachuva, que provavelmente tinha pegado o Boni no colo, feito cafuné no Chacrinha e dado chupeta pro Renato Aragão, olha pra TV e se cala.

Tava passando, em "Vale a Pena Ver de Novo", uma cena com uma dessas grandes atrizes, não sei se a Renata Sorrah, a Laura Cardoso ou a Marília Pêra.

Depois de uns segundos ele sorriu satisfeito, como um fazendeiro admirando sua lavoura. Aí disse um negócio que nunca esqueci. "Você reconhece boa atuação é assistindo TV sem volume".

De fato, sem sabermos o que a Renata Sorrah, a Laura Cardoso ou a Marília Pêra falavam, percebíamos sua genialidade, em contraste com a canastrice dos atores menores, que gritava na televisão muda.

Lembrei da cena nesta quinta, assistindo ao debate entre Trump e Biden. Coloquei na CNN, mas a TV estava sem volume e demorei a achar o controle certo. Por mais de um minuto, voltei àquele almoço de duas décadas atrás –e, infelizmente, não vi no Biden nem a Renata Sorrah, nem a Laura Cardoso e nem a Marília Pêra.

A ilustração de Adams Carvalho, publicada na Folha de São Paulo no dia 30 de Junho de 2024, mostra o desenho de uma marreta feita de porcelana branca com estampa florida azul.
Adams Carvalho

Que desastre, meus amigos. Que desastre. Qualquer estreante em "Malhação" teria feito melhor. Trump era Rocky Balboa socando um Dom Lázaro balbuciando "eu quero mamão". Era Arnold Schwarzenegger (em qualquer filme) contra Daniel Day Lewis em "Meu pé esquerdo".

Mano! O país mais poderoso do mundo, o único que tem alguma chance de liderar a luta contra a extrema direita, aos quarenta e cinco do segundo tempo no jogo do apocalipse climático, com mais de 300 milhões de habitantes, não conseguiu arrumar ninguém melhor pra concorrer à presidência do que a Velha Surda de "A praça é nossa"?! Biden parece ter sido escolhido a dedo— por um estrategista republicano.

A direita sempre tem a virilidade em alta conta. Até um homúnculo como Mussolini era vendido como um Hércules, fazendo com que todos os homúnculos da Itália reconhecessem como hercúleas suas existências medíocres.

Vivemos uma crise da masculinidade. O homem hétero não é mais o rei da cocada preta. A "defesa da família tradicional", conversa pra boi dormir e gado acordar, que vem de Trumps, Bolsonaros e quetais, nada mais é do que a promessa de voltarmos à época em que o homem branco e hétero mandava na sua esposa, nos seus filhos, podia zoar o gay no trabalho e desprezar todos os negros.

O slogan "Make América Great Again" podia ser mais explícito e mudar para "Enlarge Your Penis". Um charuto pode ser apenas um charuto, claro, mas desconfio que esses fuzis não sejam apenas fuzis.

Essa virilidade tosca do século 20, rediviva no 21, é ridícula, claro, mas a virilidade, em si, não é. Queremos que um líder seja corajoso, enfático, forte. Nada disso requer, especificamente, testosterona. Margareth Tatcher, Angela Merkel, Marine Le Pen, Simone Tebet, Dilma, Michele Obama não são imagens da fragilidade.

Tampouco precisa ser jovem, um candidato: botassem o Ariano Suassuna no fim da vida pra debater com o Trump e não sobrava uma migalha craquelada daquele bronzeamento artificial. A Erundina arrancava aquela peruca com duas frases.

Por que, ó Deus, ó deusas, o Biden? Se não tem ninguém no partido democrata, não podiam treinar o Tom Hanks? O Ross, de Friends? A Phoebe! O Mickey Mouse? O Pateta? Eu? O Tiririca? Pior do que tá não fica.


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