sexta-feira, 22 de março de 2024

A voracidade pelos lucros do setor extrativo, André Roncaglia, FSP

 No artigo da semana passada, mostrei como a lógica de mercado disfarça suas compulsões extrativistas com uma "racionalidade técnica" já superada.

Ao igualar qualidade institucional à autonomia em relação ao governo, a cartilha financista ignora os efeitos duradouros e profundos de o mercado distorcer os objetivos das empresas.

A financeirização das três principais gestoras de recursos naturais do país (Petrobras, Eletrobras e Vale) restringe sua utilidade social à capacidade de distribuir lucros aos acionistas, ao sabor dos ciclos globais de commodities. A Petrobras (2022) e a Vale (2021) estavam entre as maiores pagadoras de dividendos do planeta.

Imagem aérea mostra área rural tomada pela lama após rompimento de uma barragem
Área atingida pelo vazamento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), em 2015 - Reuters

Entre 2019 e 2022, a gestão "técnica" da Petrobras alterou a fórmula de remuneração dos acionistas e despejou mais de R$ 330 bilhões na forma de dividendos, com vultosa venda de ativos, como refinarias, fábricas de fertilizantes e sua rede de distribuição.

Por outro lado, a mão invisível do mercado não impediu que a Vale produzisse as tragédias de Mariana (2015) e de Brumadinho (2019), entre outras violações de regras ambientais; não garantiu a nossa autossuficiência em diesel ou gasolina após o desmonte da cadeia produtiva da Petrobras; tampouco consegue evitar os apagões recorrentes Brasil afora, fruto da crescente privatização do setor elétrico.

Esse é um problema grave, dada a dependência de nossa economia à exploração direta e pouco sofisticada dos nossos abundantes recursos naturais.

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Nossa pauta de exportações é dominada por commodities agropecuárias e minerais (70%). As contas públicas também dependem delas; segundo cálculos do meu colega Bráulio Borges (Ibre-FGV), a bonança mineral-extrativa renderá perto de 2% do PIB em receitas anuais à União até 2033.

Artigo de Lashitew e Wercker (2020) mostra que, sob o efeito dessa dependência, o rentismo se entranha nas instituições para capturar essas rendas extrativas, inibindo investimentos em infraestrutura e insumos públicos (como saúde e educação). Esse é o "efeito voracidade" das elites econômicas e políticas sobre o "lucro fácil" da exploração rudimentar dos recursos naturais.

Além de revelar uma ampla rede de corrupção nos planos de expansão da Petrobras —na esteira da descoberta do pré-sal—, a Operação Lava Jato legou às empresas públicas a pressão em favor da privatização e barreiras ao aumento dos investimentos (vide atuação do subprocurador questionando "interferência" do governo na Petrobras).

O Estado perdeu valiosos ativos para enfrentar a transição energética. Só nos resta a Petrobras.

Em 2020, uma "Carta Aberta dos CEOs", da Iniciativa Climática de Petróleo e Gás (OGCI, em inglês), estabeleceu seu compromisso com os esforços de redução de emissões e de criação de soluções de baixo carbono.

Diante dessas mudanças, a consultoria McKinsey (2021) delineou três arquétipos das empresas de óleo e gás no mundo: a especialista em recursos naturais, a empresa de energia integrada e a empresa de energia limpa.

O estudo prevê falências generalizadas de empresas posicionadas como especialistas em recursos. Para migrar do modelo especializado para uma carteira integrada de fontes de energia, a Petrobras deve apertar o passo. Afinal, a vantagem para empresas líderes começa a materializar-se quando mais de 40% do total das carteiras são de baixo carbono; hoje, a Petrobras aloca cerca de 5% dos seus investimentos em novas energias.

Devido ao baixo custo de produção do pré-sal, a Petrobras está bem posicionada para se tornar líder na transição energética. Para isso, os lucros extraordinários precisam ser direcionados à diversificação da sua produção, não para os bolsos dos acionistas.

Sem isso, o que faremos quando a estrela do pré-sal se apagar, a partir de 2029?

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