segunda-feira, 24 de junho de 2024

WALDOMIRO J. SILVA FILHO - Um túnel no fim do túnel, FSP

 Há algum tempo as universidades públicas vivem no interior de um ciclo de crises. Não dá para estabelecer precisamente quando e como começou nem qual a sua exata natureza. Seguro é que existem dois sintomas da crise: o colapso do financiamento e salários e a conflagração em torno dos seus valores e missões.

Invertendo a imagem bíblica, depois da bonança de um próspero estágio de crescimento, expansão e cofres cheios, veio a tempestade. Entre o segundo governo Lula e primeiro governo Dilma, as universidades tiveram vultosos investimentos, ampliação dos campi e das vagas, significativa melhoria dos salários e da carreira, internacionalização da graduação e pós-graduação e políticas de cotas e de permanência.

Mas, pelo menos nos últimos dez anos, o orçamento das universidades federais vem sofrendo cortes severos, que afetam as condições de trabalho nas várias frentes, como ensino de graduação e pós-graduação, extensão, pesquisa e funcionamento de hospitais universitários. No mesmo período, a perda nos salários dos técnicos e docentes é assombrosa.

Foto colorida mostra pessoas reunidas com um cartaz erguido
Professores e alunos da Unifesp fazem protesto em São Paulo - Marlene Bergamo/Folhapress

Por coincidência, nesse mesmo ciclo ocorreu a ascensão da extrema direita na política nacional e, com ela, a crítica à universidade como ambiente predominantemente esquerdista e anticristão. E, na chave oposta, internamente, o cotidiano das universidades passou a conviver com a intensidade dos movimentos identitários negro e LGBTQIAPN+, que, entre suas pautas, acusa a universidade de preservar práticas racistas, homofóbicas e sexistas.

Abriram-se novos (e legítimos) campos de batalha e é preciso algum esforço para tentar entender tudo isso. São muitas pontas soltas e me parece que essa greve que se arrastou por três meses apenas escancara o tamanho do buraco onde as universidades se meteram.

A despeito de todo o desgaste que tem gerado, talvez a greve traga consigo uma coisa boa. Parece que é um "fato sociológico" que a universidade havia perdido o poder de pautar a imprensa, de se comunicar com a sociedade civil e, claro, de atrair a atenção da classe política. Ainda que a universidade tenha um papel fundamental, especialmente em sociedade democráticas, algo se rompeu... E deve se restaurar.

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A greve não só denuncia o sucateamento das Ifes e a precarização dos salários. Ela descortina algo que a imprensa e a sociedade parecem ter ignorado até agora: há um conflito político dentro da universidade.

No seu interior, docentes estão em franco desacordo sobre assuntos cruciais, como o próprio papel da universidade diante das desigualdades sociais, a relação com a sociedade e a economia e, inclusive, sobre a prática da democracia. São desacordos legítimos e incontornáveis. Pode ser uma tensão benéfica, pois reflete dentro do campus as tensões de uma sociedade dividida, que não consegue vislumbrar um caminho comum.

O desacordo se reflete no movimento sindical que conduziu à greve. As universidades estão rachadas entre pelo menos duas representações sindicais, a Andes e o Proifes, entidades que têm ideias e ideais muitas vezes diametralmente opostos.

Uns acusam o Proifes de ser braço sindical do governo do PT, outros acusam a Andes de ser um reduto de partidos de extrema esquerda que não têm representação parlamentar e precisam dos recursos dos sindicatos.

O fato é que o Proifes costurou um acordo na mesa de negociação oficial que dá aumentos razoáveis para docentes até 2026; e a Andes quer impedir que o Proifes assine esse acordo e obter, a todo custo, o monopólio sindical.

É importante que a sociedade conheça esse confronto de ideias. Todos podemos aprender com ele.

Nós entramos em um túnel tenebroso e os desafios da universidade escalaram em tamanho e dificuldade. Não podemos, no fim desse túnel, encontrar outro túnel.

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