Na natureza, o lixo é considerado um erro de design. Assim, um dos principais caminhos da descarbonização é dar ênfase à economia circular, utilizando resíduos de certos processos como meios de retornar ao início, reduzindo o consumo de novos insumos.
Esse é o caso das emissões de metano, que representam cerca de 20% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Principalmente localizada no setor agropecuário, as emissões de metano não são diretamente ligadas ao transporte, mas são oportunidade ímpar para também descarbonizar essa aplicação, principalmente os veículos pesados.
Importância da captura e uso do metano
Praticamente, todo resíduo orgânico quando se decompõe, passa por um processo de biodigestão que libera biogás. Esse biogás é rico em metano, cerca de 60%. Sendo de fonte biogênica, esse metano é chamado de biometano.
Esse processo acontece nos lixões próximo às cidades, nos dejetos de animais, nos resíduos agrícolas como cascas, folhas e galhos, e também em outros processos fermentativos como o caso da produção de etanol com a vinhaça.
O gás metano quando emitido na atmosfera representa de 25 a 34 vezes maior efeito estufa do que o gás carbônico. Por isso, uma ação mitigadora da emissão de metano é queimá-lo antes de lançá-lo na atmosfera.
Estações de tratamento de esgoto e lixões já praticam essa ação. Isso é capaz de reduzir praticamente 90% das emissões de gases de efeito estufa. Por sua vez, isso significa descartar a energia dessa queima sem gerar trabalho útil.
Então, capturar esse gás e utilizá-lo como combustível em um veículo, é uma ação de dupla descarbonização, pois ainda diminui o consumo de combustível fóssil.
Biometano vs. Diesel
Comparado a um veículo diesel, o uso de metano é capaz de gerar uma descarbonização significativa comparada com o diesel. No caso do metano fóssil, gás natural, a descarbonização é da ordem de 21 a 25%. Já com o Biometano, versão renovável do metano, a redução é da ordem de 95%.
Caso a região de troca do combustível seja distante da produção de diesel, a pegada de carbono do biometano pode ser negativa, isto é, evitando mais emissão de CO2 do que emitindo diretamente.
Segundo estudo da Abiogás, o volume de produção de metano de matéria orgânica no Brasil, se capturado, teria o poder energético de substituir 70% do consumo de diesel no país. Note que mais de 20% do consumo de diesel no Brasil é através de diesel importado.
Por isso, o biogás ganhou o apelido de “pré-sal caipira”. E ainda é interessante mencionar que o poder energético do metano, 55 MJ/kg, é maior do que do diesel, 46 MJ/kg, proporcionando máquinas de tamanho equivalentes capazes de entregar a mesma potência e torque. Isso facilita a integração em veículos em série, pois sua utilização não requer um motor de tamanho maior do que o original.
Há um certo tempo atrás, havia uma falsa percepção de que motor a gás natural, versão fóssil do metano, gerava perda de potência e torque comparado com o motor original diesel. Isso veio de processos de modificação de um motor diesel sem qualquer adaptação ou otimização para que ele rodasse com gás natural.
Em um motor de mesmo tamanho com otimização da câmara de combustão, taxa de compressão, sistema de injeção e cabeçote, é possível alcançar mesma potência e torque sem a necessidade de aumentar o tamanho do motor.
A combustão do biometano é equivalente ao gás natural, sendo que o motor é o mesmo e capaz de utilizar os dois combustíveis sem qualquer necessidade de adaptação em hardware. Assim, o gás natural tem papel chave no caminho de promoção do uso do biometano enquanto cresce a oferta desse combustível com as instalações das usinas que o produzem.
Além de entregar mesma potência e torque do diesel, o biometano apresenta uma vantagem ambiental interessante na extrema redução de emissões de particulado, excelente para a circulação em cidades. E ainda o motor a biometano apresenta redução sensível de ruído, cerca de 20%.
Sobre autonomia, o número de tanques define a autonomia pretendida. Usualmente um veículo pesado apresentará com biometano comprimido cerca de 400 km de autonomia para veículos rodoviários. Em veículos urbanos, como ônibus, autonomia de 250 km é suficiente para cobrir mais de 95% das viagens diárias por veículo nas capitais brasileiras.
Não há preocupação com tempo de abastecimento, pois em sistemas comuns, o tempo de completar um tanque do zero para uma autonomia de 400km é inferior a 15 minutos.
O custo de operação é outra vantagem interessante. Ao se utilizar o gás natural em substituição ao diesel, o ganho nos custos operacionais é da ordem de 15%. Já o biometano é dependente da fonte. Quando o usuário também é o produtor de biometano, os ganhos operacionais podem ser muito maiores. É o lixo se tornando riqueza ao mesmo tempo que proporciona sustentabilidade com viabilidade econômica.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
André Ferrarese é diretor de P&D da Tupy, multinacional do segmento de metalurgia e representante do Acordo de Cooperação Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil – MBCB.
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