Há exatos 60 anos, a defesa da democracia era utilizada como pretexto para justificar um golpe de Estado e instaurar uma ditadura militar que suprimiu direitos, liberdades e vidas ao longo de duas décadas no Brasil. Há pouco mais de um ano, em 8 de janeiro de 2023, o então presidente Jair Bolsonaro, aliados e apoiadores mais uma vez mobilizaram um conceito deturpado de democracia como justificativa para atacar simultaneamente os três Poderes da República e tentar romper o Estado democrático de Direito no país.
Tal manobra narrativa é uma constante histórica em contextos golpistas nacionais e internacionais. Afinal, democracia é um conceito, uma promessa e uma realidade em permanente disputa, que se acirra consideravelmente em locais em que as profundas e diversas desigualdades impedem que suas benesses sejam acessadas e efetivas para parte significativa da população, como é o caso brasileiro. Quando diversos aspectos da vida em sociedade não caminham bem, é comum que se deposite na democracia toda a insatisfação pelos graves problemas que enfrentamos e, não raramente, vê-se a ascensão de lideranças antidemocráticas cujo projeto político se centra na implosão do sistema vigente. E a população, por sua vez, fica mais suscetível às soluções alicerçadas no fenômeno antissistema que comumente emerge nessas situações.
Nada disso é novo. Tanto no atual contexto quanto em 1964, assistimos à tessitura de um ambiente de desconfiança, de "inimigos" a serem derrotados e de descrédito nas capacidades institucionais do país. A história até pode ser cíclica, mas se o trabalho acerca da memória, da verdade e da justiça relativas aos períodos de autoritarismo não for encarado e realizado como se deve, jamais será possível consolidar no Brasil uma cultura democrática robusta e genuína. Se há cerca de 40 anos optou-se pela anistia dos envolvidos no regime ditatorial brasileiro, no século 21 não podemos e não iremos permitir que isso se repita, sob risco de a nossa democracia seguir ameaçada pela pandemia antidemocrática que assola o país e o mundo atualmente.
É urgente fortalecer os pilares sociais e institucionais da democracia no Brasil. A sociedade civil tem papel fundamental a cumprir para que algo tão vital não seja novamente negligenciado por quaisquer atores que possam se beneficiar do obscurantismo histórico.
Se no século passado a sociedade conseguiu encontrar meios de fazer resistência ao regime autoritário do país, hoje nós seguimos ativos e articulados a fim de garantir que a responsabilização de todos os envolvidos nos inúmeros crimes contra a democracia brasileira será levada a cabo, assim como na construção de uma consistente agenda voltada a fortalecer os pilares do Estado de Direito, destruídos em 1964 pelos militares, diuturnamente atacados por Bolsonaro de 2019 a 2022 e ainda sob ameaça hoje.
Lembrar os 60 anos do golpe militar é, portanto, mais do que um exercício de memória; é especialmente uma maneira incontornável de lidar com o presente e de construir um futuro democrático.
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