Nunca foi segredo que Jair Bolsonaro (PL) tencionava atentar contra a democracia, antes e depois das eleições em que foi derrotado —e também se sabe que as instituições e a sociedade não permitiram que o golpismo avançasse.
O que se investiga hoje é quais foram os planos do ex-mandatário, até que etapa de execução chegaram e quantos estavam dispostos a segui-los. Essa apuração chegou a um novo patamar com os depoimentos de então comandantes das Forças Armadas à Polícia Federal.
De acordo com os relatos dos ex-chefes do Exército e da Aeronáutica, minutas de decretos com medidas de exceção, como a encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e revelada na época pela Folha, não eram apenas sugestões de auxiliares tresloucados de escalões inferiores.
O próprio Bolsonaro, conforme o testemunho do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, teria apresentado propostas de decretação de estado de defesa e de sítio e operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) durante reuniões em dezembro de 2022.
Àquela altura, o intento não seria outro além de impedir a posse do governo eleito. Freire Gomes contou ter se recusado a pôr em prática a trama golpista —e chegou a ameaçar o ex-presidente de prisão, segundo o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, então chefe da Aeronáutica e também opositor declarado das medidas.
É óbvia a gravidade de tais testemunhos, que implicam ainda o ex-ministro da Defesa e o ex-comandante de Marinha. A apuração tem agora elementos bem mais fortes do que a mera delação premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid.
Deve-se evitar o açodamento nas conclusões, todavia. Decerto haverá versões diferentes para os fatos —na sexta-feira (15), foi derrubado o sigilo de 27 depoimentos à PF. Nem mesmo há até aqui denúncia formal contra Bolsonaro.
Se ela vier a ser feita a aceita, o devido processo legal, com amplo direito ao contraditório, deve averiguar como ocorreram as reuniões relatadas e se chegaram ao ponto de configurar tentativa criminosa de golpe de Estado e abolição do Estado de Direito, como se prevê na lei de defesa de democracia, sancionada em 2021.
Seria melhor que a Procuradoria-Geral da República assumisse o papel de parte acusadora, havendo elementos para tanto. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, hoje é ao mesmo tempo condutor anômalo do inquérito e vítima em potencial da conspiração investigada.
A corte precisa ser julgadora imparcial em um eventual caso que, em qualquer hipótese, será inédito, difícil e delicado.
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