Sou contra a mal chamada PEC das Praias, mas o que me impressiona nesse caso é que a polarização está gerando um nível de ruído que compromete a própria discussão.
Opositores da emenda afirmaram que ela levaria à privatização das praias do país. Seria um ótimo argumento contra a medida, se ele fosse verdadeiro, mas não é. A PEC nem trata de praias, mas dos terrenos de marinha, isto é, áreas que ficam acima da linha da areia —mais especificamente, o que fica na faixa das 15 braças craveiras (33 metros) a contar da preamar média de 1831— e já são hoje concedidas a particulares mediante o pagamento de taxas específicas. Pelo atual regime, quem ocupa legalmente um terreno de marinha já pode fazer uso privativo dele e nele construir. Pode também transmiti-lo a terceiros, inclusive herdeiros. Em algumas situações, já pode até comprá-lo e tornar-se proprietário de fato e de direito.
Daí não se segue que a emenda seja inofensiva. Uma preocupação mais realista é que a mudança de estatuto possa enfraquecer a proteção ambiental nesses terrenos e dificultar o acesso de pessoas a algumas praias. Vale observar, porém, que tais efeitos só ocorreriam se outras legislações fossem descumpridas. O problema aí não é tanto a PEC, mas o fato de nem sempre levarmos as leis a sério.
De toda maneira, a PEC extingue imediatamente uma fonte de receita para a União e cala sobre inúmeras questões relevantes, o que, a meu ver, torna temerário aprová-la.
O interessante aqui é constatar que, embora seja a extrema direita que tenha se especializado em distribuir fake news, neste caso específico foi a esquerda que se valeu do artifício. Combinou a falácia do arenque vermelho (introduzir pistas falsas para desviar a atenção da questão central) com a falácia do espantalho (usar uma versão distorcida do argumento do adversário) para produzir a ideia estapafúrdia de que as praias seriam privatizadas.
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