"Yo fè fas ak pasaj sa nan mitan forè ant Kolonbi ak Panama ansanm ak paran yo, pifò nan yo se ayisyen kitap viv Brezil, e kitap viv sitiyasyon de abandon ak lanmò." Essa frase foi publicada pela Folha na última semana e, por incrível que pareça, isso é muito bom.
A série "Dárien, a selva da morte", em que a repórter Mayara Paixão e o fotógrafo Lalo de Almeida acompanham a brutal travessia de imigrantes pelo estreito que separa Colômbia e Panamá, foi traduzido para o inglês, o espanhol e o créole haitiano, a língua enigmática que abre a coluna.
Como explica o primeiro capítulo da reportagem, justamente o que foi traduzido para o idioma dominante no Haiti, mais de 15 mil crianças e adolescentes brasileiros, filhos de haitianos que vieram para o Brasil ao longo da última década, agora emigram com os pais para os EUA. Ou melhor, tentam, em périplo arriscadíssimo, que tem como primeiro obstáculo a "selva da morte", Dárien, 100 km de floresta tropical, lama, água, violência, atravessadores e coiotes.
A breve descrição já justifica qualquer esforço de reportagem, e é de se imaginar que a história tenha sensibilizado diversos leitores brasileiros da Folha nos grandes centros urbanos do país. Terá o relato, porém, alcançado os eventuais, para não dizer futuros, personagens da saga, os haitianos espalhados pela América do Sul, que também almejam o eldorado americano? Sem ajuda, provavelmente não. Eis então uma das poucas maravilhas do jornalismo atual, a capacidade de transbordar fronteiras, graças à tecnologia e às boas iniciativas.
Há pouco mais de um ano, a agência ProPublica relatou nos EUA a história de um nicaraguense, Jefferson Rodríguez, 8, encontrado morto em uma fazenda leiteira no Wisconsin. Os policiais que atenderam ao chamado do dono do negócio mal falavam espanhol, mas entenderam o suficiente para prender e acusar o pai do garoto por um crime que não cometeu. A reportagem tirou o pai da cadeia e ainda denunciou os vários abusos aos quais imigrantes são submetidos em propriedades do Meio-Oeste americano.
A agência, porém, achou que contar a história para seu público habitual, extratos cultos e elitizados de regiões mais informadas do país, poderia gerar consternação e indignação, mas tinha pouco potencial de transformar o duro cotidiano daqueles trabalhadores. Era preciso, portanto, fazer a história chegar a quem interessa.
As repórteres responsáveis pela matéria, filhas de imigrantes e falantes de espanhol, se tornaram fluentes também em TikTok, a rede social que mais atingia as comunidades envolvidas no episódio. Elas participaram de programas de rádios locais, e a reportagem ganhou versões customizadas, como podcast e brochura. A divulgação do material também foi estudada para ampliar o alcance da história. Cartazes foram afixados em murais de recados de comércios.
Como escreveu a ProPublica em reportagem sobre o projeto, na dinâmica atual não dá para ficar esperando que os leitores cheguem sozinhos às histórias difíceis. Uma alternativa é só fazer aquilo que interessa à maioria, e nesse ponto o jornalismo começa a morrer.
A Folha traduziu e deve divulgar sua reportagem entre grupos de imigrantes. "A desinformação sobre a inóspita região contribui para o enorme fluxo pela floresta. Vídeos em redes como o TikTok e o YouTube costumam mascarar a realidade, marcada por trilhas e rios perigosos, além de gangues armadas e de redes do narcotráfico", explica o jornal em texto sobre a iniciativa.
Sobram candidatos no índice da Folha que mereceriam essa divulgação dirigida. Um exemplo recente e eloquente é a reportagem sobre gravidez precoce em Autazes, no Amazonas, parte de outra oportuna série deste diário, que versa sobre direitos reprodutivos. Falta muita informação em inúmeros cantos do país, mas é de se duvidar de que a Folha e outros grandes veículos estejam conseguindo entregá-la a quem mais a aproveitaria.
O obscurantismo que exala de Brasília, assembleias, templos, igrejas e de grupos de WhatsApp de escolas ou condomínios mostra que não.
LAVA JATO, 10
Na última quarta-feira (20), a Folha publicou, dentro de seu pacote-efeméride de dez anos da Lava Jato, uma aguardada reportagem sobre o papel da imprensa no episódio. O enunciado "Imprensa poupou Lava Jato, mas expôs irregularidades ao final, dizem especialistas" prenuncia autocrítica, mas se rende rápido a uma suposta ressurreição a partir da Vaza Jato. A Folha afirma que "manteve uma postura crítica em relação à força-tarefa". O que restou na retina de muitos leitores, porém, foi o contrário.
Fez falta o olhar severo que se percebe na cobertura atual dos atos golpistas. Faz falta uma verdadeira autocrítica: onde e quando o jornal errou. Vaza Jato era obrigação.
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