"Eureca!" Diz a lenda que essa foi a exclamação de Arquimedes ao sair correndo nu pelas ruas de Siracusa, no século 3 a.C ("eureca", em grego, significa "descobri" ou "encontrei"). No banho, a partir da observação de seu corpo na água, ele havia acabado de compreender como calcular o volume de ouro da coroa do rei Hierão II, que o encarregara dessa missão, desconfiado de ter sido enganado pelo artesão que confeccionara a peça. Séculos depois, ocorreu um episódio que todos conhecem, aquele da maçã: ao observar o fruto caindo da árvore, Isaac Newton percebeu que a mesma força que fazia a maçã cair mantinha a lua caindo em direção à Terra e a Terra caindo em direção ao sol... e assim formulou sua teoria da gravitação universal.
É bem provável que essas sejam versões ficcionalizadas de eventos reais, pois o imaginário popular gosta de fantasiar que as descobertas científicas são realizadas em momentos de iluminação de cientistas geniais. E a história, de fato, é recheada dessas aparentes descobertas ao acaso. Vejamos mais algumas.
Em 1800, o astrônomo William Herschel notou que a luz dispersa por um prisma (lembre da icônica capa do álbum "Dark Side of the Moon", do Pink Floyd) aumentava a temperatura de um termômetro. Surpreendentemente, ao mover o dispositivo para além da região vermelha do espectro, onde seus olhos não enxergavam nenhuma luz, ele ainda assim notava uma variação de temperatura. Herschel estava observando, pela primeira vez, a radiação infravermelha, e detectava a existência física de um ente que nossos sentidos não poderiam perceber.
A penicilina, responsável por salvar incontáveis vidas, foi descoberta em 1928, também por casualidade, quando o médico Alexander Fleming percebeu que, sobre uma de suas placas de ensaio, colônias de bactérias não se reproduziam ao redor do mofo, mais tarde identificado como Penicillium notatum.
Mais recentemente, na década de 1960, os astrônomos Arno Penzias e Robert Wilson estavam experimentando um novo tipo de antena ultrassensível, construída para a detecção de ondas de rádio. Mesmo depois de identificar e eliminar todas as possíveis fontes de interferência conhecidas, eles ainda escutavam um murmúrio constante, com intensidade cem vezes maior do que tudo fosse conhecido ou que eles pudessem prever. O bizarro era que, independentemente da direção para a qual a antena apontava, o zumbido continuava. O problema talvez estivesse na antena, pensaram, quem sabe causado pelo cocô dos pombos que haviam se aninhado no equipamento. Após uma boa limpeza, no entanto, o zumbido persistiu: o que eles estavam detectando era a radiação cósmica de fundo, um eco do surgimento do universo e que viria a se tornar a primeira evidência sólida da teoria do Big Bang.
As histórias de momentos-eureca são deliciosas, nos inclinam a pensar que qualquer um no lugar certo e no momento apropriado poderia fazer uma grande descoberta. Esses eventos, porém, têm se tornado cada vez mais raros. A evolução constante e cada vez mais rápida da tecnologia e da sociedade pode sugerir o contrário, mas é próprio da ciência avançar de forma lenta, um processo por vezes enfadonho que pode levar anos ou mesmo gerações. A ciência se baseia majoritariamente sobre uma fundação coletiva do conhecimento, embora também tenha que contar com a genialidade e a sorte individuais que tanto nos fascinam.
Um exemplo claro que mistura genialidade individual e esforços coletivos de gerações de cientistas foi a descoberta das ondas gravitacionais preditas pela teoria da relatividade geral de Albert Einstein em 1916 —ondulações no tecido do espaço-tempo, produzidas por eventos cataclísmicos como a colisão de buracos negros.
O próprio Einstein, em uma de suas aulas relembrou seu momento-eureca: "A descoberta chegou de repente. Eu estava sentado numa cadeira no meu escritório de patentes em Berna, e de súbito um pensamento me ocorreu: se um homem caísse livremente, ele não sentiria o próprio peso. Fiquei surpreso. Esse simples experimento mental causou uma profunda impressão em mim. Isso me levou à teoria da gravidade". Mas foi apenas um século mais tarde que as ondas gravitacionais foram diretamente detectadas, através de uma enorme colaboração experimental conhecida como LIGO (do inglês Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory), cujo planejamento começou ainda na década de 1980, envolvendo milhares de cientistas e bilhões de dólares.
Uma última história, a de Johanna Döbereiner, cientista brasileira que revolucionou a agricultura na década de 1960, batendo de frente contra os Estados Unidos, então líder na produção de soja baseada no uso intensivo de adubos nitrogenados. Döbereiner descobriu várias espécies de bactérias fixadoras de nitrogênio, de modo a permitir que algumas culturas gerassem seu próprio adubo, dispensando, pois, os adubos norte-americanos. Nas palavras da cientista: "Na década de 60, ir contra a adubação química era quase um sacrilégio… Só muito tempo depois vi que nossas pesquisas não só permitiam uma produção mais barata como também mais ecológica, porque não poluía os rios nem o solo".
A despeito de todas essas histórias de coincidências e eventualidades, para evoluir, a ciência não pode ser deixada ao acaso. Exatamente o contrário do que aconteceu com a ciência brasileira, entregue à própria sorte nos últimos anos. Para que o vasto conhecimento e o enorme potencial das centenas de milhares de cientistas brasileiros se transformem em benefícios para uma sociedade mais justa, econômica e ambientalmente sustentável, é essencial garantir financiamento contínuo e valorização de suas carreiras.
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Rafael Chaves é físico, pesquisador e vice-diretor do Instituto Internacional de Física da UFRN, autor do livro de divulgação "Incerteza Quântica" e surfista nas horas vagas.
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