Um homem invisível e imortal acompanha tudo o que oito bilhões de pessoas estão fazendo, o tempo todo. Ele vê uma menina ser estuprada e engravidada pelo pai, padrasto, padrinho ou por um completo desconhecido, que seja. E julga que a violência cometida contra ela não é tão grave quanto uma intervenção para protegê-la. Afinal, Ele também é homem.
Como mulher e escritora, considero essa história duplamente ultrajante. Me mato de trabalhar para criar narrativas plausíveis. Com o suor deste trabalho, pago impostos para um Estado que deveria ser laico e garantir minha segurança.
Deixemos de lado as ficções e vamos aos fatos. No Brasil, 1% dos estupradores são condenados, segundo artigo do perito criminal federal Hélio Buchmüller. Em 2022, 6 em cada 10 vítimas de estupro no país tinham, no máximo, 13 anos de idade, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Distopia e realidade se fundem com a tramitação na Câmara dos Deputados do projeto de lei 1904/24, que equipara o aborto ao crime de homicídio. O PL submete vítimas de estupro a uma pena mais severa do que a reservada aos estupradores.
A tentativa de criminalizar mulheres que sofreram violência sexual parte de um grupo de parlamentares religiosos que legisla para aumentar os índices alarmantes de mortalidade por abortos clandestinos. São esses parlamentares que deveriam responder por homicídio.
O principal argumento de quem se posiciona a favor do PL é que o feto não tem culpa. Concordo. Só tem culpa quem tem consciência, o que não é o caso de um feto. Para rebater esse argumento, faço das palavras do comediante George Carlin as minhas. Em meio à profusão de opiniões sobre os corpos femininos, baseadas no discurso deturpado de um patriarca imaginário, vale considerar a opinião de um homem de verdade:
"Se o feto é um ser humano, por que não é contado pelo censo demográfico? Se um feto é um ser humano, por que abortos espontâneos não recebem um funeral? Se um feto é um ser humano, por que as pessoas dizem que 'tem dois filhos e mais um chegando' em vez de dizerem: 'temos três filhos'? As pessoas dizem que a vida começa na concepção. Eu digo que a vida começou há um bilhão de anos e é um processo contínuo".
Isso é ser pró-vida na prática: não aceitar retrocessos e evoluir, junto com ela.
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