terça-feira, 4 de abril de 2023

Qual o efeito de gastos e impostos sobre o PIB?, FSP

 Quando falamos sobre questões fiscais, frequentemente fazemos uma analogia das contas do governo com o orçamento de uma família. A analogia sempre gera comentários indignados nas redes sociais.


Como uma família, o governo precisa endividar-se quando gasta mais do que ganha. Dívidas mais altas tendem a levar a maiores taxas de juros e maiores riscos. É, portanto, prudente não deixar a dívida crescer a esse ponto.

Apesar de útil, a analogia de fato é incompleta.

Uma diferença crucial entre o orçamento do governo e o de uma família é que gastos e impostos afetam o quanto se produz na economia. Mais tributação desestimula a produção. Cortes de gastos reduzem a demanda por bens e serviços, o que pode afetar negativamente a produção.

Uma extensa literatura em economia busca estimar o tamanho do efeito de mudanças nos impostos e nos gastos do governo.

Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo, em abril de 2017 - Dário Oliveira - 12.abr.17/Folhapress

Não é fácil estimar esses efeitos. Consolidações fiscais em países emergentes tendem a acontecer em momentos de crise, assim como cirurgias tendem a ocorrer quando o paciente tem problemas. Avaliar a cirurgia requer comparar seu resultado com o que aconteceria se o paciente não tivesse sido operado. O mesmo vale para consolidações fiscais, mas, em geral, em economia é difícil saber o que teria acontecido se outras medidas tivessem sido tomadas.

As diversas estimativas do efeito da política fiscal na economia utilizam uma variedade de técnicas estatísticas para contornar esse problema.

Como seria de esperar, nem todos os trabalhos chegam a resultados semelhantes. Ainda assim, a literatura traz algumas lições importantes.

Para países desenvolvidos, como os Estados Unidos, aumentos nos gastos ou reduções em impostos tendem a impulsionar o PIB (Produto Interno Bruto). Gastos menores e impostos maiores fazem o contrário. O efeito parece substancial. Entretanto, o efeito de consolidações fiscais depende de muitos fatores.

Um estudo particularmente influente usa dados trimestrais de 44 países. Uma conclusão é que mudanças na política fiscal têm grande impacto no PIB em países desenvolvidos, mas muito menos efeito em países emergentes (e menos efeito quando o regime de câmbio é flexível).

Esse trabalho conclui também que, quando a dívida pública é alta, cortar gastos ou aumentar impostos não tem efeitos negativos no produto.

De fato, em momentos de desconfiança sobre os rumos da dívida, consolidações fiscais parecem particularmente importantes. Essa lógica funcionou em 2003, quando o governo Lula prometeu —e cumpriu— aumentar o superávit primário para 4,25% do PIB.

A maneira como o ajuste é feito parece afetar seus efeitos no produto.

Vários trabalhos concluem que cortar investimentos públicos tem um efeito negativo substancial sobre o produto.

Usando dados de países latino-americanos, há evidências de que consolidações fiscais por meio de aumentos de impostos afetam negativamente o PIB mais do que ajustes baseados em cortes nos gastos.

Essas evidências não são definitivas, mas são o que temos no momento para guiar as decisões de política macroeconômica. De acordo com essa literatura, um ajuste fiscal hoje não teria o efeito negativo de curto prazo no PIB, comum em outros casos.

Muitos dos comentários sobre os planos fiscais parecem supor que uma forte consolidação teria um efeito recessivo. Até onde sabemos, essas ideias não correspondem aos fatos.

No Brasil de hoje, a analogia entre as contas do governo e o orçamento de uma família funciona muito bem.


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