Reportagem desta Folha ("Verticalização avança, e brasileiros em apartamento chegam a 12%, diz Censo", 23/2) informa que 87% dos brasileiros vivem em casas. Mesmo São Paulo, uma das maiores cidades do mundo, é composta principalmente por bairros horizontais: 70% dos paulistanos vivem em casas.
Muitos bairros da metrópole e de centenas de municípios brasileiros são favelas ou bairros habitados por famílias de baixa renda, com densidades populacionais elevadas, e onde cada nesga de solo é ocupado por construções. Quintais são escassos ali. Mas, ainda assim, segundo o Censo 2022, há 60 milhões de casas, onde vivem 171 milhões de brasileiros, principalmente em cidades.
São, portanto, milhões de quintais, que, em conjunto, representam milhares de hectares de solo urbano disponíveis para o plantio de espécies herbáceas, arbustivas e arbóreas de múltiplos usos: ornamentais, alimentícias e para a atração da fauna silvestre.
Os quintais são espaços onde medram gramados, vegetação ornamental, hortas e árvores. Existem poucos estudos sobre a extensão dos quintais nas cidades brasileiras. Em Rondonópolis, cidade mato-grossense com 220 mil habitantes, nós mapeamos aproximadamente 62 mil quintais, que somam cerca de 1.280 hectares —ou 15% de sua zona urbana. Esses espaços constituem, portanto, um recurso ambiental com elevado potencial para a conservação da biodiversidade urbana.
A vegetação dos quintais, especialmente as árvores, fornece suporte para centenas de espécies de animais. Aves do cerrado nidificam e acasalam nos quintais de Rondonópolis. A agricultura urbana nos quintais pode reforçar a segurança alimentar das famílias com o plantio de hortaliças e árvores frutíferas, alimentos livres de agrotóxicos.
Infelizmente, os quintais são espaços invisíveis: as prefeituras das cidades brasileiras desconhecem as suas características mais importantes, como a área, a percentagem de solo não pavimentado e as espécies que as famílias cultivam. A diversidade de plantas nos quintais pode variar amplamente, de acordo com a classe social predominante nos bairros. Nos bairros de classe média alta, usualmente os quintais são maiores, com mais árvores e mais diversidade de espécies. Bairros pobres possuem poucas áreas verdes, como praças e parques —ou nenhuma. Naquelas vizinhanças, a introdução de vegetação nos quintais —principalmente árvores— pode ser a única política possível para a criação de manchas verdes.
Além da segurança alimentar, o aumento da cobertura arbórea nos bairros é uma questão de saúde pública. Centenas de artigos científicos têm demonstrado que em bairros com poucas árvores há uma maior incidência de muitas enfermidades, que incluem doenças respiratórias e câncer de pele.
Estamos diante de uma massiva e acelerada extinção de espécies. A abordagem tradicional da biologia da conservação, de proteção de áreas prístinas, tem se revelado insuficiente para estancar a devastação.
Dados ainda não publicados de pesquisadores da UFMS e UFR mapearam centenas de espécies ameaçadas de extinção que ocorrem em milhares de cidades em seis biomas brasileiros. As cidades também precisam atuar como espaços de conservação da biodiversidade, e os seus benefícios, democratizados em quintais verdes. A biodiversidade urbana é também uma questão de justiça ambiental.
Nenhum comentário:
Postar um comentário