domingo, 23 de junho de 2024

Celso Rocha de Barros - Ajuste de meio de governo, FSP

 A vida da equipe econômica de Lula está mais difícil. As derrotas no Congresso, os juros nos Estados Unidos e a turbulência no mercado financeiro devem obrigar a equipe econômica a antecipar, ao menos em parte, a discussão sobre gastos públicos que só pretendia fazer em 2025.

As medidas mais controversas, que ainda não sabemos se serão mesmo apresentadas, seriam a desvinculação do piso da previdência do salário-mínimo e a revisão dos mínimos constitucionais de gasto com saúde e educação.

A imagem mostra dois homens em um evento. O homem à esquerda tem cabelo grisalho e barba, e está segurando um papel. O homem à direita está cochichando algo no ouvido do homem à esquerda. Ambos estão usando terno e gravata. O fundo é amarelo e azul.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) conversa com o presidente Lula (PT) durante evento no Palácio do Planalto - Lucio Tavora - 20.mai.24/Xinhua

O economista Bráulio Borges, que já teve suas propostas elogiadas por Haddad, defende que o piso da previdência seja reajustado pelo índice de inflação da terceira idade (IPC3-i) calculado pela Fundação Getúlio Vargas, e que os mínimos para saúde e educação sejam substituídos por pisos de gasto per capita que poderiam subir com o tempo.

O timing político das propostas pode parecer estranho.

O ajuste real do salário-mínimo no governo Bolsonaro foi zero. Se Lula desvinculasse o piso da previdência no começo do governo, quando começou a aumentar o mínimo, ainda estaria dando mais aumento do que Bolsonaro para todo mundo.

No teto de gastos de Temer, a vinculação de gastos com saúde e educação havia sido extinta. Se Lula inserisse uma vinculação mais modesta no arcabouço fiscal, ainda estaria aumentando a obrigatoriedade do gasto com saúde e educação, em comparação com os dois últimos governos.

Fazendo o ajuste no meio do governo, a impressão será que Lula 3 desacelerará os aumentos dos aposentados (que ainda serão maiores do que antes de Lula 3) e diminuirá a obrigação de gastar com saúde e educação (que ainda vai ser maior do que antes de Lula 3).

Como bem notou Samuel Pessôa nesta Folha, esses mecanismos poderiam ter sido implementados junto com o novo arcabouço fiscal, já em 2023. O economista Bruno Carazza, em artigo recente no Valor Econômico, propôs a questão nos seguintes termos: por que Lula não seguiu o clássico conselho de Maquiavel, de fazer o mal de uma vez e o bem aos poucos? Isto é, porque Lula não propôs os ajustes no começo do governo, para colher os benefícios de crescimento (e recuperar sua popularidade) nos anos seguintes?

Na verdade, Lula 3 teve um início de governo muito atípico. O preço da impopularidade no começo de Lula 3 era muito maior do que em qualquer governo da Nova República, pois houve uma tentativa de golpe. O líder do golpe, aliás, ainda está solto e acaba de indicar o candidato a vice na chapa de Ricardo Nunes.

E havia uma questão de princípio, com a qual concordo: como bem disse Marcelo Medeiros em entrevista à Folha, qualquer proposta de ajuste pode ser discutida, mas o gasto com pobre deve ser cortado por último. Quem critica o ajuste pelo foco na arrecadação deveria lembrar do seguinte: a maioria das desonerações combatidas por Haddad —inclusive as criadas no governo Dilma— deveria ser extinta mesmo se não houvesse problema fiscal. São completamente injustificáveis e regressivas.

Resta torcer para que o ajuste de meio de governo se dê em condições mais favoráveis, tanto no ambiente externo quanto no equilíbrio político. Ajudaria se a extrema direita perdesse nas eleições municipais, nas eleições para presidência de Câmara e Senado, e na eleição americana.


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