O Supremo Tribunal Federal (STF) vai punir o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros militares que armaram a trama golpista de 8 de janeiro de 2023. Trata-se de um desfecho dado como favas contadas pela caserna. Nos bastidores, porém, integrantes do Alto Comando do Exército mostram preocupação com o julgamento de oficiais que, embora sabendo do plano para impedir a posse do presidente Lula, nada fizeram.
Há no STF uma divergência em relação a esse ponto. Decano da Corte, o ministro Gilmar Mendes, por exemplo, classificou os depoimentos de ex-comandantes militares divulgados até agora como “extremamente graves”. Não foi só: disse que quem participou de reuniões ou teve acesso a informações sobre ruptura institucional será alvo de processo judicial ainda neste semestre.
Na outra ponta, o ministro André Mendonça e outros magistrados têm dado sinais de que são contra a tese segundo a qual todo militar que soube das intenções golpistas de Bolsonaro e cruzou os braços se encaixa no crime de prevaricação e, portanto, deve ser preso.
“Qualquer ação de golpe de Estado necessitaria da intervenção de forças militares”, disse Mendonça, que foi ministro da Justiça e chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) no governo Bolsonaro.
Os depoimentos à Polícia Federal que revelaram os labirintos da intentona de 8 de janeiro desgastaram ainda mais a imagem das Forças Armadas, às vésperas dos 60 anos do golpe de 31 de março de 1964. Foi por isso que o comandante do Exército, general Tomás Paiva, saiu a campo para defender a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe a candidatura de militares da ativa a cargos eletivos.
“O militar que quiser ser político deve mudar de profissão”, afirmou Paiva. “Nós não temos que estar envolvidos com política. Se é de direita ou de esquerda, não interessa”, emendou o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Joseli Parente.
Depois do julgamento do Supremo, o STM vai se debruçar sobre a situação dos oficiais, alguns deles de alta patente, e medidas disciplinares serão tomadas. O general Walter Braga Netto, candidato a vice de Bolsonaro em 2022, é um dos que estão na mira do STM.
Mensagens obtidas pela Polícia Federal apontam que Braga Netto chamou o então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, de “cagão” por ter se recusado a aderir ao golpe.
Além disso, incentivou ataques nas redes sociais ao tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, que à época chefiava a Aeronáutica e foi considerado por ele como “traidor da Pátria”. Deu a mesma “orientação” para que houvesse um bombardeio virtual na direção do general Tomás Paiva, visto como “PT desde criancinha”.
Coube a Baptista Júnior a revelação de que Freire Gomes disse, numa reunião convocada em 14 de dezembro de 2022 pelo então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que seria obrigado a dar voz de prisão a Bolsonaro, caso ele tentasse virar a mesa.
Mas, para aliados de Bolsonaro, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil, esta versão foi criada para que os dois militares se livrassem do crime de prevaricação. “Eles foram omissos”, avaliou Ciro. Em julho de 2021, o senador testemunhou uma aliança dos oficiais com Braga Netto, que naquela data era o ministro da Defesa, para pressionar a Câmara pela aprovação do voto impresso.
Freire Gomes ficou enfurecido com Moraes
Pouco mais de um ano depois, em agosto de 2022, Freire Gomes também participou de uma reunião a portas fechadas, na casa de Baptista Júnior, com o comandante da Marinha, Almir Garnier, entre outros convidados. Na ocasião, o general reclamou muito do ministro do STF Alexandre de Moraes, que havia tomado posse a poucos dias como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A conversa começou às 20 horas e terminou bem depois da meia noite. Freire Gomes estava enfurecido com o fato de Moraes ter se reunido com os 27 comandantes das Polícias Militares para discutir a segurança das eleições, sem ao menos consultá-lo. Dizia que, pela Constituição, quem comanda as PMs e as forças auxiliares é o Exército.
O tempo fechou e houve ali quem pregasse que a Procuradoria-Geral da República pedisse a prisão de Moraes. Como se sabe agora, quando Bolsonaro apresentou a proposta de intervenção militar, Garnier avisou que suas tropas estavam à disposição.
É certo que muitas revelações ainda estão por vir, mas sobre um fato não há dúvida: desde 2020 Bolsonaro queria decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no País. Na pandemia da Covid-19, sua intenção era pôr o Exército nas ruas para abrir as lojas. Seria uma “emergência do bem”, dizia ele, quando falava sobre um possível estado de sítio.
Militares que foram contra, como o então ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva, caíram no fim de março de 2021. Nesta terça-feira, 19, a Polícia Federal indiciou Bolsonaro, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e outras 15 pessoas por falsificação nos cartões de vacina contra a Covid-19 e desconfia que a fraude possa ter ligação com a tentativa do ex-presidente de se manter no poder.
Ainda há muito o que se investigar para impedir que o futuro repita o passado. Mas, como se vê, o planejamento do golpe não ocorreu de uma hora para outra.
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