segunda-feira, 10 de abril de 2023

RUY CASTRO - Você já entregou hoje?, FSP

 No próximo programa de esportes a que assistir, tente acompanhar quantas vezes ouvirá o verbo entregar. "Fulano não entregou o que o treinador esperava." "Beltrano entrega mais como meia do que como volante." "Jogar com o nome não basta, tem que entregar." "Nunca vi esse time entregar tão pouco." "Sicrano não entrega no Lá Vai Bola o que entregava no Arranca-Toco." Entregar, no caso, é uma apropriação do verbo "to deliver", que, entre muitos outros sentidos em inglês, significa desempenhar, render, ser eficiente.

"Entregar", em sua nova acepção, é um produto do dialeto farialimer, uma espécie de português versão Herbert Richers, usado por economistas, executivos, corretores da Bolsa e outros profissionais que compram suas gravatas em Nova York. De lá, espraiou-se entre os humildes e chegou ao futebol. É comum, ao fim de uma partida, ouvir até dos jogadores mais xucros: "A gente sabe que não entregou o que devia, o time deles é muito qualificado, quando acordamos já estava 5 a 0, mas agora é levantar a cabeça porque quarta-feira tem outro jogo e vamos entregar mais."

Nada contra esta nova acepção de "entregar". É somente mais uma utilidade de um verbo que já nos presta tantos serviços: entregar [algo a alguém], entregar alguém à polícia [alcagüetá-lo], entregar-se [dizer sem querer algo que não devia], entregar-se [dedicar-se] a alguém, entregar-se [doar-se] a uma causa e entregar-se [ceder] à bebida ou ao desânimo. No próprio futebol, entregar já teve outro significado: "Não foi frango! O goleiro é que entregou!" [entregou o jogo, vendeu-se, deixou-se subornar].

No Brasil, onde cada vez mais tentamos falar português em inglês, "entregar", no sentido de "to deliver", é só um exemplo. O cômico é que, agora, já não usamos o verbo para pedir que nos entreguem em casa algo que compramos na rua ou pela internet.

Hoje pedimos delivery.

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