O Senado decidiu pautar o fim da reeleição para os cargos do Executivo. A medida é ruim. Não há nenhum sinal de que a reeleição seja negativa para o país.
Argumenta-se que a reeleição estimula irresponsabilidade fiscal e populismo do incumbente para aumentar as chances de reeleição. Mas não parece que, se a reeleição deixar de existir, aumentará a responsabilidade dos prefeitos, dos governadores ou do presidente.
Penso exatamente o contrário. Pergunto ao leitor: não teria sido muito melhor para o país se Juscelino Kubitschek tivesse tido de lidar com a herança maldita que legou para Jânio Quadros? Se houvesse a reeleição à época, provavelmente JK teria sido mais cauteloso no seu ambicioso programa de desenvolvimento —que legou a desorganização macroeconômica que desaguou no golpe de 1964— e arcaria com o custo político de ter que arrumar a bagunça que criou. Certamente a avaliação histórica que se faz de JK hoje seria outra e seria muito mais próxima da realidade de sua administração.
FHC teve de arrumar, no segundo mandato, o desequilíbrio fiscal que criou no primeiro mandato. Fez isso muito bem, mas não o suficiente para manter seu projeto político. Houve transição política em seguida.
Dilma teve de lidar com a herança da nova matriz econômica. Infelizmente, perdeu qualquer condição de liderar o país e foi impedida. Mas tentou e conseguiu algumas vitórias em 2015.
Temer já recebeu de Dilma 2 uma economia mais arrumada do que Dilma 1 legou para Dilma 2.
Segundo a ciência política, a reeleição permite que o voto, além de ser prospectivo, baseado no futuro, seja retrospectivo, isto é, premie o bom governante.
A evidência empírica sugere que a reeleição tem funcionado. Os pesquisadores Claudio Ferraz e Frederico Finan, em artigo na prestigiosa American Economic Review, documentam que a corrupção é menor em prefeitos que podem concorrer à reeleição.
Pedro Cavalcante, em trabalho de 2015, documentou que os prefeitos com melhores pontuações no índice Firjan de Gestão Fiscal têm maior chance de serem reeleitos.
Finalmente, João Eudes Bezerra Filho e Samuel Barros Godinho, em trabalho publicado em 2021, documentaram que a má gestão da merenda escolar reduz a probabilidade de ser reeleito. Todas essas evidências validam a hipótese de que há voto retrospectivo no Brasil.
Há uma má vontade com a reeleição em razão da maneira como ela foi criada no Brasil. O dispositivo valeu para os titulares do Executivo que tinham sido eleitos por outra regra. Trata-se de clara violação da autocontenção em democracia, ou de jogo político desleal, ainda que legal. Maculou a imagem de FHC. Mas a forma errada com que foi instituída não deve nos desviar do substantivo. A reeleição tem funcionado bem, e não há nada que indique que estaríamos melhor sem ela.
Há um problema ligado à Presidência da República. Seria muito melhor se adotássemos a regra americana: para a Presidência, após dois mandatos, a pessoa não pode mais concorrer.
Se essa regra valesse em 2010, Lula teria sido mais cuidadoso na escolha de seu sucessor e teria indicado um político profissional para o suceder. A expectativa da possibilidade de retorno em 2014 fez com que apontasse uma pessoa sem passado político-eleitoral.
Para a Presidência da República, em razão da importância do cargo e da força que tem no Brasil, não é bom que dependamos durante décadas de uma liderança carismática, por mais talentosa e competente que seja. É importante que a regra estimule maior renovação de lideranças.
As informações sobre o tema divulgadas em uma rede social pelo professor de ciência política da USP Manoel Galdino foram importantes para o preparo da coluna. Vai meu agradecimento ao professor.
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