sexta-feira, 21 de junho de 2024

A música como arma : 1º, Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira OESP

 Embora eu não possua fontes para uma pesquisa fiel nem dados de qualquer natureza que possam confirmar a minha suspeita, eu creio que o Brasil tenha sido um dos países, sob regime ditatorial, no qual mais se tenha utilizado a música como instrumento de protesto. Com certeza outros usaram e usam esse recuso, mas em nosso país a intensa atividade musical de caráter político foi extraordinária.

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Na história da humanidade a arte sempre esteve presente como meio de protesto e de resistência. Quer por meio da poesia ou da prosa, os escritores expuseram as suas ideias libertárias. Ademais, os períodos de abstinência democrática sempre encontraram na música eficiente meio de contrariedade e de apelos pela liberdade.

Durante a ocupação da Polônia o grande Chopin compôs a Polonaise, um dos clássicos mais aclamados e de maior prestígio do mundo. O hino francês, La Marseillaise igualmente foi criada em momento de grande ebulição política, a revolução francesa.

Os dois únicos exemplos citados, mas há inúmeras outras músicas clássicas do mesmo sentido e natureza, trazem uma carga expressiva de patriotismo e de louvar a nação. Mantinha um cunho de protesto e de exaltação patriótica  em seus acordes e letras.

Voltando ao Brasil, devemos lembrar que os alvos dos protestos são de duas naturezas. De um lado temos aqueles de cunho social, onde surge com clareza o inconformismo e mesmo a revolta em face da crônica desigualdade social  em  nosso país. De outro os de conteúdo político.

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Diferentemente dos primeiros, as músicas com apelos libertários não podiam explicitar os sentimentos de revolta e a ânsia pelo retorno democrático. As razões eram óbvias. Imperava a censura a tolher a criatividade. As mensagens políticas eram postas com grande cuidado e sutileza.

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Logo após a eclosão do golpe militar de 1964 os compositores de maior envergadura intelectual se dedicaram a transmitir suas opiniões, suas críticas, apreensões e esperanças, por meio de letras muito bem elaboradas, que continham metáforas, figuras de linguagem, sutis comparações, recursos que muitas vezes alcançavam os seus objetivos: não eram captados pelos censores e a mensagem contida atingia o corpo social.

Considero a composição de Chico Buarque e de Gilberto Gil, “Cálice”, como a mais significativa, inteligente e, ao mesmo tempo, poética música de protesto que contêm o mais significativo brado conta a ditadura milita.

O seu título, por si só, representa uma inteligente criação semântica por meio de uma expressão, que na fonética é idêntica a outra, tendo elas significados absolutamente diversos. “Cálice”, título da música, é o copo, a taça, o recipiente para se ingerir líquidos. No entanto, a sua pronúncia induz o significado de calar, silenciar, estar proibido de falar, de  externar o pensamento. O “Cálice” se transforma em “Cale-se” . Uma autoritária voz de comando tão própria em períodos despóticos.

A genial criação dos dois geniais compositores inspirou-se no sofrimento de Cristo crucificado. Queriam eles o afastamento do cálice “de vinho tinto de sangue”. No entanto, alertaram que apesar do cálice, lido aqui como cala-se, e “mesmo calada a boca, resta o peito. Silêncio na cidade não se escuta”.

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