Mais uma vez, o STF meteu os pés pelas mãos. O julgamento da constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas, que determina penas para usuários de substâncias ilícitas, deveria, se não ser algo simples, ao menos seguir um roteiro conhecido. Embora o não tão douto ministro André Mendonça o ignorasse, vários países, incluindo os vizinhos Colômbia e Argentina, já percorrem esse caminho.
A discussão, no fundo, é sobre o alcance da autonomia individual. O STF não teria dificuldades, como não tiveram seus congêneres de outros países, de afirmar que a proteção constitucional à intimidade e à privacidade é de tal ordem que põe fora do alcance do legislador o que cada pessoa pode fazer com seu próprio corpo sem colocar terceiros em perigo. O voto original do ministro-relator, Gilmar Mendes, tinha essa pegada. Basta ver que ele considerara inconstitucional a punição para usuários de todas as drogas, não apenas de maconha.
Os ministros, porém, tendo percebido que o Legislativo resistiria à mudança de paradigma, se lançaram numa política de apaziguamento que foi desidratando o alcance e o teor da decisão. Gilmar mudou seu voto para abarcar só a maconha. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, tentou vender a ideia de que um julgamento sobre a impossibilidade de o Estado impor sanção penal não tratava nem de descriminalização nem de despenalização. O que deveria ser uma tese constitucional robusta se transmutou numa versão caquética e confusa —policiais e juízes vão ter dificuldades para descobrir como deverão agir daqui em diante.
O STF é um poder contramajoritário ao qual cabe garantir os direitos fundamentais dos cidadãos. Também é um poder não eleito que precisa exercer a autocontenção. Isso significa que ele deve evitar entrar em bolas divididas, mas não deve ter medo de ser lógico e contundente nas brigas que decide comprar. Não é o que aconteceu aqui.
helio@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário