22.jun.2024 às 22h00
Ao longo da última década, a nova onda conservadora do país tornou-se pauta incontornável. Tão persistente quanto o tema é a identificação dos evangélicos como os responsáveis pela guinada que o Brasil teria feito em direção à direita cristã. Muito menos observada, no entanto, são as formas e forças que grupos católicos têm desempenhado neste processo. Afinal, o que há de católico neste momento em que a identidade conservadora virou um ativo político?
A invisibilização do assunto no debate público é antes de qualquer coisa sintomática. E assim o é por três razões fundamentais. Em primeiro lugar, por mais que a paisagem religiosa nacional esteja se transformado, estamos tão habituados às formas de atuação política de parcelas católicas que suas ações passam por baixo do radar crítico dos analistas.
Em segundo lugar, muitos dos próprios analistas de conjuntura política foram forjados em um ambiente em que o universo católico representava um horizonte de respiro à esquerda, com a forte atuação de pastorais como as de favela, saúde, carcerária e ações em prol da garantia de direitos humanos.
Por fim, os eventos históricos que envolvem estratos católicos como o Integralismo e as movimentações da Sociedade Brasileira da Tradição, Família e Propriedade (TFP) sempre foram vistas como mais orgânicas na nossa formação política do que entrada de lideranças evangélicas no regime político.
Para identificar e reconhecer a força dos católicos na nova leva conservadora, no entanto, é preciso ainda fazer um ajuste de foco. Isso porque, por contraste, ao contrário das lideranças evangélicas mais histriônicas, que usam a visibilidade das redes sociais e o próprio Legislativo para defender suas pautas, no caso dos católicos o caminho tende a ser outro.
Se é o Parlamento um dos principais espaços de vocalização de políticos evangélicos, com os católicos a atividade é mais silenciosa —nem por isso menos efetiva— e ocorre, sobretudo, no Judiciário.
Em pesquisa recente que coordenei, realizada pelo Iser (Instituto de Estudos da Religião), identificamos mais de duas dezenas de associações jurídicas católicas plenamente atuantes na judicialização de sua agenda de costumes. Associações que reúnem juristas de peso, como Ives Gandra da Silva Martins, se espalham por todo país.
Foi no âmbito do Judiciário que, em outubro de 2020, o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu favoravelmente uma ação movida pelo Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, organização ligada à direita católica, contra as Católicas pelo Direito de Decidir —uma das mais antigas ONGs do país em defesa do direito sexual e reprodutivo das mulheres.
A decisão declarava a ilicitude do grupo de se declarar católico. Segundo a sentença, há "pública, notória, total e absoluta incompatibilidade com os valores mais caros adotados pela associação autora e pela Igreja Católica de modo geral e universal, segundo o qual não dependem de prova dos fatos". O posicionamento dos magistrados combinaria melhor com o timbre da Congregação para a Doutrina da Fé, no Vaticano, do que com o de uma corte laica brasileira. E não é exceção.
Ao analisarmos o conteúdo das ações movidas por tais agentes, é possível identificar uma rede de atuação conjunta e coordenada entre diferente grupos que acionam o Judiciário em busca da criação de jurisprudência sobre temas como família, gênero e sexualidade.
Ao seguir os atores implicados nessa rede e nos debruçarmos sobre seu modus operandi, dois outros aspectos se destacam. As associações católicas investem firmemente na formação de novos quadros intelectuais. E em muitas dessas ações ocorre uma espécie de ecumenismo jurídico, em que católicos e evangélicos atuam conjuntamente em uma mesma agenda. Já é hora de olharmos para os católicos para entendermos o nosso novo conservadorismo.
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