Em outubro de 2021, os reservatórios das hidrelétricas estavam vazios, e temia-se que a estação chuvosa seguinte do Sudeste, de dezembro a março, fosse fraca, incapaz de reenchê-los. O governo se preparou para evitar eventual falta de energia em 2022 e organizou um leilão emergencial. Só deveriam entrar na competição projetos de usinas novas com inquestionável viabilidade de começar a funcionar poucos meses depois, a partir de maio de 2022.
No geral, ganharam as usinas térmicas a gás natural porque são as que mais facilmente conseguem cumprir um apertado cronograma de instalação. Das 14 vencedoras nessa categoria, apenas uma consumiria combustível renovável, proveniente de aterro sanitário. As demais queimariam combustível fóssil. Devido à urgência, o preço unitário médio da energia contratada foi exorbitantemente elevado, cerca de R$ 1.600/MWh.
Choveu abundantemente nos meses subsequentes. Claro, se o governo tivesse bola de cristal, não teria feito a contratação emergencial que posteriormente se revelou desnecessária. Mas não tinha e não havia possibilidade de voltar atrás. Mesmo a contragosto, o governo tinha de cumprir os contratos.
Depois das chuvas, durante o prazo de implantação, um dirigente de uma das empresas vencedoras da licitação me perguntou o que eu achava de uma solução tecnológica distinta da estipulada no edital, porém mais econômica, e que não causaria nenhuma mudança na produção de eletricidade.
A minha alma de engenheiro estava prestes a concordar com a proposição quando a outra, a de regulador, tomou controle da situação e respondeu: "Como essa energia não é mais necessária e encarece a conta de luz, se eu ainda fosse diretor-geral da Aneel, seria burocraticamente inclemente com qualquer desvio, ainda que racional, no atendimento aos termos do edital e do contrato".
O meu interlocutor entendeu o raciocínio e manteve o empreendimento aderente ao que tinha sido contratado. Alguns outros empreendedores também conseguiram cumprir o combinado.
A Âmbar, que havia comprado o direito de empreender de uma das empresas que venceu o leilão, agiu diferentemente. Propôs trocar as quatro usinas contratadas, que ainda não estavam operacionais no prazo pactuado, por uma usina já existente, a térmica de Cuiabá, em troca de uma renegociação que resultaria numa redução de custo para o consumidor, de R$ 17 bilhões para R$ 10 bilhões.
Embora a proposta violasse os termos do edital, que exigia que as usinas fossem novas, a Aneel concordou. Porém, no caso havia uma alternativa melhor: cancelar a contratação, reduzindo o custo de R$ 17 bilhões para zero.
A Procuradoria da Aneel analisou a possibilidade de disputa judicial e ponderou que havia um histórico de concessão de liminares pela Justiça de difícil reversão. E que uma solução consensual, conduzida pelo TCU, poderia trazer maior segurança para todas as partes. O Ministério de Minas e Energia concordou com a argumentação.
Na atual fase, discute-se se as usinas da Âmbar estão operacionais, quase dois anos depois de vencido o prazo contratual. Todavia, o que realmente importa é se elas estavam operacionais na época do vencimento do prazo.
Pelo andar da carruagem, corre-se o risco de encarecimento da tarifa para cobrir o custo de uma usina "substituta", em desacordo com a regra do edital, que emite gases de efeito estufa e que certamente não seria a melhor escolha para a garantia de suprimento, tanto em termos de energia quanto de potência.
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