No artigo da semana passada, mostrei como a lógica de mercado disfarça suas compulsões extrativistas com uma "racionalidade técnica" já superada.
Ao igualar qualidade institucional à autonomia em relação ao governo, a cartilha financista ignora os efeitos duradouros e profundos de o mercado distorcer os objetivos das empresas.
A financeirização das três principais gestoras de recursos naturais do país (Petrobras, Eletrobras e Vale) restringe sua utilidade social à capacidade de distribuir lucros aos acionistas, ao sabor dos ciclos globais de commodities. A Petrobras (2022) e a Vale (2021) estavam entre as maiores pagadoras de dividendos do planeta.
Entre 2019 e 2022, a gestão "técnica" da Petrobras alterou a fórmula de remuneração dos acionistas e despejou mais de R$ 330 bilhões na forma de dividendos, com vultosa venda de ativos, como refinarias, fábricas de fertilizantes e sua rede de distribuição.
Por outro lado, a mão invisível do mercado não impediu que a Vale produzisse as tragédias de Mariana (2015) e de Brumadinho (2019), entre outras violações de regras ambientais; não garantiu a nossa autossuficiência em diesel ou gasolina após o desmonte da cadeia produtiva da Petrobras; tampouco consegue evitar os apagões recorrentes Brasil afora, fruto da crescente privatização do setor elétrico.
Esse é um problema grave, dada a dependência de nossa economia à exploração direta e pouco sofisticada dos nossos abundantes recursos naturais.
Nossa pauta de exportações é dominada por commodities agropecuárias e minerais (70%). As contas públicas também dependem delas; segundo cálculos do meu colega Bráulio Borges (Ibre-FGV), a bonança mineral-extrativa renderá perto de 2% do PIB em receitas anuais à União até 2033.
Artigo de Lashitew e Wercker (2020) mostra que, sob o efeito dessa dependência, o rentismo se entranha nas instituições para capturar essas rendas extrativas, inibindo investimentos em infraestrutura e insumos públicos (como saúde e educação). Esse é o "efeito voracidade" das elites econômicas e políticas sobre o "lucro fácil" da exploração rudimentar dos recursos naturais.
Além de revelar uma ampla rede de corrupção nos planos de expansão da Petrobras —na esteira da descoberta do pré-sal—, a Operação Lava Jato legou às empresas públicas a pressão em favor da privatização e barreiras ao aumento dos investimentos (vide atuação do subprocurador questionando "interferência" do governo na Petrobras).
O Estado perdeu valiosos ativos para enfrentar a transição energética. Só nos resta a Petrobras.
Em 2020, uma "Carta Aberta dos CEOs", da Iniciativa Climática de Petróleo e Gás (OGCI, em inglês), estabeleceu seu compromisso com os esforços de redução de emissões e de criação de soluções de baixo carbono.
Diante dessas mudanças, a consultoria McKinsey (2021) delineou três arquétipos das empresas de óleo e gás no mundo: a especialista em recursos naturais, a empresa de energia integrada e a empresa de energia limpa.
O estudo prevê falências generalizadas de empresas posicionadas como especialistas em recursos. Para migrar do modelo especializado para uma carteira integrada de fontes de energia, a Petrobras deve apertar o passo. Afinal, a vantagem para empresas líderes começa a materializar-se quando mais de 40% do total das carteiras são de baixo carbono; hoje, a Petrobras aloca cerca de 5% dos seus investimentos em novas energias.
Devido ao baixo custo de produção do pré-sal, a Petrobras está bem posicionada para se tornar líder na transição energética. Para isso, os lucros extraordinários precisam ser direcionados à diversificação da sua produção, não para os bolsos dos acionistas.
Sem isso, o que faremos quando a estrela do pré-sal se apagar, a partir de 2029?
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