Certos assuntos demandam que o jornalismo olhe para os lados para explicar o que está à frente. Às vezes, para trás. É o chamado contexto, que faz muita falta nesta era de notícias dadas em títulos, já sem ambição de convencer os leitores a procurarem mais detalhes no corpo das reportagens.
No ano passado, por exemplo, a França de Emmanuel Macron discutia subir a idade de aposentadoria para 64 anos, em meio a pancadarias nas ruas e gritarias no Parlamento. Muito se escreveu sobre equilíbrio fiscal, o caráter insustentável da Previdência pública, envelhecimento da população. Um monte de números para convencer que os franceses são privilegiados.
Era razoável indagar como chegaram a essa situação, mas poucos pensaram nisso. The Wall Street Journal foi uma exceção. Em reportagem que transcendeu os dados, lembrou do primeiro presidente socialista do país, François Mitterrand, que criou um ministério para promover lazer e viagens e derrubou a idade de aposentadoria no início dos anos 1980 de 65 para 60. A França criava um novo conceito, a terceira idade, que se espalhou pelo resto do planeta. Havia a busca de outro equilíbrio, o social.
A história não resolve as contas, mas mostra razões. Um pouco disso faltou na última semana, no noticiário do julgamento da revisão da vida toda, no STF, que decidiu pela constitucionalidade do fator previdenciário. "Decidiu bem o Supremo..." escreveu a Folha no início do editorial sobre o caso, para espanto de alguns leitores. O problema não era a defesa das contas públicas, mas usá-la como motivo maior para a decisão do tribunal.
Há motivos menores no sentido contrário, milhões deles, de aposentados que entraram na Justiça para tentar recompor os ganhos. "Peço-lhe encarecidamente que reveja o procedimento da Folha na cobertura. Alguns ministros agiram como advogados do governo, não se ativeram ao mérito da questão. E boa parte da mídia silenciou antes do julgamento", escreveu um leitor. Como vários outros, chama de "chute" os R$ 400 bilhões, alegado rombo se o INSS perdesse a causa.
A Folha falou dessa guerra de números e trouxe acompanhamento objetivo da disputa. Também objetivo foi o editorial ao dizer que "desembolsos excessivos com a Previdência subtraem recursos de outras prioridades sociais". Faltou trazer um pouco da história dos que estavam do outro lado, que passaram anos imaginando alguma solução para o equilíbrio fiscal doméstico.
Gente como os leitores do jornal Agora, que a Folha parou de publicar em 2022, campeão de venda em bancas e que quase todos os dias dava manchetes relacionadas à Previdência. Alimentar esperanças é tão ruim como extirpá-las sem mais. O jornal deveria ser mais cuidadoso com um público que, a cada dia que passa, só encontra razões ao olhar para trás.
DEU NO NEW YORK TIMES
Furo da semana ou do ano, vai saber, não saiu em nenhum veículo do país, mas no site do jornal americano. Ao ombudsman, leitores reproduziram a piada das redes sociais: o jornalismo brasileiro está tão ocupado em falar mal do governo Lula que o Times precisou fazer o trabalho dele.
Há quem veja razões subterrâneas para o fugaz exílio de Jair Bolsonaro ter vazado no exterior. Só se determinará isso apurando ou com eventual explicação do próprio jornal. Até lá, é forçoso constatar uma presença cada vez maior de marcas internacionais no Brasil e escrevendo sobre o país.
É o clichê do mundo globalizado, mas com consequências. Redações cada vez menores de um lado, fartura de conteúdo do outro, traduções próximas do instantâneo. Entre as mais lidas da Folha, outro dia, texto do Times sobre exercícios chatos, como agachamentos, que poderia ter sido feito por aqui.
Compra-se o noticiário commodity para concentrar esforços nas grandes reportagens. Mas daí a grande reportagem também sai no Times.
O GOLPE DE LULA
O país e a imprensa discutem os 60 anos do golpe militar de 1964 e o silêncio oficial imposto por Luiz Inácio Lula da Silva. Muitas interpretações para o gesto do presidente: pragmatismo, aceno aos militares legalistas, novo capítulo da histórica falta de responsabilização dos perpetradores da ditadura; ou de memória do estrago, em contraste à expiação vista no Chile e na Argentina.
Tudo faz sentido, até a versão de que Lula está pacificando o país e que isso só será percebido lá na frente. O que for.
"Estavam questionando um sistema eleitoral que nós sabíamos ser eficiente. A única razão para isso é a vontade de mudar o resultado de uma votação livre e justa", disse à Folha Ricardo Zúniga, ex-diplomata do Departamento de Estado americano sobre 2022.
Tentou-se um golpe. Uma boa maneira de não esquecer o 31 de Março é lembrar que houve o 8 de Janeiro, não minimizá-lo. E muita gente faz isso.
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