quarta-feira, 20 de março de 2024

EROS E TÂNATOS José Benjamim Lima, in site APMP

 

“Não somos material que subsista,

mas padrões que se perpetuam a

si próprios.” (Norbert Wiener –

Cibernética e Sociedade)

A ciência nos mostra, tanto na física quanto na biologia, que todos

os seres vivos são movidos por duas forças opostas: a entropia e a

homeostase. Entropia é a tendência de todos os corpos à

deterioração, à corrupção, ao aniquilamento, à desordem e à morte.

Como diz o poeta Cassiano Ricardo, num belo poema: “Desde o

instante em que se nasce / já se começa a morrer.” (Relógio). A

homeostase, por sua vez, é o mecanismo de autorregulação, pelo

qual resistimos à entropia, mantendo o equilíbrio e a ordem e, por

consequência, a vida. Um equilíbrio instável, sempre em

movimento e jamais estático e acabado, diga-se. O matemático,

filósofo e pioneiro da cibernética, Norbert Wiener, no seu livro

“Cibernética e Sociedade”, explica: “A vida é uma ilha, aqui e

agora, num mundo agonizante. O processo pelo qual nós, seres

vivos, resistimos ao fluxo geral de corrupção e desintegração é

conhecido por homeostase”.

Tanto no plano físico quanto no psíquico convivemos com as

forças da ordem e da desordem. Com os mecanismos de

autorregulação que a natureza nos propiciou, nosso corpo biológico

luta minuto a minuto contra as ameaças de destruição (bactérias,

vírus, inflamações, infecções, psicoses). Quando esses mecanismos

internos são insuficientes, lançamos mão de mecanismos externos

– remédios, tratamentos, cirurgias – para tentar restabelecer o

equilíbrio. É a eterna luta entre a entropia e a homeostase, luta na

qual a entropia acaba sempre levando a melhor.

No plano físico, inimigos íntimos de nós mesmos, tendemos a não

cuidar adequadamente de nossa saúde. A maioria só se cuida

quando o calo aperta, geralmente depois da porta arrombada. No

psicológico, somos ainda mais negligentes. O psíquico não dói tão

visível como o físico. Dói devagar, manso, escondido, em silêncio;

nem percebemos e já tomou conta. Às vezes nos recusamos

conscientemente a perceber, deixamo-nos levar pelo autoengano, o

que torna ainda mais difícil a busca de tratamento.

O criador da Psicanálise, Sigmund Freud, utilizando entidades da

mitologia grega, denominou Eros o princípio (ou energia interior

que temos) orientado para vida, a satisfação, o prazer, enquanto

Tânatos é a energia contrária, a pulsão para a autodestruição e

morte. O primeiro, Eros, busca a unidade, a integridade e o

equilíbrio de nosso psiquismo, enquanto o segundo, Tânatos, nos

impele à destruição, ao nada. A vida é esse permanente conflito

entre essas duas forças. No plano da consciência, o Ego tende a não

admitir a existência de pulsões destrutivas; tais instintos tendem a

ser recalcados, mascarados e encobertos. Mas no plano do

inconsciente eles são bastante ativos e responsáveis por boa parte

dos males psíquicos que acabam perturbando a saúde mental:

neuroses, psicoses, ansiedade, angústia, depressão.

Se, por mais que se lute para manter a vida, por mais que se busque

a homeostase, a entropia é inevitável, sobra para o ser humano o

consolo de que o seu padrão biológico subsiste na sua

descendência. Sob esse aspecto, pode-se dizer que o gene humano,

assim como o de qualquer ser vivo, é praticamente imortal. Um

consolo que não consola, porque a riqueza das experiências e da

vida pessoal de cada ser humano desaparece com a sua morte. São

momentos que “ficarão perdidos no tempo como lágrimas na

chuva”, disse o personagem-androide Roy Batti, antes de morrer,

na maravilhosa obra-prima que é o filme Blade Runner (Caçador

de Androides), de Ridley Scott. (limajb48@gmail.com)

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